http://www.pedro.jmrezende.com.br/sd.htm > software livre: futuro

Sapos Piramidais nas Guerras Virtuais

Episódio V: O Bazar, a Catedral e o STF

Palestra no 5o. Seminário de Segurança na Informática
Instituto Tecnológico de Aeronáutica
S. J. dos Campos, SP - 5/11/03

Prof. Pedro Antônio Dourado de Rezende
Departamento de Ciência da Computação
Universidade de Brasília


Índice

1- Início

1.1- Ghandi e os movimentos sociais
1.2- A guerra virtual do Direito cognitivo
1.3- O teatro atual da guerra cognitiva
1.4- A estratégia FUD, em Novilíngua

2- Meio

2.1- Software se consome?
2.2- Senso de Justiça na avareza
2.3- Antagonismo ou complementaridade?
2.4- Viés ideológico uniforme

3- Final

3.1- Perigosa leveza fática
3.2- Responsabilidade e hipocrisia
3.3- O mistério da virtualíssima trindade
3.4- Platão e Trasímaco na República

Conclusão

Apêndice - O Sapo piramidal, revisitado

Bibliografia



 

1- Início

1.1 - Gahandi e os movimentos sociais

Mahatma Gandhi certa vez disse, dos movimentos sociais, que são primeiro ignorados, depois ridicularizados, depois atacados, antes de encontrarem seu destino. No início ignorado e depois ridicularizado, encontra-se agora sob ataque o movimento do software livre, um movimento global e globalizante, eminentemente social e que traz, como nenhum outro até aqui, a marca da era da informação: amorfo e transpessoal, poroso a pressões econômicas mas capaz de concentrar tremendo poder sinergético em torno de causas comuns, para sua autopoiese (autogeração).

O episódio cinco da série "Sapos Piramidais" busca mapear esse ataque. Trata-se de uma batalha típica das guerras travadas no mundo dos símbolos, aqui chamadas de guerras virtuais, que não raro extravasam para o mundo da vida. A guerra em que se insere este ataque põe em jogo a única alternativa viável para um futuro onde a segurança do usuário da informática possa estar sob seu próprio controle, e, junto com ele, o que possa vir a ser o futuro conceito de cidadania. Aqui a chamaremos de guerra do Direito cognitivo, ou, abreviadamente, guerra cognitiva.

Apesar de sombria e radical, a opinião sobre o que está em jogo não é isolada do autor. A corroborá-la encontramos seguidos alertas, emitidos pelos mais ilustres e competentes cientistas da segurança computacional hoje atuantes no mundo. O mais contundente desses alertas está em recém-publicado relatório, produzido sob os auspícios da Computer & Communications Industry Association (CCIA), que denuncia, à sociedade globalizada, o crescente risco sistêmico decorrente da atual estratégia de consolidação monopolista na indústria TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação) [7].

Este ataque ao movimento do software livre é orquestrado por cartéis monopolistas nas TICs, que buscam dar sobrevida artificial a modelos negociais já exauridos em seus ciclos de eficácia. E essa sobrevida, por sua vez, deforma esses modelos em algo parecido, cada vez mais, com esquemas piramidais fadados a ruir em escombros que se amontoam, no plano jurídico, sob clássicas tipificações de estelionato e crime organizado.

O arsenal para esse ataque vem sendo construído com princípios jurídicos e práticas negociais que tecem, com o fio do poder econômico, artefatos legais, jurisprudenciais e marqueteiros desenhados à sobra de grandiosas miragens do dogma fundamentalista neoliberal, hoje a cola social ainda prevalecente para as expectativas coletivas. A construção deste arsenal é assunto dos episódios anteriores dos "sapos piramidais"

Sob cerco, nesse ataque, estão a liberdade e o acesso ao conhecimento, coisificados como objeto de propriedade e negócio, em formas e níveis cada vez mais ubíquos e esotéricos, com conseqüências imprevisíveis até mesmo para a capacidade inovadora da indústria TIC. Doutra feita, o fechamento desse cerco tange a sociedade da informação em direção a uma de suas menos saudosas ancestrais, como que a reeditá-la.

Nesta reedição, o absolutismo de mercado substitui o da santa igreja do final da idade média, com o instinto da avareza sagrando-lhe poder, no lugar do temor à danação eterna. Antes Inquisição, a guerra brutal contra um inimigo invisível e impessoalizável é agora a do "livre comércio". Antes contra o demônio e os hereges possuídos, agora, contra o terror e os anacrônicos despossuídos, potenciais "vasos de bênçãos" que se recusam a cooptar pelo "bem comum" do funamentalismo mercantilista, bem esse que de comum tem só o fato de estar sendo imposto a ferro e fogo.

A guerra começa pela conquista de corações e mentes. Nela, o status quo tenta confundir, perante a opinião pública, os que lutam para preservar a liberdade humana frente ao poder das máquinas eletrônicas, intermediadoras da sua expressão, com piratas da propriedade intelectual alheia. De um lado, batalhões de marqueteiros, "especialistas", jornalistas e advogados, formadores de opinião emaranhados em interesses nem sempre confessáveis, regulados pela hipocrisia. Dentre eles, grileiros profissionais do conhecimento e saberes públicos, mercenários de marcas e patentes úteis à extorsão e à chantagem, de longe os mais nefastos piratas pós-modernos.

Doutro lado, os inimigos do status quo. Quem são os inimigos do status quo? Sem perfil ou ocupação fixos, agem como bruxos pós-modernos, se metendo em traquinagens e peripécias, quase sempre por instinto de preservação do ser cognoscente que são. Às vezes, para denunciar a fragilidade do castelo de cartas para onde estamos migrando nossas práticas sociais, outras vezes para vender suas habilidades, mas quase sempre por idealismo. São os hackers? O nome não importa, pois poderá vir a ser qualquer um de nós. Qualquer transgressor que se atreva a controlar sua própria vida além do permitido.

Como "pirata", "hacker" se torna palavra da Novilíngua de Orwell. Designa o que convém, a quem a manipula. Já o teatro atual da guerra, este está melhor demarcado. São as estratégias empresariais de TI, nas quais se luta por eficiência e controle de riscos, e as políticas públicas de governos, nas quais se luta, além disso, pela preservação da soberania dos Estados representados.

1.2 - A guerra virtual do Direito cognitivo

No front jurídico-econômico da guerra do Direito congnitivo, o modelo negocial arquetípico para o software livre -- a licença GPL -- está sendo posto em cheque. No Brasil, por discursos de quem não entende do assunto, eivados de argumentos de autoridade mas pobres em conteúdo fático, em verdadeira campanha difamatória. Nos EUA, além disso, com fogo de artilharia, pela ré no caso Red Hat versus SCO [10], em ação conseqüente à chantagem que a mesma passou a praticar, desde maio deste ano, contra usuários do sistema operacional livre GNU/Linux e clientes IBM.

A IBM se fez alvo na medida em que "traiu" o status quo, contribuindo para o movimento do software livre em suas atividades empresariais. Há quatro anos ela vem distribuindo e contribuindo para a evolução do GNU/Linux. Tal conduta da SCO foi analisada no quarto episódio dos "sapos piramidais".

Para endendermos o mecanismo de chantagem empregado pela SCO, precisamos conhecer a natureza da GPL. Sobre as quatro liberdades fundamentais relativas ao software licenciado, a GPL só restringe restrições à liberdade, num hacking perfeito do modelo negocial proprietário, que inverte sua lógica. Entretanto, quem não gosta deste hacking quer que a Justiça norte-americana se pronuncie sobre as liberdades do autor de um software, em relação à sua obra..

Teria o autor o direito de escolher em que termos e condições disponibiliza o usufruto de sua obra? Ao contrário de mais de um milhão de programadores que acreditam no que fazem, que levam a sério o slogan do Fórum Social Mundial  -- "outro mundo é possível" --, a SCO acha que não. Com sua ação, reverberada na mídia por vassalos de punhos rendados que clamam  pelo retorno ao escravagismo, desta vez no mundo dos bits, cresce o drama da guerra cognitiva.

No front político-ideológico, o atual governo brasileiro saiu na frente e está, agora, no alvo de uma campanha difamatória que teria o efeito prático de desmoralizar sua política de informática pública, política que determina o uso preferencial de software livre (a questão do que vem a ser software livre foi também analisada no quatro episódio). Esta tentativa de desmoralização pode ser entendida como tática para futuros questionamentos jurídicos das ações decorrentes dessa política, tática que pode se mostrar útil perante a escassez de argumentos outros, tanto na esfera técnica da computação quanto do Direito.

O título deste quinto episódio dos "Sapos Piramidais" -- O Bazar e a Catedral -- parodia um clássico da literatura sobre engenharia de software que satiriza a imagem com que costumam ver o movimento do software livre os seus detratores. A imagem de um camelódromo de vendilhões a conspurcar o templo erguido pelo mercado, em adoração ao progresso tecnológico possibilidado pelos computadores, caricatura que se desenha num artigo que iremos aqui analisar.

Passamos em seguida a destacar alguns atos que ilustram a natureza desta campanha, após o que nos deteremos em um dos artigos publicados no seu bojo, para análise semiológica da tática de ataque do status quo ao movimento do software livre.

1)- Antes mesmo da posse de Lula, começaram a surgir na imprensa os primeiros artigos sobre a possibilidade de mudanças na política de TI do governo. Executivos de empresas monopolistas do software proprietário, defensoras do status quo, se adiantaram a proclamar que a nova política "não pode ser ideológica". Como se ideológico não fora o fundamentalismo mercantilista que defende posições e práticas monopolistas predatórias na indústria TIC. [8]

2)- Quando a política de TI do atual governo federal se consolidou e algumas ações foram anunciadas, as matérias começaram a mudar de tom. Entre junho e setembro tivemos:

3)- E finalmente, após o Brasil posicionar-se de forma condizente com sua nova política de TI nas rodadas de Cancun e Port of Spain em Setembro, no âmbito da 5a. reunião ministerial da OMC e em tratativas de negociação da Alca respectivamente, a vileza dos ataques aumentou mais ainda. Desta vez artifícios editoriais, que tornam indistinguíveis a ignorância da má-fé, ganham espaços de destaque na imprensa escrita, para desavergonhadamente confundir, aos olhos do leigo, pirataria e liberdade, software pirata e software livre, como se software não pago e software não pagável fossem a mesma coisa:
"O modelo de negócio do software livre estimula a pirataria".

Para que essa leviandade? Anuncia-se a salvação: Mais rigor na proteção à propriedade intelectual (a dos interessados na matéria)

1.3 - O Teatro atual da guerra cognitiva

Para uma análise semiológica das táticas empregadas nesse cerco ao movimento do software livre, teatro atual da guerra cognitiva, vamos examinar em mais detalhe o artigo publicado em 26 de junho no jornal Valor Econômico, assinado por Simone Tatsch e Miguel Reale Júnior [18]. A escolha desse artigo se deve ao seu valor didático e à influência que o mesmo possa vir a exercer na prática judicativa no Brasil, devido à importância, na cena jurídica brasileira, do nome de um dos autores.

O artigo começa chamando a atenção do leitor para potenciais conflitos entre a Lei de Licitações e leis determinando a preferência pelo software livre na administração pública. São citadas as iniciativas já sancionadas no RS e ES, e em trâmite em MS e PR. Os autores começam questionando as razões dessas escolhas, e se elas protegem, de fato, o interesse público.

Porém, ao especularem sobre essas razões, colhem-nas em argumentos outros, bem estranhos aos daqueles que promovem as referidas iniciativas legislativas. E, mais grave, descartando-os ad hominem, trocando sua lógica e contexto dos argumentos orignais por rótulos de emocionalidade e ideologização, em piruetas semânticas de perigosa leveza fática. Como se, por trás da pompa advocatícia, a retórica com que tentam descartar a lógica e contexto originais, em açodado arremesso contra o ordenamento jurídico vigente, mais e antes não os fora.

Há que se abrir aqui um parêntese e observar: quando ouvimos as vozes do saber jurídico que têm mais se manifestado sobre o tema, a consistência se faz escassa. De altas cátedras vozes proclamam, por esse lado, cautela aos que legislam sobre informática na administração pública, para que não se afoitem com ondas revoltas do ciberespaço, enquanto por outro, pede-se pressa na aprovação de leis "enxutas" de modernização do Judiciário, para que não o deixemos afogar num mar de lastros de papel e tinta. Causa espécie que o façam, em ambas direções, com argumentos claudicantes em perspectivas históricas, sociais e técnicas de consistência razoável.

Por que a atividade judicativa -- último esteio da cidadania -- deve saltar lépida e simploriamente em águas desmaterializantes, enquanto a próxima braçada dos que lá já se debatem, em redemoinhos de custo, desperdício, dependência e insegurança, deva exigir reflexões mais profundas? Pois então reflitamos.

Busca-se os verdadeiros motivos dos que querem legislar sobre contratação na informática pública. Os motivos estariam, supõem os autores do texto em exame, fora dos discursos que promovem tais iniciativas. Mas a quem o pânico pesa, não se os encontra. O verdadeiro motivo é trazer ao debate o negócio do software.

Que é software? Que é liberdade? Justificar a dedução das categorias é a tarefa mais árdua na filosofia do Direito, como nos lembra Kant, pela sóbria pena de Roberto Romano [1]. E o texto em exame começa com a proclama

"existe no mercado o que podemos chamar de software comercial e software livre",
na qual os autores lastreiam seus argumentos, terminando com um convite ao leitor, para uma maior reflexão sobre os temas tratados. Entre a proclama e o convite, argumentos que ora presumem a complementaridade entre as categorias anunciadas na proclama, ora sua contraposição. A reflexão será difícil, pois difícil também é que haja, numa tal reflexão, mais potente indutor de falácias do que esta categorização.

Há software livre cuja licença de uso se comercializa (ex: MySQL, PGP, RedHat Linux), e há software proprietário --  antônimo adequado ao contexto -- que se distribui gratuitamente (ex: Internet Explorer, Zip). A comercialização de distribuições de software licenciados sob GPL não viola necessariamente os termos da dita licença. No caso da distribuição Red Hat Enterprise do sistema operacional GNU/Linux, por exemplo, a redistribuição gratuita não é vedada, exigindo-se apenas a retirada da logomarca do distribuidor do código a ser redistribuído.

"Livre", ali, não deveria querer dizer antes gratuito, como conota a proclama, pois nas leis que criticam quer dizer não-proprietário, ao invés de não-comercial. E "comercial" não seria o contrário de livre, já que, nas tais leis, esse contrário quer dizer proprietário. Os adjetivos escolhidos pelos autores, e os sentidos categoriais que constroem no texto, só ofuscam aquilo que está em jogo. Por que encobrem o sentido de propriedade? Quiçá desejam decretá-lo fora de questão, quando, na verdade, está no cerne?

É compreensível que o fetiche escravizante da propriedade imaterial, novamente em voga ao atingir a Idéia e o Gene, seja dogma para uns, que a querem inquestionável. É o sentido deles de pós modernidade. Como a cruzada pela fé durante a Inquisição, eles agora a fazem pela avareza, pondo a mão invisível do mercado no lugar da infalibilidade papal. Mas não há lei sintática ou social que imponha o dogma da propriedade imaterial, nos termos subentendidos pelo texto em exame, como absoluto valor. Pretender que exista, é artifício semiolígico da estratégia do status quo na guerra cognitiva.

1.4 - A estratégia FUD, em Novilíngua

Afinal, construímos nossa identidade sobre um substrato cultural que é de todos e de ninguém. Como o nosso corpo, sob o ar. Poderia eu dizer que sou proprietário da minha identidade? Fosse assim, e se assim tabém o for para todos, cada um poderia ditar regras sobre a disponibilidade da sua identidade, sendo a mesma propriedade sua. Fosse assim, qualquer criminoso poderia, consequentemente, revogar o direito de uso da sua identidade em sentenças judiciais condenatórias. E, vedada a identificação de autoria de crimes, não haveriam crimes, já que os autores do crimes não permitiriam que seus nomes fossem disponibilizados em sentenças judiciais condenatórias, o que nos levaria de volta às cavernas.

Portanto, nem tudo que só existe no mundo dos símbolos deve necessariamente ser objeto do conceito de propriedade. A menos que estejamos dispostos a aceitar as consequências, que será o retorno à barbárie. Quanto ao software? A pergunta cabe, pois software, enquanto espécie, é obra intelectual que só existe no mundo dos símbolos. E autoria não é sinônimo de propriedade, nem no dicionário leigo nem no Direito. Falácias construídas pela sacola mágica do status quo que põe as duas coisas sob o rótulo de "propriedade intelectual", e dela retira regras de um direito para serem aplicados na esfera do outro, não irá mudar o fato: de que autoria e propriedade são coisas distintas. Exceto na Novilíngua, ficção que George Orwell lançou em seu romance "1984", e que se realiza em munição na guerra cognitiva.

Talvez não por acaso, a categorização proposta pelo texto em exame induz, ainda nele, outras falácias que geram uma coisa chamda, pelos analistas de TI, de FUD (Fear, Uncertainty and Doubt), acrônimo que se paronomiza com fudge, borrão. A estratégia-mestra do marketing da indústria monopolista do software proprietário é mesclar, em dose certa, FUD ao fascínio coletivo por tecnologia-enquanto-panacéia para ofuscar seus abusos, os efeitos nefastos das suas alianças e a fadiga do seu modelo de negócio. Suas peças publicitárias, pregando a  redenção pela inclusão digital, bem ilustram esta estratégia. Mas dose certa é relativa, e feitiço tem limites.

No texto em exame, os autores querem que software livre assim seja chamado por ser

originariamente destinado à pesquisa científica, ...sendo o código-fonte aberto, sua distribuição e reprodução livres, o que gera, normalmente, a gratuidade da licença de uso, embora esta não seja uma característica necessária desses programas."
Com o que já nos plantam primeva dúvida: "livre" contraposto a "comercial", e ao mesmo tempo não-gratuito?

Para que entendamos, prosseguem:

"...deve ser ressaltado que os softwares comerciais são criados para o consumidor. ..., o que torna esses programas, normalmente, mais fáceis de usar e compatíveis com uma infinidade de outros. "
Deduzem, assim, a categoria central do discurso em flashback fetal de um fenômeno assaz fluido e inédito, cambiante e transformador do social, que é a informática, enquanto a categoria que presumem ora complementá-la, ora contrapô-la, deduzem dalguma rósea fantasia do seu presente. Ou, caso não se o reconheça, futuro.

Magistral! quantas falácias daí emanam? Os argumentos que desta categorização sucedem, pela pena dos autores, distinguem-se da parolice de vendedores de licenças de software proprietário apenas em tênue verniz de erudição. E dai? Daí é o próprio Kant quem nos alerta, no início de sua Analítica Transcendental: "Um decorador de sentenças e códigos não é sábio, mas presa do idiotismo erudito".

Já ouvimos diversas versões fantasiosas sobre a origem e a filosofia do software livre, e sobre o processo e o possível futuro do software proprietário; mas com esta, devemos confessar incomparável êxtase. Será que a necessidade de aprimoramento do driver de impressora que o MIT recebeu da Xerox no início dos anos 80, e que despertou Richard Stallman para a missão que atribuiu a si, ao fundar a Free Software Foundation e o projeto GNU, teria sido a recusa desse driver em imprimir textos científicos especializados?

Será que as primeiras versões do Emacs e do sistema operacional BSD só reconheciam e editavam arquivos científicos? Será que as primeiras versões do SendMail, software até hoje ubiquamente utilizado como servidor de correio eletrônico em todo o mundo, só transmitiam mensagens para quem tivesse bolsa de estudos ou cátedra? Será que as versões iniciais do Apache e as do Mosaic, o primeiro ainda servindo dois em cada três sites na web hoje, só aceitavam páginas que contivessem fórmulas matemáticas ou químicas?

Ou será que os autores desses softwares desejavam apenas que uma boa idéia funcionasse o quanto antes, ou a contento, ou melhor que dantes, ou em algum computador disponível, e o fato desses computadores e autores estarem, em sua maioria, em instituições científicas, e lá encontrarem liberdade para assim proceder, foi contingente? Afinal, foi nessas instituições onde nasceu o software, muito antes do seu comércio e da sua indústria. Um pouquinho de história honesta da informática, combinada com doses menores de ingratidão, pode ajudar o leitor a encontrar respostas por trás do FUD. Soa ridículo, hoje, falar de software livre através de imagens fantasiosas da sua infância

Doutra feita, sendo o software feito de bits, isto é, de zeros e uns, não conheço nenhum outro consumidor, além do computador, que os consuma, este assim fazendo ao consumir energia elétrica, necessária para se representar os tais bits. Quando aprendi a programar, me ensinaram que cabe ao consumidor -- aqui na acepção economesa de "usuário final" -- interpretar, e não consumir, o que é feito de bits. O que o usuário consome são recursos financeiros para que os bits do software lhe produzam sentido. Consumidor não consome software per se, mas a mídia onde exemplares de software são distribuídos.

Enquanto espécie, o software pode se reproduzir tanto por clonagem, como no modelo proprietário, quanto por adaptação genética do código fonte, como no modelo livre. É claro que alguém pensou logo em cobrar pela licença de uso de cada exemplar clonado, mas esse fato não tem nada a ver com a natureza do software enquanto espécie, isto é, enquanto objeto semiológico. O mercado do software é essencialmente não-rival, no sentido economês que mede recursos envolvidos numa troca, e não serão hábitos de linguagem adquiridos do modelo negocial dominante que irão mudar esse fato. A troca mercantil envolvida na licença de uso proprietária faz o mercado do software parecer rival, mas isso não decorre da sua natureza, que é a de objeto semiológico.
 

2 - Meio

2.1 - Software se consome?

O que o usuário da informática consome são recursos financeiros com hardware. Se os consome ou não em licenças de uso do software, estará gerando, com o uso dos mesmos (hardware e software), demanda adicional por suporte e serviço a ambos. O abuso de linguagem que ocorre quando se fala em compra de software, no lugar de compra de licenças de uso de software, apenas reflete o fato de que o campo da informática é terreno fértil para estratégias de práticas monopolistas, como as vendas casadas e condições de exclusividade indiretamente impostas ao prestador de serviços no modelo proprietário.

Por que os autores do texto em exame não se detiveram, então, em examinar as tais licenças, sendo elas o elemento do jogo que cabe à competência do seu ofício, ao invés de replicarem chavões enviesados sobre o que seja software, adornando-os com legalês? Pode ser que um dos modelos de negócio em tela inviabilize outro, mas não ao contrário. E se assim o for, isso não será holocausto nem fim do mundo, como fazem parecer, mas o fim de uma etapa evolutiva da nossa era pós-industrial pós-moderna. O que está em jogo na guerra cognitiva, na verdade, são modelos negociais, e não a natureza do software.

Não se deve culpar os autores, contudo, se for o caso de desconhecerem licenças de uso representatvias desses modelos. Pois a estratégia da indústria monopolista do software proprietário a respeito é justamente a de ocultar as suas licenças ao máximo. Pode-se culpar os autores apenas, tendo ambos se credenciado na qualidade de bacharéis de Direito, por se acomodarem submissamente a um tal obscurantismo, enquanto dos efeitos de tais licenças se lançam a escrever, com o peso dos seus nomes.

Já se pode ver, em seqüência ao artigo em exame, uma enxurrada de "artigos técnicos" na área do Direito que o sucedem, na esfera pública, repetindo o seu vício de antonimizar liberdade e comércio em torno do software. Como a distância entre escrita e leitura não nos permite distinguir ignorância de má-fé, cabe-nos, apenas, o dever de ofício de tentar ser didático, no alcance da nossa competência, enquanto aceitamos o convite para uma melhor reflexão sobre os temas ali tratados.

Uma licença de uso do Windows ou do Office XP, por exemplo, só pode ser lida na tela do computador e mesmo assim, apenas antes do início da instalação do software, vedado o caminho à impressora. Após ter sido paga a licença, evidentemente. Caso antes se peça ao fornecedor uma cópia impressa da licença, ou se pergunte por cláusula de desistência, a resposta, normalmente, é o silêncio ou o cinismo [15]: por que alguém desejaria ver a licença antes de comprá-la, se o software "é fácil de usar, e compatível com uma infinidade de outros"? Por que se preocupar com o detalhe de que esta infinidade de outros é do mesmo fornecedor, ou está sob seu controle?

A indústria do software proprietário aprendeu, e muito bem, que a única "pesquisa de consumidor" eficaz ao seu negócio é do tipo destinado a programar a obsolescência do software, e a dependência do licenciado a padrões e formatos que codificam seu acervo digital, também proprietários. Para que se possa produzir com o software, no mundo dos bits, o mesmo efeito que produzem as drogas no corpo humano. Alguém, afinal, conhece alguém que teria pedido um editor de textos "padrão" com 400 mil pontos de função, ou que possa explicar porque documentos gravados por versões novas do editor "padrão" não abrem em versões anteriores do mesmo editor? E por que, na direção contrária, os arquivos podem ser corrompidos? "Que pergunta tola!", pode-se dizer: afinal, haverá uma infinidade de futuras versões do mesmo editor, nas quais esses documentos poderão ser abertos, bastando que se adquira sempre a versão mais nova do mesmo, sem saltar nenhuma!

Não pegaria bem, portanto, se a verdadeira eficácia das "pesquisas de consumidor" ganhasse a atenção dos seus supostos beneficiários, isto é, suas verdadeiras vítimas. Daí os verdadeiros beneficiários do status quo não quererem tratar publicamente do teor dessas licenças. E acusarem os que tentam, de ideologizar e emocionalizar o debate: bastaria, segundo os que assim acusam, explicar ao leigo que tais licenças tratam de propriedade intelectual forte (um oxímoro traduzido no texto em exame por "proteção autoral forte"), e pronto.

Cada vez mais forte, pois se trata de um esquema de pirâmide, fadado a ruir em uma avalanche de lides jurídicas, onde só advogados, e não a sociedade como um todo, tem algo a ganhar no final. Uma corrida pelo ouro alquímico do ciberespaço, ouro que ninguém consegue por as mãos senão com uma equilibrada combinação de velhacaria e sedução pela avareza. Uma corrida por outorgas de monopólio genéricas e abstratas o suficiente para lançar advogados de bolsos fundos em verdadeira caça aos bruxos pós modernos que, programando, competem com seus clientes, enquadrando qualquer idéia imaginável do que possa ser feito, através de software, como propriedade alheia. Como a venda eletrônica em um clique, equações de Euclides, a roda, e outras sandices [17].

É imaterial se alguma dessas centenas de milhares de patentes não resistir a um julgamento isento, por falha nos critérios que a legitmariam: se uma tal patente servir para antes extorquir ou quebrar a vítima, terá pago sua aposta. Nesse jogo, epítome da essência do capitalismo de volta à selvageria, competem macacos pelo que está na cumbuca. E dele já vimos sinal de mau agouro, no estouro da chamada "bolha da internet" em 2000, como bem descreve Luiz Fernando Veríssimo em uma de suas colunas, entitulada "A nova idade média" [16].  Jogo que tem no escritório de patentes dos EUA ora seu maior interessado e estimulador, ora seu crupier-mor, ora a função de tribunal da Inquisição pós moderna, julgador universal do hediondo crime de "roubo de idéias" [17].

Será que o interesse público se beneficia mesmo desse jogo? Jogo no qual, para cada patente que conseguimos para o Brasil ou para brasileiros, como a da bebida de açaí, a do chá de jatobá e outras tolices inapropriáveis, milhares de idéias e outras dádivas bolidas da natureza ganham título de propriedade nos escritórios de patentes espalhados pelo primeiro mundo, a preços médios de 60 mil dólares cada? Enquanto a agenda teológica que sacramenta os dentes das novas "leis de propriedade" nos é imposta sob os mais variados tipos de pressão e chantagem, nas "negociações" pelo "livre comércio" da Alca? Sim, nos asseveram os autores, porque, segundo eles, as licenças de software "baseadas em proteção autoral forte" são licenças que

"tem por fim permitir a justa e devida remuneração dos responsáveis pelo desenvolvimento do software", responsáveis esses que "representam a base para a manutenção da indústria destinada ao desenvolvimento da informática no país". Ufa!
Não seria justo que o próprio autor do software tenha o direito de dizer como deseja ser por ela remunerado, em instrumento próprio que regula a disponibilidade de sua obra? Se isso é o que fazem tanto as EULAs proprietárias quanto a GPL, por que criminalizar a segunda? Por ferir o instinto de avareza de quem não possa competir em atmosfera de liberdade? Não seria prudente à sociedade contar com um esquema alternativo, para a eventualidade do esquema de pirâmide da propriedade intelectual "forte" vir a ruir?

2.2- Senso de justiça na avareza

Se forem antagônicas as categorias apresentadas pelos autores, como sugere, insinua ou declara o restante do texto em exame, restaria apenas uma interpretação que se desvia da leviandade, para a citação anterior. Os autores estariam, indiretamente, ofertando serviços advocatícios aos programadores que percebem injusta e indevida remuneração pela autoria de softwares não-proprietários. Como os que trabalham na Conectiva, empresa com sede em Curitiba, onde já trabalhou o brasileiro responsável pela manutenção da versão 2.4 do kernel Linux. Para o caso desses programadores estarem sendo escravizados à moda antiga, pelos seus patrões, quem sabe?

Ou quiçá também aos que trabalham na IBM e na Hewlett-Packard, para citar as empresas que operam com ambos tipos de licença, ou nas 208 distros do GNU/Linux que operam somente com software livre, como a Red Hat e a Suze, e que ainda não foram informados do prejuízo que lhes assoma, ao perceberem salários injustos e indevidos pelo trabalho de programação em software livre. Seduzi-los a exigir mais e mais dos patrões, renunciando a essa filosofia exótica da liberdade no mundo dos bits, quem sabe?

Para seguirmos na tentativa de compreender esta charada, precisamos entender o que seria "desenvolvimento da informática no país". Que tipo de indústria de bens e serviços ela forma?  Em que sentido a programação de software proprietário forma a base de sustentação desta indústria? Por acaso a ABRASOL, Associação Brasileira das Empresas de Software Livre, não estando nessa base, estaria no topo ou fora dela?

Ao que nos consta, no topo a ABRASOL não estaria, pois o topo é ocupado por um monopólio global, reincidente em condenações por práticas monopolistas predatórias na jurisdição de sua sede, polpudo remetente de divisas geradas por licenças de uso e que aqui praticamente só emprega marqueteiros, entre seus menos de quatrocentos funcionários no Brasil.

Se a ABRASOL, não estando nem na base nem no topo do segmento, estiver fora da indústria "destinada ao desenvolvimento da informática" no país, estaria, por acaso, ela e suas 45 empresas afiliadas, envolvidas em atividades ilícitas ou criminosas ao pretenderem se passar por tal? E, neste caso, lançadas que foram numa categorização que conota atitude suspeita, quais leis poderiam estar com isso infringindo?

Vamos tentar baixar a poeira FUD levantada pelos defensores do status quo, para que a capacidade de reflexão, com se quer, seja aumentada. A filosofia do software livre trata o software -- enquanto espécie -- antes como linguagem, e a do software proprietário o trata -- espécie ou exemplar clonado -- antes como mercadoria. Vamos então recorrer novamente ao filósofo do Direito Emanuel Kant, para entendermos os desdobramentos deste fato.

Software livre, para quem o desenvolve, é categoria deduzida da função que instrumenta as linguagens digitais. Ou seja, software livre é categoria da função que intermedia a inteligência humana nas comunicações e processamento eletrônicos. E software proprietário é categoria deduzida da função que mercantiliza a propriedade intelectual sobre tais instrumentos intermediadores.

Uma categoria extrai valor da liberdade de conhecimento do seu objeto, enquanto a outra extrai valor do controle sobre este conhecimento. "Software livre" e "software proprietário" são, portanto, categorizações semiológicas, e categorias semiológicas são coisas distintas das formas que o mercado encontra para monetizar seus correspondentes valores.

Todavia, ainda não nos livramos de Kant. Para que a monetização desses valores não contamine a correspondente função dedutora, é necessário que tais funções sejam dotadas de instrumentação jurídica capaz de expressá-las no plano deôntico, forte ou fracas que sejam chamadas perante as doutas autoridades do Direito Autoral. Esses instrumentos são as licenças de uso de exemplares de um software, indivíduos de uma espécie-software, reproduções de um obra intelectual.

Neste ponto nos habilitamos a visitar as várias lógicas negociais para disponibilização do uso de software, as tais licenças de uso, na tentativa de classificá-las segundo seu espírito, na acepção Kantiana, para a reflexão exortada. As licenças se enquadrarão em um de dois tipos, de acordo com a positividade ou a negatividade com que a licença aborda a questão cognitiva do seu objeto.

Ou seja, as licenças de uso de software se enquadram, para efeito desta análise, ou no tipo das que estabelecem controles para a não-liberdade do conhecimento do seu objeto (proprietárias), ou no tipo das que estabelecem controles para a liberdade desse conhecimento (livres, subdividida em "GPL" e "open source"). Se querem os autores do texto em exame chamar esses tipos de forte e fraco não haverá problema, desde que não se pretenda, na reflexão maior a que nos convidam, que se restrinja a análise das licenças à ilocução desses adjetivos.

2.3 Antagonismo ou complementaridade?

O antagonismo ou a complementaridade entre as categorias definidas pelos autores no texto em exame, pelo que se vê, só ocorre quando se instrumenta juridicamente a sua função dedutora. Ocorrem, portanto, entre licenças de uso e não entre pedigrees ou marcas de software, entre softwares-enquanto-espécie, ou enquanto espécies numa categoria. Ou seja, em torno do modelo de instrumento jurídico criado para legitimar sua reprodução.

O antagonismo e a pendenga política em torno desses modelos emergem por competição entre as duas formas de monetização de valores subjacentes, frente à crescente capilaridade da esfera virtual, combinada à característica não-rival do mercado de coisas que por ela fluem, isto é, das coisas feitas de bits, que só existem no mundo dos símbolos. O fato que aqui nos traz é que o controle da não-liberdade cognitiva, paradigma do modelo negocial hoje dominante, vai se complicando nessa competição pela tendência do seu negócio em perder racionalidade à medida em que os softwares ganham complexidade, integração e ubiqüidade.

O mais grave aspecto desta complicação, até aqui ainda não abordado, surge de um fator inesperado para financistas, juristas e marqueteiros, mas previsível para quem programa. A razão inversa entre racionalidade e complexidade no modelo proprietário não se dá apenas em relação ao comércio em torno dele (licenças de uso, suporte e serviço). Ocorre também na produção, devido ao papel central que passa a exercer o livre acesso cognitivo ao objeto, através do seu código-fonte, por distintos atores. Livre acesso para conhecimento não significa o mesmo que livre acesso para execução, como se confundem os autores do texto em exame, ao tentar denegrir as qualidades de segurança do software livre.

No modelo livre, o primeiro tipo de acesso é irrestrito, e o segundo é controlado pelo usuário, este capaz de produzir o seu exemplar executável do software, em código de máquina correspondente, a partir do acesso irrestrito ao código fonte (compilação) que representa a espécie. No modelo proprietário, o primeiro tipo de acesso é restrito, ou ao produtor ou por cláusulas de sigilo, e o segundo é controlado pelo produtor, a quem se restringe o direito de compilar o código-fonte do software.

No modelo livre, o licenciado tem liberdade para adaptar o software às suas necessidades, através do processo de compilação, tornando-se legitimo proprietário do seu exemplar. Enquanto no modelo proprietário tal liberdade não existe, com a reprodução do exemplar se dando por clonagem, sob controle do proprietário do software, exemplar que é custodiado ao licenciado.

No modelo livre todos, honestos e desonestos, jogam pelas mesmas regras cognitivas, recompensando o software de qualidade na evolução darwiniana a que ali se submete. No modelo proprietário, quanto menos qualidade tiver o software, mais incentivo terá o produtor para restringir o primeiro tipo de acesso, restrição que lhe serve para ocultar, mais de clientes e menos de hackers, as vulnerabilidades do software. Se os mercados fossem perfeitos tais incentivos seriam punidos pela livre concorrência, mas o bom senso e a prática mostram que não é esse o caso.

O mercado de software é naturalmente monopolista, no mesmo sentido em que são as linguagens. Não fosse assim, não teríamos tantas vulnerabilidades nos produtos da maior marca mundial de software proprietário. Dizer-se que software proprietário parece mais vulnerável só porque é mais usado é pura hipocrisia, desmentida pelas estatísticas de invasão em servidores web (onde predominam exemplares livres, mas onde os proprietários são, por larga margem, mais invadidos).

O software livre evolui mais por pressão semiológica e menos por pressão econômica, ao contrário do software proprietário. Como para a função social do software seu aspecto semiológico de linguagem é mais importante que seu aspecto econômico de produto, a longo prazo essa diferença se torna uma desvantagem competitiva para o modelo proprietário, já que este canaliza a sinergia agregável pelo objeto para sua função econômica, enquanto o modelo livre a canaliza para sua função semiológica.

Esse fato, que traz maior peso às complicações do paradigma proprietário no contexto mercadológico atual, está amplamente evidenciado no contexto da ciência da computação, tendo abalado a ortodoxia da engenharia de software uma vez modelado, em meados dos anos 90, o processo produtivo típico do software livre, conhecido como "extreme programming".

A badalada certificação CMM (Capability Maturity Model) se desvela, então, como mecanismo cartorial de auto-defesa da ortodoxia, completamente desconectada da verdadeira qualidade na produção de softwares. O que torna um software uma produção intelectual coletiva, com ou sem o sentido pejorativo que querem atribuir à qualidade coletiva os defensores do status quo, não é o modelo de negócio em torno do software, mas sua complexidade.

Não é o fato da EULA esconder a coletividade da verdadeira autoria dos componentes de um software por trás de um nome de marca que muda essa relação entre coletivismo e complexidade. E softwares complexos, quando reproduzidos em larga escala, formam um processo melhor modelado por paradigmas biológicos, como nos mostra o cenário caótico da segurança na internet. Nesse paradigma, a clonagem se torna perigosa, por amplificar falhas. Por outro lado, o software proprietário precisa se complexificar em ritmo ditado pelo fluxo de caixa do seu modelo de negócio, para justificar novas licenças. O CMM, como parâmetro de qualidade, é como uma cenoura que leva o burro a puxar uma carroça cada vez mais carregada, que por sua vez não agüenta mais que um certo peso.

Este cenário de descompasso, entre modelagem e métricas de qualidade, é muito pouco reconhecido ou compreendido por economistas, propositadamente por alguns ortodoxos e tacanhos, apesar de vir sendo consistentemente verificado por quem trabalha, de forma independente, no desenvolvimento de software complexo reproduzido em larga escala. Muitos não alcançam, e outros não querem, entender que fabricar software não é o mesmo que fabricar parafuso ou sabonete. Um clássico da literatura sobre o tema é justamente o livro pioneiro de Eric Raymond, que dá título a este artigo: "The Cathedral and the Bazaar".

Nesse livro, Raymond compara ortodoxia e heterodoxia na engenharia de software, e aqui propomos fazer o mesmo para a ciência jurídica a ela aplicada, homenageando Raymond no subtítulo deste episódio dos "sapos piramidais". Raymond explica como a informática de hoje sinaliza fadiga do paradigma dominante no negócio do software, da mesma forma como a ascensão dos burgos relacionou-se ao colapso da aliança entre as catedrais e os castelos medievais.

Raymond explica suas idéias com uma analogia dentro da própria engenharia, mais simples de se entender que o paradigma biológico. A vida útil de uma casa (um software nos anos 70) pode ser bem planejada. Mas a vida útil de uma cidade (um software no ano 2000), não. Para softwares complexos, é mais eficiente tentar administrar sua evolução do que planejá-la. Este fato fica tanto mais evidente quanto maior for o tamanho médio das cidades. A reforçar esta analogia, há também o fato histórico de que o paradigma dominante de produção e negócio do software tem mudado a cada vinte anos, e vinte anos já terem se passado desde a última mudança de paradigma, produzida pela chamada revolução do downsizing, que desacoplou o negócio predominante em torno do software do negócio do hardware (mas não o planejamento).

O problema que nos leva à guerra cognitiva atual é que o paradigma dominante amealhou, neste ciclo, a maior concentração de poder econômico da história da humanidade, e este poder busca, naturalmente, se perpetuar. Nada de mais, desde que para isso não queira arrogar a si o direito natural à eternidade, a título de herança pelo tamanho do fluxo econômico que gera, como se a prosperidade de todos fosse filha única do instinto de avareza que lhe anima, conforme insinuam textos como o aqui analisado, elocubrados com perigosas misturas de FUD e juridiquês.

2.4 - Viés ideológico uniforme

A abordagem em relação ao controle do conhecimento do objeto tem, sim, no cerne das licenças de uso, um forte viés ideológico, tanto no caso positivo (livre) quanto no negativo (proprietário), ou nos casos de proteção autoral fraca e forte, como prefere nomeá-las os autores do texto em exame. Doutra feita, é esse inevitável viés ideológico que permite, na luta de um paradigma dominante pela manutenção de hegemonia, aos sofismas e às hipocrisias se multiplicarem. Entre inocentes úteis, incautos inúteis, ingênuos boçais e mercenários leais, não se vai a lugar algum insistindo-se que o outro é que está sendo irracional, emotivo ou ideológico. Pois todo paradigma é ideológico e todo paradigma parece irracional quando visto de dentro de outro paradigma, o que não deixa de despertar emoções.

As nuanças e gradações desses vieses não podem, portanto, ser reduzidas a um simples bit, dizendo-se, do código-fonte do software, que ele é aberto ou fechado, como fazem os autores no texto em exame. Esse bit apenas aponta para o paradigma do negócio em torno do seu objeto, mas não é o próprio. E esse bit às vezes confunde. Pois a GPL não obriga a distribuição do código fonte do software junto à versão executável, (apenas a sua disponibilização sob demanda), enquanto, por outro lado, existem licenças agregadoras a EULAs proprietárias para a "abertura" do código fonte correspendente (ex: licenças GSLP e shared-source, da Microsoft). E confundir o bit "código cechado / código aberto" com a essência do modelo negocial subjacente é perigoso, pois a fetichização da mercadoria, elixir de sobrevida para o paradigma dominante, não pôde nem pode, mesmo dominando a sociedade hodierna, eliminar da outra categoria semiológica o poder que esta lhe contrapõe, sob pena de ser por ela atropelada.

Como nos mostra a História, com a Renascença seguindo a revolução de Gutemberg. E ignorar a história é tolice. A reedição pós moderna da revolução de Gutemberg -- a internet -- está aí: de cada três endereços web que hoje se digita, dois serão servidos por um software livre, o servidor Apache. E quase os três resolvidos por outro software livre, o Bind. Para não falarmos dos servidores de correio eletrônico. Não há mais como desligar a internet, nem dela se apropriar, pois a mesma é apenas e tão somente um acordo para a comunicação digital através de várias camadas de padrões digitais abertos, habilitados por softwares em sua grande maioria livres. Engana-se quem acha que a questão central nessa guerra é quem vai, no final, ser proprietário do quê.

A questão que move essa guerra é outra: o que deve, e o que não deve, ser predicado com o conceito clássico de propriedade. O que deve, e o que não deve, ser tido como bem público no mundo dos símbolos. Erros de avaliação serão, cedo ou tarde, debitados em custo social. Para responder a essas perguntas de forma menos ingênua, evitando-se um ciclo vicioso de sofismas e hipocrisias, podemos nos valer de outra pergunta, essa retórica: haveria internet se todo software, no sentido de espécie, fosse proprietário? Caso afirmativo, seria ela a mesma coisa? Só se pode especular, mas especular quando se acusa, onde antes cabe a prova, é sofismar.

Das piruetas semânticas com que o texto em exame sofisma, vamos examinar mais algumas, com vistas a melhor esclarecer duas coisas: a natureza da contribuição que o mesmo oferece à reflexão por ele exortada, e a natureza da guerra virtual onde se inserem reflexão e textos (este e aquele). A mais preciosa das pérolas ainda por analisar é a passagem que segue à categorização de software. Passagem que, em benefício da dúvida se diga que por coincidência, é repetida ad nauseum por vendedores de caixas-pretas com leves compromissos éticos:

"...deve ser ressaltado que os softwares comerciais são criados para o consumidor. (...) Além disso, quando se adquire uma licença de uso [de software proprietário], há uma empresa responsável pela garantia e suporte. (...) Ademais, sendo o software livre uma obra, praticamente, coletiva, com a alteração do código-fonte, a responsabilidade e a garantia pelo produto restam afastadas"
A primeira observação é a seguinte: como as últimas duas frases citadas acima (separadas por trema) foram extraídas do mesmo parágrafo, é sadio português inferir-se que, na primeira frase, o objeto da garantia, ali ausente, esteja sendo denotado, devido à construção do parágrafo, por repetida ocorrência do substantivo "garantia" na frase segunda. Portanto, comparar-se-iam garantias de produtos. Mas um sadio estilo, do mesmo idioma, teria desambiguado a leitura da primeira frase, nomeando nela, e não em frase seguinte, o objeto das garantias que o período se propõe a comparar.

E a segunda: por que os autores se desviaram de um sadio estilo? Porventura estariam interessados em induzir o leitor a acreditar, sem ter que dizê-lo, que a aquisição de licença de software proprietário inclui garantia do produto? (produto que se supõe ser o software, pelo mesmo raciocínio)  E tirando vantagem, ademais, do fato de que ninguém pode, praticamente, ver uma tal licença em papel e tinta para sanar tal dúvida, ou mesmo na tela do computador sem com a licença comprometer-se? Enquanto asseguram que tais garantias não existem em licenças de software livre, ao comparar ambas? Esta não seria uma estratégia das mais louváveis, pois o leitor estaria incorrendo, praticamente, em erro.

Um erro por cuja responsabilidade os autores deixaram uma rota hermenêutica de escape: depositar-se-ia o objeto da garantia sobre uma coisa indefinida, que ficaria entre "licença" ou "serviço", mas não sobre "software", inobstante o malabarismo semântico.

E finalmente, a terceira observação sobre essa pérola sofista: Estaria mesmo enganado o leitor que, ao ler o texto, acreditasse estarem os autores afirmando que a aquisição de licença de uso de software proprietário implica em garantias sobre o software? Sobre a afirmação, há uma probabilidade desconhecida do leitor se enganar; mas quanto à suposta garantia, o leitor estaria enganado em 97,8% dos casos. Engano compreensível, pois a ponderação probabilística (qual probabilidade é mais importante) é um processo ideológico, e a guerra cognitiva é ideológica em sua essência.
 

3- Final

3.1 - Perigosa leveza fática

E já que se falou em probabilidade, por que 97,8%, acima? Porque qualquer produto "criado para o consumidor" pela Microsoft, empresa que se orgulha de ter 97,8% penetração no mercado de sistemas operacionais de desktop no Brasil, terá, em sua licença de uso, uma cláusula que exime a empresa e seus fornecedores de qualquer responsabilidade pelo que possa acontecer ao usuário e seus bits, em decorrência deste uso. E também outra estabelecendo o da sede da empresa nos EUA como foro para solução de disputas.

O que pode ser admitido como algo semelhante a garantia nessas EULAs é uma cláusula, em algumas delas, dispondo sobre sua anulação por demanda do licenciado, consumada pela devolução do pagamento efetuado para contratar a licença.

Apesar do que reze o Código de Defesa do Consumidor, ou códigos comerciais vigentes no Brasil, desconheço a existência de um caso, sequer, em que a validade de uma tal licença tenha sido contestada com sucesso em tribunal brasileiro, ou a cláusula de anulação da licença por demanda do licenciado, honrada pela empresa. Doutra feita, há relatos de casos, noutras jurisdições, de tal demanda acionada mas não honrada [15].

Se examinarmos o outro tipo de licença em foco e compararmos os princípios envolvidos nas cláusulas de garantia em ambas, veremos que um tipo de licença oferece exatamente o que o outro tipo oferece. Uma licença de uso de software livre é, normalmente, uma sessão de direitos, já que em nada obriga o licenciado, exceto a reconhecê-la. Sendo uma licença positiva em relação ao conhecimento do seu objeto (ao contrário da proprietária, que é negativa), apenas condiciona direitos de usufruto e disponibilização de cópias.

Ao contrário das EULAs proprietárias, pela GPL o licenciado não assume obrigações de custódia sobre propriedade alheia, pois, sendo livre o software-enquanto-espécia, o licenciado será dono da sua própria cópia e ninguém será proprietário do software em si. E como autoria não é sinônimo de propriedade, o desconhecimento da propriedade do software-em-si não siginifica que o autor tenha por isso renunciado aos seus direitos autorais. Ele os retém, e os preza, e, mais importante, os exerce, ao ditar as regras para disponibilzação da sua obra, através da licença de uso.

Se for respeitado o princípio da isonomia, tão reclamado no texto em exame, e se nada é cobrado em moeda ou exigido em forma de compromisso pelo licenciamento de um software livre, cláusulas dispondo sobre a anulação da licença, isto é, sobre a anulação da outorga de direitos que constitui tal licença, não terão porque obrigar o licenciador de software livre a nada, como ocorre na GPL. O que nada tem a ver com o comércio de licenças de suporte e serviço (SLAs), agregáveis ao software e sua licença de uso. As SLAs é que, por serem comercializadas, estariam se submetendo à chamada lei do software brasileira, no que tange à obrigatoriedade de ofertas de garantias.

A anulação da GPL ocorreria, por outro lado, pelo descumprimento das condições estipuladas para se gerar os direitos outorgados, dentre eles o de uso do exemplar em posse. Para demandar a anulação da licença, basta ao licenciado ignorar a outorga ou violar uma de suas condições. Numa comparação mais criteriosa entre os dois tipos de licença restariam afastadas, portanto, não as garantias em um dos tipos, mas quaisquer diferenças de forma e de princípio entre as oferecidas por ambas: são ambas garantias sobre a licença, e não sobre o objeto da licença, resumindo-se estas ao direito de anulação.

 A comparação entre licenças de software livre e proprietário oferecida no texto em exame é, portanto, no que tange a garantias, se não ingênua, no mínimo capciosa. Se, ao cobrirem apenas a licença e não o produto, as garantias em licenças de uso de software estiverem, por isso, violando o Código de Defesa do Consumidor (CDC), serão ambos os tipos a violar. E se ambos os tipos violam, seria correto pensar que os princípios jurídicos da isonomia e da impessoalidade, tão reclamados pelos anfitriões desta reflexão, não permitem que uma violação seja ignorada enquanto a outra é execrada, quer nos tribunais, quer na formulação de políticas públicas, quer em ataques ao modelo livre no texto em exame.

Pretender que SLAs (que contém garantias relativas ao funcionamento do software) fazem parte de uma e não podem ser agragadas à outra, na tentativa de justificar esta inversão da agressão ao princípio da isonomia e impessoalidade, quando nenhuma das duas ilações se sustentariam, é uma pirueta semântica da Novilíngua, de perigosa leveza fática. E não são apenas vendedores de caixas-preta a se juntar aos autores do referido artigo, no rito do santo byte em que se baila sob o mantra desta pirueta: "software livre, ao contrário do software proprietário, não dá garantias". Uma carrada de advogados de menor estatura profissional, que ouviram o galo cantar e querem pegar o bonde, "especialistas" e executivos, ilocucionam seus argumentos como se as SLAs fossem, por um lado, parte das EULAS, e por outro, impossíveis de serem acopladas a licenças livres (ex: o CIO de um banco e representante da Febraban, em [14]).

Vamos tomar como exemplo vivo e ilustrativo do perigo desta leveza um caso recente: a epidemia do SQL slammer, o verme digital mais contagioso que já atacou na internet. Quando eclodiu, em 25 de Janeiro, seu tráfego obstruiu várias artérias da internet, perpetrando um ataque global de negação de serviço cuja severidade variou conforme as características da rede local e das medidas emergenciais de defesa tomadas localmente. Medidas equivocadas terminaram por agravar o bloqueio.

3.2 Responsabilidade e hipocrisia

O verme SQL slammer se valeu de um dos protocolos "menos inteligentes" da Internet (o UDP), que é por isso menos utilizado e menos vigiado pelos firewalls que controlam o tráfego entre as redes que a compõem, para propagar-se com menos carga (apenas 414 bytes), menos obstáculos e maior rapidez do que os vírus das grandes epidemias passadas, como o CodeRed, o Nimda e o ILoveYou, essas outras por vírus que exploravam vulnerabilidades decorrentes de uma estratégia mercadológica imprudente da maior marca de software do planeta: a inclusão do VBScript como linguagem de conteúdo ativo em suas aplicações para a internet (a lógica? reter seu mercado de programadores em MS DOS).

O único mecanismo de propagação do SQL slammer é uma vulnerabilidade do tipo buffer overflow, uma falha de programação originalmente presente nos servidores SQL Server 2000 e MSDE, da mesma marca. Devido a estas características, o SQL slammer conseguiu obstruir os canais de entrada e saída de qualquer rede com conexão à internet dimensionada em padrões usuais, com apenas um ou dois dos seus computadores infectados saturando seu tráfego. Ou seja, redes que tivessem o sistema GNU/Linux instalado em todos seus computadores exceto um ou dois, este com o Windows, poderia ser vitimada. Bem como aquelas só com GNU/Linux, mas com saída à internet por redes com Windows.

O MSDE (Microsoft Database Engine), uma versão leve e embutível em outros softwares do MSSQL, está presente em boa parte dos desktops (computadores pessoais), em produtos tais como o Visio (MS Office), em servidores de aplicação como os gerenciadores de vírus (McAffee), e em sistemas para infra-estrutura de redes (em roteadores da Cisco). Ou seja, diferentemente do MSSQL, o MSDE está meio que oculto em computadores de usuários comuns e em produtos de empresas "parceiras", em posições estratégicas para a propagação de epidemias na internet.

Conforme relato da empresa de segurança computacional Counterpane (http://www.counterpane.com/crypto-gram-0302.html), durante os dias em que durou o ataque a Microsoft tentou rebater a culpa para seus clientes, tivessem eles apenas licenças de uso ou também licenças agregadoras de suporte em lotes, conhecidas como MS Open License. Ela buscou se eximir afirmando que já havia divulgado, havia seis meses, um reparo (service pack) contendo um remendo (patch) que corrigia essa vulnerabilidade do MSSQL.

Administradores é que seriam culpados pelos ataques sofridos, por não terem atualizado seus aplicativos MSSQL conforme recomendado. Voltaram, inclusive, a vociferar contra a publicização de falhas dos seus produtos, pois o verme SQL slammer continha código muito semelhante ao que um pesquisador da segurança computacional, David Litchfield, havia divulgado para comprovar tal falha, após a empresa ter se manifestado publicamente a respeito, ao divulgar seu service pack.

Pesquisadores só fazem isso porque se não o fizerem, como mostra a prática, as empresas monopolistas de software proprietário simplesmente ignoram notificações de vulnerabilidades em seus produtos, viciadas que estão em tratar a segurança do usuário como assunto de marketing, reagindo apenas à ameaça de dano à imagem. E com a vulnerabilidade dos seus produtos cada vez mais acentuada, por razões dissecadas no relatório da CCIA [7], pesquisadores da segurança computacional passaram a ser tratados como criminosos, sob a espada de Dâmocles da lei DMCA.

A despeito disso, o código que demonstrava a vulnerabilidade do MSSQL era tão simples que o autor do verme, tendo produzido um mecanismo de infecção tão eficaz, que gerava aleatoriamente endereços IP de uma forma que conseguiu, no estouro da epidemia, cobrir todo o planeta em menos de cinco minutos, poderia muito bem ter feito ele mesmo o mecanismo de invasão, a partir do simples rumor sobre o buffer overflow.

Acontece que, dias depois, vazaram notícias de que a própria Microsoft havia sido severamente atingida pela epidemia do SQL slammer. Teria ela ignorado sua própria recomendação a respeito do MSSQL?  E se o fez, por qual motivo? A explicação pode ser mais prosaica do que inicialmente se possa imaginar. A vulnerabilidade estava presente também na versão enxuta e embutível desse software, o MSDE, mas o reparo que a fornecedora de ambos produziu, distribuiu e instalou em suas próprias redes, só remendava o aplicativo MSSQL, deixando o MSDE, licenciado a terceiros e escondido em outros de seus produtos, como presa fácil para o ataque.

A responsabilidade, segundo marqueteiros e "especialistas" do status quo, é inteiramente dos hackers, que por sinal se beneficiam do software livre, não havendo por que, nesse caso, se falar de garantias.

O problema que tende a nos fazer passivos frente as consequências da leveza fática dos ataques ao software livre aqui narrados, que se valem de dois pesos e duas medidas para aquilatar e julgar licenças de uso e SLAs, está na forma imperfeita com que se pretende fazer códigos jurídicos, como o CDC, coisificar o software. Software não é parafuso nem sabonete. O sentido em que pode ser objeto de consumo é tortuoso. Além de denotar, simultaneamente, espécie e indivíduo semiológico, software é mistério. O mistério da virtualíssima trindade de Lessig. Para o autor, é obra intelectual; para o usuário, é inteligência intermediadora. E no ciberespaço, é lei.

3.3 - O mistério da virtualíssima trindade

A guerra cognitiva entre os modelos livre e proprietário é uma disputa travada sob o mistério desta trindade, entre os que encarnam pai e filho pela ascendência semiológica ao espírito santo dos bits. Software existe e tem função social independente do comércio que se faça em torno dele. A chamada lei de software brasileira não pode ser aplicada contra a licença GPL, nos termos que insinua o texto em exame, pois essa lei dispõe, no que tange a obrigações não atendidas pela GPL, sobre comércio de software, e licenciamento GPL não é comércio. E sem o devido respeito ao mistério da virtualíssima trindade, pérolas acrobáticas da novilíngua se sucedem:
"Tendo em vista a diversidade permitida pela alteração do código-fonte, a compatibilidade com outros programas tende a ser reduzida"
Software livre é o próprio paradigma da compatibilidade, entendido o conceito em sua origem semiológica, como potencial de capacidade interlocutória de um software diante de outros softwares, e não como métrica marqueteira que dele se aproprie. Qualquer programador com a devida competência, tendo acesso ao código fonte doutro software, saberá como fazer o seu software compatível com aquele. Principalmente se essa liberdade de acesso vier acompanhada da liberdade de reuso, como ocorre na GPL. Em consequência, no momento em que foi escrito este texto, sabia-se de 208 distintas distribuições do sistema operacional GNU/Linux, e do seu aporte para todas as plataformas de hardware hoje em produção, além de outras legadas, sem que se tenha notícia de qualquer incompatibilidade entre elas, contrariamente ao que sugere a vista acima.

Quanto ao software proprietário, sua restrição cognitiva coloca sua compatibilidade sob o guante do produtor. A maior empresa monopolista do software proprietário é notória por este seu guante. Por ter sido várias vezes condenada devido a condutas não muito éticas em seus negócios, tecnicamente acobertada por tal restrição. Condenada por introduzir falsas mensagens de incompatibilidade em seus softwares (como a do Windows 3.11, relativo ao DR DOS da Digital Research, o que lhe custou 0.75 bilhões de dólares em multa), por se apropriar de padrões abertos ou licenciados e deles desviar-se para fazê-los, em seus produtos, incompatíveis com "concorrentes" (estratégia "embrace & extend", empregada, por exemplo, na implementação do protocolo Kerberos e da licença Java), e por outras táticas de guerrilha semiológica, corriqueiras no mundo do software proprietário, onde sua posição monopolista no mercado de sistemas operacionais é usada e abusada para asfixiar iniciativas tecnológicas de terceiros que não convenham ao seu negócio.

O argumento de compatibilidade, conforme empregado acima, camufla uma apologia à prática monopolista de aprisionamento e dependência dos licenciados, através da estratégia geral de guerrilha semiológica conhecida por vendor lock-in. Esta estratégia atinge até seus clientes fiéis, forçados a migrar por obsolescência artificial programada, às vezes até de hardware. O exato oposto da compatibilidade em seu sentido semiológico, como medida de independência de fornecedores à competência comunicativa do software, e não como contagem dos "produtos" com ele capazes de interlocucionar, em um dado corte temporal. Novamente, as piruetas da novilíngua de Orwell, onde a palavra significa, quando convém, o seu antônimo. O que nos leva a mais uma pérola acrobática:

"Por isso, [garantias afastadas no software livre], embora os custos de aquisição sejam baixos ou quase inexistentes, são altos os custos de treinamento e manutenção"
Doutoranda em economia, a segunda autora do texto em exame estaria em melhor posição se antes buscasse entender a economia que, à sombra de um grande nome em co-autoria, ataca. Por exemplo, lendo o livro The Business and Economics of Linux and Open Source, escrito por um dos diretores da empresa Hewlett-Packard, Martin Fink. Poderia também examinar explicações menos obscuras e rocambolescas para os "altos custos de treinamento e manutenção". Como por exemplo, a de que o mercado em torno do software livre estaria aquecido, o que depõe antes a favor do que contra o seu modelo. Talvez assim a má dissimulação de pânico fosse evitada, como a que se insinua nas contorções semânticas do seguinte arremesso.
"Além do mais, fazer uma escolha prévia, por um ou outro tipo de software, sem considerar as peculiaridades de cada caso concreto de compra a ser feita,  representa afronta ao princípio constitucional da impessoalidade"
A alguém que conheça menos Direito do que português, pode parecer que o termo "preferência" se traduza, em certames licitatórios, melhor como critério de desempate do que como escolha prévia. E os autores ainda acusam os defensores do software livre de tratarem o assunto de forma emocional. Piruetas da novilíngua, ao que parece.

Senão, o que dizer, por exemplo, das "garantias" oferecidas pela licença de uso do Microsoft FrontPage versão 2002, usado pelos clientes da maior marca de software proprietário do planeta para confeccionar páginas web? Vejamos um pequeno trecho do que pode nela ser lido, depois de muita rolação de texto, durante o átimo da instalação do mesmo:

"You may not use the Software in connection with any site that disparages Microsoft, Microsoft Network, The news services Microsoft NBC, Expedia, or their products or services ... "  [19]
Imaginemos, por um momento, que nossos doutos autores, bacharéis de Direito que são, se vejam juizes que precisam publicar, no site do tribunal onde judicam, sentença condenatória da nominada empresa, por abuso de poder econômico, usando para isso o referido software, cujo modelo negocial louvam e defendem. Uma sentença, por exemplo, prolatada em uma das quinze ações que nesses termos tramitam hoje, contra a dita ou sua representante, no Tribunal Federal da primeira região, na capital da república.

Nossos autores estariam, ao publicar, com este software, uma tal sentença na web, infringindo a licença de uso que antes aceitaram, ao instalar o tal software. Estariam depreciando a imagem da licenciadora. E ao depreciar essa imagem com a publicação de uma tal sentença, estariam também reconhecendo o direito da ré implodir remotamente o serviço de internet do tribunal. Eles poderiam, é claro, evitar tal colapso ou constrangimento publicando, no lugar da sentença, o artigo em análise, elogioso desse tipo de negócio com software. Mas, convenhamos, esta não seria uma alternativa das mais honrosas.

3.4 - Platão e Trasímaco na República

O episódio cinco dos "Sapos Piramidais" precisa terminar, e outras pérolas da Novilíngua no artigo em exame terão que permanecer, por isso, por hora submersas. Para encerrá-lo, precisamos reconduzir a reflexão à que fomos convidados de volta ao cenário maior onde veio à luz, o da evolução da informática.

Tudo na informática tem evoluído em velocidade estonteante. Ao longo das suas parcas seis décadas, dela sentimos contínuas pressões por mudanças. Nos hábitos, nos procedimentos, nos negócios, nas leis. Próprio ao Poder Judiciário seria, como sempre tem sido, o aconselhamento prudente e sóbrio. Ao legislador que se vê pressionado, e principalmente a si mesmo, na atividade judicativa através de normas sociais que, necessariamente imaturas, almejam reger o virtual.

A sobriedade se faz prudente pois o mundo virtual tem suas leis naturais próprias, semiológicas (parecidas às da termodinâmica), muitas por serem descobertas. Leis que prometem o domínio de etéreos fenômenos, doutra forma inalcançáveis. Leis que prometem a adequada visão de um novo poder invisível, porque semiológico, a erodir, indecifrável, os pilares e a soberania do Estado democrático de Direito, pela ação do poder semiológico que se associa ao poder econômico na cartelização das TICs, conduzida pela via dos "efeitos-rede" na virtualização das práticas sociais. Uma associação virtual por excelência, sem rosto e sem lugar, à qual só podem se contrapor movimentos sociais como o do software livre.

Por outro lado, a Constituição federal obriga os administradores públicos a defenderem os valores nela expressos, inclusive, e principalmente, a soberania do Estado representado. Doutra feita, submeter o acervo documental e os canais eletrônicos do Estado a padrões e formatos digitais proprietários, e portanto, como quer o status quo, em breve à jurisdição global dos tribunais de uma nova Inquisição, onde se vende indulgências na forma de títulos de propriedade de Idéias e Formas da natureza, em atitude passiva frente ao processo de desmonte do bem público comandado pela associação virtual emergente da cartelização nas TICs, não parece condizer com tal obrigação.

A autonomia do Estado para regular a admissibilidade do que se convencionou chamar de propriedade intelectual, sem prejuízo ao bem público, será a última trincheira de sua soberania. Se dela evadir-se, estará se entregando, para a escravização da sua memória e dos seus nervos, a uma mão invisível cuja vontade não sabe e não pode auscultar. Estará se submetendo ao jugo demagógico, como descreve Platão na "República":

"a alma dos cidadãos torna-se tão melindrosa que, se alguém lhes ordena um mínimo de responsabilidade, eles se agastam e não a suportam; acabam por não se importar nada com as leis escritas ou não escritas" [6]
Isto, por sua vez, faz a democracia passar, graças aos sofistas e aos demagogos, à tirania:
"O tirano é cercado apenas por pessoas que, não sendo nem amigas nem inimigas, contentam-se em parecer o que lhe apraz o que elas sejam, testemunhando deste modo ausência de caráter e uma ambição temível até para o próprio tirano" [5]
Consagrará o saber Jurídico, como querem os autores do texto em exame, o caráter de "interesse público" a esta associação virtual e seus ditames escravagistas, e o caráter de "afronta ao princípio da impessoalidade" às iniciativas de se neutralizar os efeitos deletérios e corrosivos sobre o tecido social sobejamente imputáveis à mesma? O tempo dirá. E se assim for feito, estar-se-á dando razão a Trasímaco, figura sinistra da "República", com a qual Platão parece ter lutado até o fim. O que é Justiça? A resposta é fácil, para Trasímaco
"Uma vez promulgadas as leis [que cada forma de governo estabelece de acordo com a sua conveniência], fazem saber que é justo para os governos aquilo que lhe convém, e castigam os transgressores, a título de que violaram a lei e cometeram uma injustiça. Aqui tens, meu excelente amigo, aquilo que eu quero dizer, ao afirmar que há um só modelo de justiça em todos os Estados -- o que convém aos poderes constituídos. Ora, estes é que detém a força. De onde resulta, para quem pensar corretamente, que a justiça é a mesma em toda parte: a conveniência do mais forte" [4]
Mas Platão não se rende. Na Carta Sétima, onde relata sua experiência com Dioniso, tirano de Siracusa, ele assim termina, talvez na mais remota referência documentada à estratégia FUD, tão cara à associação entre poder semiológico e poder econômico para sua luta autopoiética:
"nenhum homem sério, ocupado com questões sérias, arriscar-se-á a deixá-las cair no falatório público, escrevendo-as, e expondo-as aos maus tratos e às dúvidas. Por isso, quando se vê algo escrito por alguém sério, seja uma lei por um legislador, seja este ou aquele assunto, deve-se investigar o caráter deste escrito e perceber que não se trata do que é mais sério. Supondo que ele acredite que estas coisas escritas são realmente sérias, e por este motivo ele as depositou em escritos, então é certo que os deuses, não os mortais, arruinaram-lhe o juízo" [3]

Conclusão

Que fé moveria os que balizam o interesse público na conveniência -- e não na segurança, seu inverso -- com que a informática remodela práticas sociais, em lances que já presumem antagonização entre academia e mercado?  Os que nos convidam, no texto examinado, a “necessária maior reflexão” sobre os temas aqui tratados, já a teriam do signatário, mesmo que não maior, em dezenas de artigos e ensaios que, certamente, ignoram se não desdenham. Para os que ainda não conhecem os sapos piramidais, um apêndice ao final deste artigo revisita os batráquios geometrizados.

E, por fim, se esta fé nos submeter passivamente ao domínio dessa associação virtual, cujo espectro faz pairar sobre nosso futuro coletivo uma sombra absolutista, em delírio supremo de encantamento com a tecnologia-rotulada-panacéia e com o fanatismo mercantilista, feitiço que culmina em auto-imolação dos direitos à soberania do Estado, à consciência cidadã e à liberdade de conhecer, como seres eletronicamente intermediados que nos tornamos, será um ato de decisão coletiva que nos porá não muito longe do passado.

Segundo Ernest Bloch, o papa Gregório XVI teria escrito, em 1832, ser uma loucura a idéia de que todo homem possui a liberdade de consciência [2]. Refugos da revolução francesa. Mas defender a soberania do Estado e a ordem pública ainda são deveres constitucionais do governo, herdada desse marco histórico da democracia moderna. Insinuar que não cabe ao governo cumprir essa missão de defesa, por choque com códigos menores, comerciais que sejam, me parece, no momento, prática perigosa.

Não se deve atacar o governo pelo exercício da liberdade de cumprir seu dever maior, mesmo que esse ataque venha através de convoluto juridiquês, floreado com sofismas em Novilíngua. Partindo de grandes nomes, esses ataques geram ruídos que podem, em momentos delicados, causar rupturas imprevisíveis. E delicado é o momento, em que a guarda da ordem constitucional parece-nos repousar em estado precarizado.

Precarizado quando, dentre os supremos magistrados que juraram à nação desempenhar com zelo esta missão de guarda, à guisa de troça com o triste vexame da confissão de um dos seus pares, à época deputado constituinte, de ter manipulado, entre votação e aprovação legislativa, nossa Lei Maior, um deles vem a público insinuar que tal missão talvez seja desnecessária, supérflua ou inútil [20]. E justo aquele no comando da Justiça Eleitoral. Da troça, alguns podem achar graça, outros não, o que nos remete ao ponto final, marcado por um conselho do ilustre e contemporâneo filósofo brasileiro Roberto Romano [1].

"Melhor seria guardar o antigo costume, na posse de juízes e governantes: nela, outrora, alguém era encarregado de dizer: 'Memento quod es homo'. Isto lhes preveniria contra os aduladores, praga que infesta todos os palácios, inclusive os de Justiça. Talvez, então, os acertos e os erros dos magistrados não fossem tão cômicos, para nossa infelicidade e tragédia."


Apêndice: O Sapo Piramidal, revisitado

Quem são os sapos piramidais? São aqueles que se conformam com a supressão gradual das liberdades humanas, resgatadas a duras penas de negras paginas da história, em nome de um totalitarismo capitalista auto-ornganizador e seu esquema de pirâmide da prosperidade, promovido pelos devotos da religião da avareza, que prega a conversão forçada dos infiéis. Sua seita mais perigosa é a do santo byte, que acredita na santificação através da beberagem de um mescla de competência tecnógica e poder político.

O sapo, por ser um batráquio, pode ser cozinhado vivo pelo lento e gradual aquecimento da água fria, já que não sente a temperatura, mas apenas sua mudança abrupta. Como os aztecas e seus prisioneiros, cozinhados lentamente pelos dogmas dessa mesma religião.
 
 


O sapo piramidal

v.2 - 5/11/03 - Slides da palestra
v.3 - 22/11/03 - Revisão


Bibliografia

[1]-  Roberto Romano: O caldeirão de Medéia, São Paulo, Perspectiva, 2001, pp. 343

[2]-  Ernest Bloch: Droit naturel et dignité humaine, apud Roberto Romano: O caldeirão de Medéia, São Paulo, Perspectiva, 2001, pp. 319.

[3]- Carta VII, Loeb Classical Library, Plato V.IX, apud Roberto Romano: O caldeirão de Medéia, São Paulo, Perspectiva, 2001, pp. 351

[4]- Republica, 339a, apud Roberto Romano: O caldeirão de Medéia, São Paulo, Perspectiva, 2001, pp. 360

[5]- Jean-Claude Fraisse, Phillia: La notion d'amité dans la philosofie antique, Paris, Vrin, 1984 apud Roberto Romano: O caldeirão de Medéia, São Paulo, Perspectiva, 2001, pp. 356

[6]- Republica, apud Roberto Romano: O caldeirão de Medéia, São Paulo, Perspectiva, 2001, pp. 356

[7]- Dan Geer, Rebbeca Bace, Peter Guttman, Perry Metzger, Charles Pfleeger, John Quarterman, Bruce Schneier: "CyberInsecurity - The cost of monopoly" http://www.ccianet.org/papers/cyberinsecurity.pdf  Sept 2003.

[8]- Cruz, Renato: "Com Lula, software livre terá mais espaço" Estadão on-line (15/12/02) http://www.estadao.com.br/tecnologia/informatica/ 2002/dez/15/6.htm

O diretor de marketing da Microsoft no Brasil é citado declarando ser necessário “separar a visão ideológica da comercial”, e o diretor de relações públicas afirmando que ficarão preocupados “se tentarem cercear a competitividade” com leis que “limitem a concorrência
[9]-IstoÉ Dinheiro de 30 de Julho    (http://www.terra.com.br/istoedinheiro/ 309/ecommerce/309_todo_poderoso.htm)

[10]- NewsFactor Network:  Enterprise I.T. Newsletters Oct 29, 2003
http://www.newsfactor.com/perl/story/22583.html

"Enlarging the scope of its lawsuit against IBM, SCO Group has filed court documents that challenge the validity of the GPL (GNU General Public License), the software license that governs Linux. If SCO were to successfully invalidate the GPL -- which has never been legally challenged -- it could have an enormous impact on Linux's future..."
[11]- Pedro A. D. Rezende: "Correio Braziliense ataca liberdade" http://www.pedro.jmrezende.com.br/trabs/freesoft3.htm

[12]-  Cristiane Correa e Sérgio Teixeira Jr. "Por que a pirataria pode acabar com o seu negócio (e como defender dos corsários corporativos)" Reportagem de Capa, Revista Exame, 29 de Outubro de 2003.

[13]- Jonathan Karp "A Brazilian Challenge for Microsoft"  Sept 7, 2003  The Wall Street Journal

[14]- Eduardo Vieira: "Linux: você ainda vai usar", Info Corporate, edição maio/junho 2003.

[15]- Con Zimairs: "A comparison of the GPL and the Microsof EULA" Cybersource, maio de 2003 http://www.cybersource.com.au/cyber/ about/comparing_the_gpl_to_eula.pdf

[16]- Veríssimo, Luis Fernado: "Nova Idade Média", na coluna Opinião, Correio Braziliense, Brasília, 11 de Outubro de 2000.

[17]- The league for programming freedom: "Against software patents", Feb 1991 http://lpf.ai.mit.edu/

[18]- Simone Tatsch e Miguel Reale Jr. "Escolha pública pelo software livre", Jornal Valor Econômico, 26 de Junho de 2003. Espelhado em http://www.pedro.jmrezende.com.br/trabs/ve1.htm

[19]- Ed Foster: "A punitive pupeteer?" Infoworld (e-zine, s/d), em http://www.infoworld.com/articles/ op/xml/01/09/17/010917opfoster.xml?0920t, acessado 2/11/03.

[20]- "Ação contra Nelson Jobim". Correio Braziliense, 10 de outubro de 2003, pp. 6. In verbis:

"O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Sepúlveda Pertence chegou a brincar com a situação [manipulação da Constituição]. 'Estou torcendo para que apareça o artigo 102; aí, a gente arquiva os processos todos', afirmou, citando o artigo da Constituição que define atribuições do Supremo" [Tribunal Federal]

versão publicada na coluna "Segurança, bits & Cia." no Jornal do Commercio-RJ