http://www.pedro.jmrezende.com.br/sd.htm > Confiança: na Teoria

A crise nos fundamentos da Matemtica
e a Teoria da Computao

Qual a natureza da verdade matemtica? *1

Palestra Proferida no Seminrio de Filosofia da UnB

[disponível em formato PDF]

Pedro Antonio Dourado de Rezende
Departamento de Cincia da Computao
Universidade de Braslia
9 de Fevereiro de 1999


" A filosofia uma batalha contra o enfeitiamento da inteligncia por meio da linguagem"
Ludwig Wittgenstein (foto):
Philosophical Investigations, s. 111.

Introduo

 Pretendo apresentar neste texto, como educador atento que enfrenta o desafio de mapear o curso de uma cincia ainda em sua infncia e qual se dedica, uma perspectiva histrica do cenrio de sua gnesis, com a inteno de permitir-nos melhor nitidez na percepo de suas aspiraes, de suas fronteiras, da natureza de seus problemas e limites.

  Buscarei mostrar como o nascimento da teoria da Computao decorreu do esforo despendido por filsofos no incio de sculo XX para iluminar a natureza da verdade matemtica, problema posto em aguda evidncia pela turbulenta etapa na evoluo do pensamento matemtico ocorrida entre aproximadamente 1874 e 1936, etapa que alguns historiadores da cincia se referem como "a crise nos fundamentos" (1), e que podemos interpretar como o desfecho da fase de seu amadurecimento correspondente ao surgimento da cincia moderna, iniciada com o legado de Galileu (imagem), Leibniz, e Newton.

  Para podermos capturar a essncia desse esforo, necessrio partirmos de onde surge, no pensamento grego, a questo filosfica que est no cerne desta crise. Tal questo aborda um conceito que, uma vez abrigado na matemtica, torna-a independente da experincia e, portanto, distinta de qualquer outra cincia, como at mesmo os mais empedernidos empiristas na tradio de Hume podem ser levados a reconhecer: o conceito do infinito (2: pp.82). J neste primeiro encontro com o infinito, a matemtica e a filosofia foram conduzidas a paradoxos, mas tambm descoberta do irracional, levando Aristteles (imagem) posio que considera o ilimitado (apeiron) como "ente em potncia" (dynamei on), ou, segundo Simplcio comentando Aristteles, "que tem seu ser no devir".

 Ao romper radicalmente, em sua teoria dos conjuntos, com toda a tradio filosfica e matemtica de tratar o infinito segundo a tese aristotlica do ser em potencial, Georg Cantor (foto) permite que paradoxos – at ento cuidadosamente confinados ao uso impreciso da linguagem natural – reapaream com fora insofismvel na fundao basilar do edifcio do conhecimento matemtico, que tantos triunfos trouxera s cincias da natureza, pondo em marcha, de forma dramtica, uma jornada de profcua investigao filosfica sobre seus fundamentos.

 Podemos considerar como marco entre a etapa trepidante desta investigao – conseqncia da libertao do pensamento matemtico do (quase) absoluto domnio aristotlico – e o seu amadurecimento, os teoremas de Kurt Gdel (foto) sobre a incompletude da aritmtica, com os resultados subsequentes de Gentzen, Skolem e a hiptese de Church completando a contribuio desta investigao para uma releitura do papel da matemtica na epistemologia da cincia contempornea. Especulaes sobre as razes para Cantor assim agir e as reaes que causou, sobre possveis influncias desta releitura na dinmica das correntes do pensamento filosfico contemporneo, e sobre o trajeto da teoria da Computao neste contexto, sero ventiladas.
 

Dos Gregos matemtica moderna

Os gregos foram, pelo testemunho literrio, no s pioneiros em tratar processos convergentes ilimitados por meios matemticos, como na dicotomia*2  descrita por Zeno de Elia (3), mas tambm no emprego de demonstraes para suas proposies matemticas, tendo com isso descoberto a incomensurabilidade recproca entre certas grandezas geomtricas. Mas o senso comum da poca considerava paradoxal um processo ilimitado de crescimento poder atingir resultado limitado e definido, j que exemplos semelhantes ao da dicotomia de Zeno, como o da srie harmnica*3, no o podiam.

Acredita-se que os pitagricos j conheciam a impossibilidade de se medir a diagonal de um quadrado em relao a seu lado, atravs do processo da subtrao recproca (antanairesis). A verso aritmtica deste processo de medio descrita por Euclides em "Elementos", hoje conhecida como algoritmo de Euclides para diviso inteira. Tal descoberta possivelmente contribuiu para o declnio da escola pitagrica, e afirmou a oposio entre os conceitos de extenso contnua (megethos) – que poderia ser dividido ao meio ad infinitum – e de nmero (arithmos) – que no poderia – em Aristteles.

Do ponto de vista lgico, configura-se a seguinte questo: se existe somente divisibilidade finita (de extenses no espao e no tempo) no h incomensurabilidade, mas sim uma medida mnima para tudo e a tese atomista reforada, enquanto a divisibilidade infinita torna possvel o irracional, isto , a existncia de segmentos incomensurveis por mtodos geomtricos (2: pp.93). Esta ltima hiptese empregada por Eudoxo , junto com o principio da continuidade*4 de Plato, no seu "processo de exausto" (dapanan), descrito no quinto livro dos "Elementos" de Euclides e precursor da idia de limite que iremos encontrar com o surgimento da matemtica moderna, no clculo infinitesimal de Leibniz e no calculo das fluxes de Newton.

Para Aristteles, no h infinito atual por acrscimo, pois o mundo estaria limitado pela abbada celeste (a esfera de estrelas fixas), mas existe, em certo sentido, o infinito por diviso, o infinito em pequenez. A dicotomia sem fim de Zeno possvel, pois os pontos dentro de um segmento s aparecem pela diviso, enquanto que antes da diviso s estavam presentes potencialmente, e s por meio dela adquirem atualidade.

A incomensurabilidade deixa assim de ser problemtica ou importante para o Estagirita, sendo mencionada pelo legado de sua obra apenas no texto de Teofrasto "De lineis insecabilibus", includo no Corpus Aristotelicum, em um argumento contra os "tomos lineares" (2: pp 98).  A diagonal do quadrado de lado unitrio, outras razes de nmeros primos estudadas por Teodoro (2: pp.91), e a razo urea adquirem, com Eudoxo, status de "grandeza irracional"

Em oposio estrita a tal concepo da continuidade de segmentos geomtricos est o da anlise clssica, como nos hoje apresentada. O segmento, para Aristteles, no se compe de pontos, embora um nmero sem fim de pontos estejam nele "em potncia", no sentido de s poderem se tornar atuais por operaes matemticas construtivas, como a diviso. Ao contrrio de Plato, que atribuiu aos objetos matemticos existncia real, intermediria entre idias e coisas sensveis, Aristteles os caracterizou como abstraes (aphairesis) (2: pp 100). Na anlise clssica, baseada em teorias dos conjuntos que se seguiram teoria de Cantor, o segmento um conjunto infinito atual de pontos, oferecidos observao quando nele se aplica a diviso ou outra construo matemtica.

O conceito de infinito em potencial de Aristteles desempenha tambm papel essencial na doutrina das antinomias de Kant, empregado para solucionar as primeiras antinomias cosmolgicas sobre a finitude ou no da extenso e da divisibilidade do mundo no tempo e no espao (4: pp 545), cuja "crtica da razo pura" desempenha importante papel na releitura epistemolgica contempornea da matemtica (5). Antes de chegarmos a Cantor, porm, devemos contemplar a paisagem histrica onde emergiu sua obra.

Na matemtica geometrizada grega antiga, j se abstraem conceitos das figuras concretas, e desses, concluses independentes, como na teoria das propores de Eudoxo. Refletindo sobre o que h de universal na matemtica, em "Metafsica", Aristteles afirma que o matemtico contempla aquilo que existe por abstrao, em que v coisas diferentes do ponto de vista quantitativo e contnuo (pontos, linhas, superfcies, corpos), enquanto o "filsofo primeiro" (o metafsico) contempla todas as coisas do ponto de vista do ser. Apesar desta diferena, h semelhana no carter formal comum que possuem a matemtica e a ontologia universais, o que contribui para o surgimento na renascena da idia de uma Mathesis universalis, primeiro de forma incipiente, com o calculo literal de Vite e a geometria analtica de Descartes, e depois com Leibniz, que cunhou o termo para designar a sua proposta de um clculo simblico universal da quantidade e da qualidade: uma forma para a matemtica que a libertasse da figura geomtrica e das limitaes do nmero, e coroasse assim a capacidade abstrativa da razo humana.

O aforismo forjado por Sir Francis Bacon, "Naturam renunciando vincimus" (pela renuncia venceremos a natureza), reflete a essncia da revoluo ocorrida no esprito renascentista que fertilizou o pensamento matemtico, promovendo seu desenvolvimento ao estado atual. Por paradoxal que possa parecer, o processo para arrancar natureza seus mistrios e dominar suas foras renunciar ao conhecimento de sua "essncia". Esta idia j estava em Galileu*5, que se afastou da tradio aristotlico-medieval renunciando a investigar as causas do movimento de corpos, para se limitar ao decurso da queda e das trajetrias balsticas . Tal tipo de renncia tem por conseqncia um estreitamento do horizonte de respostas possveis, e esta limitao por sua vez favorece a elucidao, pela forma matemtica de pensar (pelo mtodo analtico), de conceitos centrais s leis fundamentais da natureza. Este processo pode ser identificado na emergncia de diversas teorias "de relatividade" ao longo da histria da fsica, baseadas em princpios de invarincia e simetria sob certos grupos de transformaes.

Exemplos dessas teorias esto entre os mais espetaculares avanos da cincia moderna, como a mecnica newtoniana (leis invariantes ao movimento inercial), a teoria da relatividade restrita (leis invariantes velocidade de propagao eletromagntica) e a teoria da relatividade geral (leis invariantes ao prprio movimento) de Einstein, e a teoria quntica (leis invariantes com respeito a relaes de indeterminao de Heisenberg). Tais sucessos impulsionam o pensamento matemtico moderno em direo a formalizaes e abstraes crescentes, onde a negao de determinado conhecimento fsico traz consigo a imposio de relaes de simetria s leis fundamentais da natureza, enriquecendo ainda assim seus significados e propondo a substituio da sua contingncia por uma espcie de "necessidade pitagrica" (2: pp 46), com reflexos nas possveis motivaes para um pensar metafsico ps-kantiano (5).

Por outro lado, este "impulso pragmtico" exps o pensamento matemtico, durante seus primeiros passos nesta nova trajetria, a um apreo pelo poder analtico desproporcional em relao ao cuidado com o mtodo empregado para desenvolv-lo. J com a teoria da gravitao de Newton se desvelam limitaes internas da matemtica para solucionar problemas*6 ali propostos, tendo seu calculo de fluxes recebido contundentes crticas de Berkeley pelo uso descuidado com que manipula o conceito de infinito. Guiados por instinto e por sucessos anteriores, os matemticos continuaram, entretanto, a elaborar teorias analticas que operam com figuras ou formas que se estendem indefinidamente, chegando os mais incautos eventualmente a contradies insolveis, como nas sries limitadas no convergentes, abaixo exemplificada:

1-1 +1-1 +1-1 ... = ? =
 (1-1)+(1-1)+(1-1)...= 0 =
    1-(1-1)-(1-1)-(1-1)...= 1 ?

Surge ento, na passagem do sculo XVIII para o XIX, uma atitude crtica ao pensamento matemtico – em paralelo, e no por acaso, ao desaparecimento do dogmatismo racionalista dos sucessores de Leibniz e ao surgimento da critica da razo por Kant – que comea por investigar, com Saccheri e Lambert, o status do axioma das paralelas na geometria euclideana, e com Lagrange, os fundamentos de um "calculo diferencial" que pudesse omitir o uso de "elementos infinitesimais". Esta atitude crtica evolui gradualmente para uma extensa e complexa disciplina que abrange diversos estgios de questionamentos filosficos perenes, tomando por vezes rumos e contornos inesperados, num esforo de compreenso dos limites do pensamento matemtico.

O momento culminante deste esforo parece se dar com as tentativas de eliminao de potenciais paradoxos, conhecidos ou no, das teorias matemticas importantes, em face do que ocorrera teoria dos conjuntos de Cantor, havendo um desses rumos eventualmente se tornado a disciplina hoje referida como teoria da Computao, que adquiriu contornos prprios cerca de uma dcada antes da construo da primeira mquina eletrnica digital.
 

A teoria ingnua dos conjuntos de Cantor

 A questo dos fundamentos lgicos pressupostos no mtodo da exausto de Eudoxo reaparece na matemtica moderna, com o clculo de fluxes e o calculo infinitesimal. Depois de Lagrange surgem Gauss, Cauchy e Abel, sensveis atitude critica estimulada por Berkeley, que buscam fundamentos mais slidos para o conceito de limite, introduzido de forma ad-hoc para a determinao de tangentes e taxas de variaes, baseado apenas em vagas intuies geomtricas, no desenvolvimento desses clculos por Newton e Leibniz respectivamente. Cauchy chega a uma elegante teoria de funes contnuas (a anlise real), baseada no que denominou "princpio da convergncia", onde o conceito de limite introduzido como um predicado lgico de primeira ordem e aritmtico de terceira ordem, definido no domnio dos "nmeros reais"*7  (grandezas racionais ou no) onde o problema da existncia de um processo com uma infinidade de operaes sucessivas, como em Eudoxo, parece contornado com o uso de um predicado lgico em seu lugar. Na verdade o problema do infinito foi, como depois se constatou na investigao de "casos patolgicos" de convergncia, apenas transferido para a construo do domnio sobre o qual tal predicado est sendo definido (os nmeros reais). A esta prxima tarefa, historicamente conhecida como "a aritmetizao da anlise", dedicam-se algumas mentes brilhantes da gerao seguinte, como Dedekind, Weierstrass e Cantor.

 Para que esses "nmeros reais" correspondessem a uma desejada abstrao generalizante do processo de mensurao no segmento geomtrico clssico (antanairesis), impunha-se-lhes a ordem total linear. Dedekind resolve de forma habilidosa o desafio, introduzindo o nmero real x como uma partio prpria do conjunto das grandezas racionais*8  que satisfaa o seguinte predicado de ordenao:

x nmero real def.  "p/q x,  "r/s (Q-x) [ p/q  < r/s ]

onde p,q,r,s so inteiros e Q o conjunto de todas as grandezas racionais p/q.  Dedekind chamou tais parties de "cortes" e observou que os nmeros irracionais correspondem exatamente queles cortes em que nenhum dos dois conjuntos da partio (x,Q-x) possui em si supremo ou nfimo*9 .

 Imbudos da atitude crtica que os motivavam, acautelam-se os envolvidos por no terem conseguido evitar, em nenhuma das vrias tentativas de fundar a anlise na aritmtica*10, confrontos diretos*11 com a tese aristotlica sobre a natureza potencial do infinito , posio ento reconhecida como fonte de potenciais problemas de consistncia. Dessas tentativas, a dos cortes de Dedekind foi reconhecidamente a mais simples e engenhosa. Sensibilizado por tal impasse, Cantor passa a questionar os obstculos histricos que favorecem a tese aristotlica neste confronto, principalmente o axioma fundamental das partes*12 formulado por Euclides .

Enquanto Galileu e Leibniz, quem podemos considerar como fundador da lgica formal, opinavam que a necessidade de se negar o princpio de que o todo maior que sua parte, constitua obstculo admissibilidade do infinito atual (2: pp 125), Cantor parte precisamente deste ponto, e do impasse na aritmetizao da anlise, para estabelecer sua teoria de conjuntos, restringindo aos conjuntos finitos (e ontologia das figuras geomtricas) o alcance do axioma fundamental de Euclides, dissipando assim o chamado "paradoxo de Galileu"*13. Dedekind, que tanto inspirou e foi inspirado por Cantor, acabou por empregar a prpria negao deste axioma como a caracterizao de infinitude para conjuntos atuais (6: pp 61).

 Cantor elabora sua "teoria abstrata dos conjuntos" partindo de uma definio de conjunto*14 (7: pp 481) que rompe com a restrio aristotlica sobre a forma de ser das infinitudes, mas que logo veremos ser ingnua, prosseguindo com definies operativas sobre conjuntos abstratos das quais a mais importante, para os objetivos deste texto, refere-se ao conceito de "potncia", ali despida do sentido categrico que traz da metafsica de Aristotles, para significar uma medida de grandeza, relativa existncia de correspondncia biunvoca entre conjuntos. O conceito de potncia em Cantor generaliza o conceito de nmero como correspondncia enumeradora em Aristteles (2: pp 19) – o "nmero com que numeramos" (arithmos monadikos) – onde a enumerao finita substituda por uma funo biunvoca abstrata entre conjuntos, finitos ou no.

 Esta definio de potncia para conjuntos revela a Cantor uma notvel descoberta e a demonstrao de teoremas que introduzem, luz de suas definies originais, insolveis inconsistncias em sua teoria, conhecidas como as antinomias (ou paradoxos) de Russell, de Cantor, de Burali-Forti, dentre outras, como veremos adiante. Estas descobertas puseram em risco imediato todo o esforo j empenhado para estabelecer a solidez dos fundamentos da matemtica moderna e seu avano, onde as infinidades atuais despontavam, desde Leibniz at Frege, Cauchy e Dedekind. Antes de abordarmos as atitudes com que a isso reagiram matemticos e filsofos envolvidos neste esforo, e as conseqncias de suas reaes, convm examinar alguns aspectos da teoria de Cantor, para melhor apreciarmos a ubiqidade e importncia do problema do infinito nos fundamentos da matemtica.

A relao de equivalncia definida pela existncia de bijeo (atual ou potencial) entre dois conjuntos, estabelece classes de equivalncia de conjuntos de mesma potncia na teoria de Cantor. Esta relao de equivalncia, aplicada a subconjuntos, define uma relao de ordem que se chamou "ordem de dominncia", e classe desta equivalncia a que pertence um dado conjunto chamou-se "cardinalidade" do conjunto. Assim, se denotarmos por |A| a cardinalidade do conjunto A, e por  <  a relao " dominado por", teremos

A B |A|<|B|.

 Para conjuntos finitos, a cardinalidade corresponde ao nmero de distintos elementos que lhes pertencem, e s operaes de unio disjunta, produto cartesiano e construo de funes sobre conjuntos correspondem, respectivamente, as operaes aritmticas de soma, produto e exponenciao de seus cardinais, conforme podemos verificar:

Unio disjunta: |AB| = 0 |AB|  = |A|+|B|
Produto cartesiano:           |AB|  = |A|.|B|
Funes:             |{f | f:BA}|  = |A|^|B|

 Cantor usa esta correspondncia para definir operaes "aritmticas" sobre cardinais (finitos ou no). Aos cardinais com tais operaes e ordem de dominncia, chamou de aritmtica "transfinita", onde podemos, por exemplo, representar o conjunto P(A) das partes de A atravs das funes caractersticas*15 dos subconjuntos de A para obter

| P(A) |  = |{ f | f:A{0,1} } | = 2^|A|.

 Sua primeira descoberta importante da aritmtica transfinita, e para a poca – ainda hoje para alguns – tambm surpreendente, foi a de que existem distintos cardinais infinitos, os quais eventualmente iriam acusar a ingenuidade da definio primeira de sua teoria.

 Ao dar nome 0 a seu cardinal e descrever o conjunto atual N dos nmeros naturais por meio de chaves e reticncias*16, que sugerem a descrio de uma lista infinita de elementos numa notao que lhe convinha, onde valor semntico de carter ontolgico atribudo a reticncias, e de carter terminal no processo descritor da unidade de tal lista atribudo chave que a encerra, Cantor abre, sem perceber, a caixa de Pandora aonde havia aprisionado a tese aristotlica do infinito em potncia, que dali salta para dentro da sua aritmtica transfinita, lugar de onde poder melhor desafiar-nos!

Os gregos conheciam muito bem o problema do infinito e seus significados para a matemtica e a filosofia, e a profundidade filosfica com que o trataram pode ser percebida na discusso que lhe dedica Aristteles em "Fsica", um tratado clssico de valor perene nesta questo. Talvez Aristteles tenha sido privilegiado por ter podido refletir mais vivamente sobre o primeiro impacto sofrido pelo intelecto humano frente aos desafios que tal questo encerra, atravs do legado pitagrico. Mas nem os gregos, nem os pensadores modernos, recuaram diante das vrias faces com que a questo se nos apresentou. Desde os pitagricos at os contemporneos e sucedneos de Cantor na investigao dos fundamentos da matemtica, tentou-se decifr-las; os gregos desenvolveram a teoria das propores e o mtodo axiomtico, e o esforo intelectual de grandes pensadores do sculo XX nos oferece um arsenal de impressionante complexidade na lgica matemtica, na teoria axiomtica dos conjuntos, na teoria das categorias, na teoria da prova, na teoria da computao, como tambm na filosofia da linguagem. Antes de esboarmos alguns traos histricos sobre a origem destas teorias, cumpre dizer algo sobre a nova silhueta com que se apresentou a Cantor o problema do infinito.
   Cantor usou as reticncias de sua notao de conjuntos para inventar o "mtodo da diagonalizao", onde dispe uma lista infinita (vertical) de listas infinitas (horizontais) em forma de matriz infinita, limitada por duas bordas adjacentes e aberta nas outras bordas
 _______________________________________________ ...
| a[1,1]=0 a[1,2]=1 a[1,3]=3    ..      ..      ..
| a[2,1]=2 a[2,2]=4 a[2,3]=7    ..      ..      ..
| a[3,1]=5 a[3,2]=8 a[3,3]=12   ..      ..      ..
..        ..        ..     a[4,4]     ..      ..
..        ..        ..       ..    a[5,5]    ..
..        ..        ..       ..      ..   a[6,6]
 :
 :

Neste seu mtodo, tais matrizes infinitas tem dois usos possveis. O primeiro uso, que podemos chamar de diagonalizao finita, para auxiliar na descrio de determinada bijeo entre N e algum conjunto de mesma potncia representado por NN. Tais bijees so obtidas pela enumerao dos sucessivos elementos ocorrentes em cada diagonal finita, pela ordem crescente de tamanho dessas diagonais*17 (por exemplo, (a[2,1], a[1,2]). O propsito da diagonalizao finita mostrar que diversos conjuntos construdos por produto direto tem cardinalidade 0 ou, em ltima instncia, determinar o seguinte resultado sobre a operao produto transfinito:

0.0  = 0

Conjuntos de cardinalidade 0 so chamados enumerveis, e uma bijeo entre N e um conjunto de cardinalidade 0 chamado de enumerao. Cantor mostrou a enumerabilidade de vrios conjuntos, tais como o conjunto dos nmeros racionais, o conjunto dos nmeros algbricos*18, o conjunto de subconjuntos finitos destes, e calculou vrias outras operaes da aritmtica transfinita usando a diagonalizao finita. Se denotarmos cardinais finitos por n, teremos por exemplo

0+0  = 0   n+0 = 0  n.0 = 0  (0)^n  = 0

O outro possvel uso da matriz infinita, que podemos chamar de diagonalizao infinita, levou Cantor sua grande descoberta. usada quando se deseja verificar a impossibilidade da existncia de qualquer bijeo entre N e algum conjunto que "no caiba na matriz infinita", isto , de maior potncia que N, para mostrar desigualdades entre cardinais. Tais verificaes so obtidas supondo-se a matriz preenchida, enumerando-se sucessivos elementos de uma "lista excluda", de forma que esta no possa ocorrer em nenhuma das linhas ou colunas da matriz infinita: percorre-se uma diagonal infinita e inclui-se em tal lista, a cada passo, algum elemento distinto daquele sendo visitado na diagonal infinita. Uma tal lista x pode ser assim descrita:

x = {a’1,a’2,a’3,...} &"nN [a’n a[n,n] ]

 Em 1874 Cantor mostrou que o conjunto P(N) formado pelos subconjuntos dos nmeros naturais, no pode ser completamente enumerado (1: pp 7): dada qualquer lista {Si|iN}de subconjuntos de N, representados por funes caractersticas fi onde cada fi ocupa uma linha da matriz, esta lista permitir descrever um subconjunto S fora da lista

lista: fi:N{0,1} & [fi(n)=1 nSi N]; i = 0,1,2,...

subconjunto S ausente da lista: fS = {f1(1)’,f2(2)’,f3(3)’,...}

concluindo assim, por modus tolens, que 0 < |P(N)| = 2^0. Cantor mostrou que o conjunto dos nmeros reais e o conjunto dos nmeros transcendentais tm mesma cardinalidade que o conjunto das partes de N, e posteriormente generalizou esta descoberta para uma descrio de um subconjunto ausente de qualquer bijeo dada entre um conjunto de cardinalidade qualquer e o conjunto de suas partes, obtendo assim o primeiro teorema importante da aritmtica cardinal:

Teorema de Cantor:   |A| < |P(A)|  (ou < 2^ )

 A definio primeira de Cantor para conjuntos abstratos permite a formao de conjuntos contendo  "elementos bem definidos de nosso pensamento" (7: pp 481), o que nos autoriza a definir, por exemplo, o "conjunto universo" U, contendo como elemento qualquer possvel conjunto. Cada subconjunto de U tambm um conjunto, e portanto devemos ter
P(U) U, o que nos leva, pela aritmtica transfinita, diretamente antinomia conhecida como "paradoxo de Cantor", por ele descoberta em 1899 (1: pp 32)

Relao de dominncia:   P(U) U |P(U)| < |U|

Aplicao do Teorema de Cantor:     |P(U)| > |U|

 A um platnico que examine esta antinomia, ocorrer-lhe- provavelmente que o acesso ao mundo das idias e formas perfeitas no se dar impunemente atravs de linguagem to livre e descuidada, como aquela na definio primeira da teoria de Cantor, j que, afinal, ao pensamento tambm podem ocorrer falcias. A um aristotlico convicto, poder ocorrer a tentao de acusar o emprego da lei modus tolens na demonstrao do teorema de Cantor, em flagrante violao da tese do infinito em potncia, como simples dialtica, no sentido sofista. Para o esprito crtico que procurar manter-se neutro em relao a estas principais doutrinas do pensamento matemtico, h leituras possveis da antinomia que aprofundam e iluminam ambas as crticas.

 Se suspendermos temporariamente nosso julgamento sobre a validade do mtodo empregado para obt-lo, o teorema de Cantor ter algo a nos dizer. Se a teoria permite conjuntos infinitos atuais, no poder permitir o conjunto atual de todos os conjuntos, caso tambm permita referncias ao conjunto das partes de um dado conjunto, algo praticamente inevitvel a partir de seu predicado atmico "" (pois a parte lgica da teoria seria para isso descaracterizada e sacrificada). O "conjunto universo" ali no faz mesmo sentido, pois mesmo supondo serem todos seus elementos, como pede a definio primeira de Cantor, "objetos bem distinguidos do pensamento" (a teoria seria correta no sentido de "sound"), a coleo dos mesmos, como conjunto, no o ser (a teoria no seria mais correta). Sua primeira mensagem diz ento que nem toda coleo cujos elementos ocorrem inofensivamente ao pensamento podero ser admitidas como conjunto na teoria.

 Podemos aqui observar que a definio primeira de Cantor impe condies*19 sobre elementos, mas nenhuma sobre o atmico e indefinido conceito de "coleo". Se examinarmos tambm outros paradoxos que surgem na teoria, como o paradoxo de Russell*20, ficar claro que a teoria deve impor condies tambm para que uma coleo seja um conjunto. Mas que tipo de condies? Se, por exemplo, banirmos como exceo os conjuntos j conhecidos como paradoxais, j que estes no tm importncia prtica alguma para o resto da matemtica, continuaremos sem nenhuma pista sobre a existncia ou no de outras possveis inconsistncias na teoria, exceto pelo desconfortvel alerta de que inconsistncias de fato nela ocorreram antes das excees. Por outro lado, o teorema de Cantor implica a existncia de cadeias crescentes ilimitadas de cardinais infinitos, decorrentes de sucessivas operaes de formao do conjunto das partes do conjunto anterior, iniciadas com um conjunto infinito, como por exemplo o dos nmeros naturais:

0  <  2^0  <  2^2^0  <  2^2^2^0 ...

Tendo cercado entre chaves as reticncias para tornar atual o conjunto dos nmeros naturais, Cantor se depara novamente com o ilimitado na forma de ente em potncia, pois aqui, o ato simblico de continuar encerrando reticncias entre chaves punido com a destruio imediata da possvel consistncia da sua teoria, atravs do paradoxo de Burali-Forti*21, que vai inquirir sobre a cardinalidade do conjunto dos cardinais. A segunda mensagem , portanto, sobre o ressurgimento da tese aristotlica do infinito*22, desta vez com fora aparentemente incontestvel, na aritmtica transfinita.

A seqncia cardinal do exemplo acima conceitualmente muito semelhante seqncia dos nmeros naturais, e portanto a prxima mensagem encerra uma sugesto de estratgia para reviso da teoria proposta por Cantor, com respeito admissibilidade de colees como conjuntos; devemos ter cuidado em no permitir conjuntos muito "grandes" que possam ofender a persistente tese aristotlica, o que pode ser alcanado se nela s permitirmos conjuntos construdos ou especificamente introduzidos por operaes e leis sensatas da teoria. A terceira mensagem sugere, portanto, uma reviso axiomtica construtivista para a teoria dos conjuntos de Cantor, a exemplo da geometria de Euclides.

A partir deste ponto, as questes relacionadas reviso dos fundamentos da matemtica comeam a crescer em sutileza e profundidade. A abordagem axiomtica construtiva para uma teoria no ir, por si s, garantir que novos paradoxos ainda desconhecidos, no possam dela emergir. Por outro lado, se escolhermos axiomas e operaes da teoria excessivamente restritivos, motivados pelo desejo de nela encontrar garantias de consistncia, poderamos estar traando limites artificiais para o pensamento matemtico, j que a teoria dos conjuntos alicerce para a construo de todas as teorias matemticas de importncia para a cincia contempornea.

O que fazer? Os pressupostos metafsicos implicados nas possveis direes a serem seguidas na busca de respostas a tal pergunta, serviu aos historiadores da cincia para classificar, em trs escolas, a posio tomada pelos diversos pensadores que decidiram contribuir na sua abordagem.
 

Logicismo, Intuicionismo e Formalismo

 Em referencia ao projeto de uma reviso dos fundamentos da matemtica para oferecer-lhe solidez frente ao crescimento vertiginoso que experimentava, e ao se dar conta de sua envergadura e da natureza dos desafios nele envolvidos, Bertrand Russell comentou, com certa ironia, que "a matemtica trata de coisas que no sabe o que so, por meio de princpios que no sabe se so verdadeiros ou no". provvel que Russell estivesse externando desta forma tambm sua perplexidade diante dos nveis crescentes de abstrao por ele demandados, frente situao dos fundamentos, exposta por Cantor.

 As fronteiras do pensamento matemtico podem ser desenhadas em duas frentes, partindo-se dos campos que dividem, sendo uma delas aquela dos contornos imanentes ao prprio pensamento matemtico, revelando por si seus prprios limites, e a outra aquela exposta pelo mtodo filosfico, que investiga os limites do pensar matemtico como uma atividade do pensar em geral. Ao abordarmos em seguida as trs escolas do pensamento matemtico contemporneo, estaremos  percorrendo a frente de onde podem surgir, tanto as marcas de limites auto-revelados, como as conseqncias de limites auto-impostos, e onde o preo para atingi-los e distingui-los est numa crescente abstrao de seu formalismo, preo este que, como veremos, nem s a Russell causa perplexidade.

 Afinal, qual a natureza da verdade matemtica? Qual o significado de uma proposio matemtica, e em que evidncias se apoia? Historicamente estas perguntas ocorrem no campo filosfico, mas a crise dos fundamentos atraiu-lhes interesse tambm de matemticos preocupados com o cenrio ps-Cantor. At o surgimento da cincia moderna, a distino entre os dois campos no era muito ntida, sendo a matemtica entre os gregos considerada "cincia livre" (paideia), e nos primrdios da cincia moderna geralmente considerada parte da "filosofia natural". O interesse dos matemticos por tais questes, e a especializao crescente de seu trabalho, tem contribudo para a distino que atualmente experimentam.

 Cada um dos paradoxos anteriormente mencionados, e todos ento conhecidos na teoria dos conjuntos, envolvem, de alguma forma, definies com uma caracterstica peculiar: o que est sendo definido participa da sua prpria definio . Este tipo de definio foi denominada pelos lgicos de "impredicativa"*23, e Poincar denunciou-as em 1905 como a causa dos paradoxos, crena que Russell aderiu em 1910 ao anunciar seu "princpio do crculo vicioso" e que implicava, como conseqncia para o projeto dos fundamentos, na eliminao de toda e qualquer definio impredicativa do corpo da matemtica.

 O Logicismo defende a tese de que a matemtica um ramo da lgica, cabendo-lhe assim buscar meios de garantir que as proposies desta estejam livres de definies envolvendo circularidades. A linhagem logicista tem sua origem na mathesis universalis de Leibniz, sendo portanto to antiga quanto a cincia moderna. Quando os paradoxos foram descobertos na teoria dos conjuntos, Dedekind e Frege j estavam envolvidos no esforo de reformulao de conceitos matemticos em termos de noes lgicas e Peano j havia proposto a representao de teoremas da aritmtica em simbolismo lgico, sendo o trabalho de Frege o que maior impacto sofreu em relao reviso que a descoberta dos paradoxos implicava (1: pp.43).

 O obstculo mais srio ao projeto logicista entretanto, havia sido levantado pelo prprio Dedekind na sua proposta de aritmetizao da anlise. A definio de supremo e nfimo em sua construo do conjunto dos nmeros reais, conceitos centrais nos teoremas sobre convergncia da anlise com os quais esto fundamentadas a teoria das equaes diferenciais e as sries de Fourier, e consequentemente boa parte do ferramental da fsica clssica, refere-se circularmente ao conjunto dos nmeros reais. Weil empenhou-se em livrar, at onde pudesse, a anlise real das definies impredicativas, mas o importante teorema sobre a existncia de supremo e nfimo em conjuntos limitados no pde ser salvo da mcula impredicativa.

 Na deduo da matemtica a partir da lgica, desenvolvida entre 1910 e 1913 na monumental obra de Russell e Whitehead, "Principia Mathematica", uma teoria dos tipos, posteriormente simplificada por Ramsey em 1926, empregada para barrar a ocorrncia de certas definies impredicativas em teorias matemticas. Aos objetos primordiais referidos por sentenas da lgica atribudo tipo 0, s sentenas predicativas que se referem apenas a objetos de tipo 0 atribudo tipo 1,  e assim por diante, sendo que as sentenas predicativas admitidas s podem descrever propriedades de objetos de tipo menor que o seu. Assim, a propriedade de uma sentena conter definio impredicativa se refere a propriedades de sentenas, e portanto, estaria fora do escopo da lgica.

A simplificao da teoria dos tipos ramificados dos Principia foi motivada pelo fato de que sua admissibilidade de predicados incluir subtipos, referentes hierarquia de quantificaes universais (construes de totalidades), que impediam a representao completa da anlise real. Ramsey eliminou os subtipos atravs de um artifcio, e classificou as antinomias em sintticas*24 (ou logicas) e semnticas*25 (ou epistemologicas) de forma que, segundo a tese logicista, antinomias sintticas seriam evitadas pela hierarquia simplificada de tipos dos predicados admissveis (que podiam admitir os conceitos da anlise real), e antinomias semnticas poderiam ser evitadas impedindo-se que o significado de uma sentena da lgica fizesse referncia a si prpria.

 Entretanto, o projeto logicista no desfrutou de aprovao geral com respeito ao alcance de seus objetivos, mesmo dentre os logicistas. Russell havia introduzido de forma ad-hoc nos Principia do axioma da redutibilidade*26 sem nenhum apelo lgico ou intuitivo, cujo nico objetivo era assegurar, de forma no construtiva, a existncia de sentenas admissveis que pudessem expressar conceitos como os da anlise real*27 . Para evitar este artifcio, Ramsey usou outro, onde, para justificar a admissibilidade de sentenas impredicativas dentro de um dado tipo da hierarquia, pressupe a existncia do conjunto de todos os predicados daquele tipo, independente de sua construtibilidade, definibilidade ou tipo.

A crtica expressa por Weil ao projeto dos Principia em relao a suas metas (9: pp.2-13), bem reflete o consenso que eventualmente se formou entre os matemticos sobre o tema. Weil afirmou que "A matemtica no mais est fundada na lgica, mas numa espcie de paraso dos lgicos", e que caso o caminho para a reviso dos fundamentos exija a crena na existncia de algum "mundo transcendental" emanado de axiomas no intuitivos, melhor seria ento aceitarmos algum sistema menos pretensioso e mais simples, como a teoria axiomtica dos conjuntos de Zermelo & Fraenkel por exemplo, que tenta evitar antinomias introduzindo conjuntos atuais infinitos, como o dos nmeros naturais, atravs de "axiomas existenciais de infinitude", junto com outros axiomas construtivos.

Outra crtica comum ao logicismo questiona a primordialidade da lgica nos fundamentos da matemtica, j que algumas idias aritmticas aparecem embutidas no formalismo lgico*28, tais como a seqncia ordenada dos nmeros naturais (nos tipos lgicos) e o princpio da induo (nas regras de deduo).  A postura crtica mais radical ao logicismo questiona tambm, e principalmente, as possveis conseqncias do trajeto percorrido pela lgica desde o contexto em que foi descrita por Aristteles, at o uso que dela fazem os logicistas. Esta postura crtica ganhou, talvez pela importncia de Poincar, o nome de Intuicionismo (ou neo-intuicionismo), havendo seu perodo de maior influncia na reviso dos fundamentos sido exercido entre 1900 e 1931.

O logicismo buscava uma critica positiva da "nova matemtica", no sentido de adequ-la aos critrios que julgava suficientes para livr-la de inconsistncias, mas a crtica negativa surgira antes mesmo dos paradoxos, com Gauss*29. Tambm Kroneker, outro precursor do intuicionismo e um dos mais combativos e contundentes crticos da teoria de Cantor e da aritmetizao da anlise, sustentou durante toda a dcada posterior a sua divulgao (1880s), que tudo aquilo no passava de "literatura" e nada tinha a ver com matemtica, devido ao carter no construtivo das teorias. Ignorou assim qualquer possvel "crise" nos fundamentos da matemtica, postura que procurou difundir com o respaldo de seu prestgio*30. Esta postura ir voltar curiosidade da apreciao filosfica com os resultados posteriores de Gentzen e Lwenheim-Skolem, como veremos adiante.

O intuicionismo teve talvez seu defensor mais importante em Brower, que em 1908 publicou seu desafio crena na validade geral da lgica clssica aristotlica (10). Brower argumenta ser decorrncia de uma leitura cuidadosa da histria, que a lgica hoje denominada "clssica" e tida como originada em Aristteles, foi na verdade abstrada da matemtica dos conjuntos finitos, que anterior a Aristteles. Tendo se esquecido da sua verdadeira origem, os matemticos a estariam hoje aplicando, sem justificativa, matemtica dos conjuntos infinitos (1: pp.46).

Brower cita dois exemplos acerca do raciocnio sobre conjuntos finitos que se tornam invlidos quando estendidos para conjuntos infinitos, a saber, o axioma das partes de Eudoxo (usado por Dedekind justamente para definir predicativamente o conceito de infinitude para conjuntos) e a existncia de elemento mximo em qualquer conjunto de nmeros naturais, como justificativa para apresentar o que considera ser o ponto central da crtica intuicionista matemtica ento praticada, inclusive no logicismo: a validade, em domnios infinitos, do axioma lgico conhecido como lei do terceiro excludo [A A], e por conseguinte tambm da lei modus tolens.

A afirmao de que "a conjectura de Goldbach*31 verdadeira ou falsa", por exemplo,  no verdadeira e muito menos tautolgica para o intuicionista, pois ningum at hoje obteve evidncia ou prova suficiente para decidir nem que a conjectura verdadeira, nem que falsa. O pressuposto metafsico bsico da tese intuicionista est em ser a matemtica entendida como algo que corresponde parte exata da capacidade humana de pensar (1: pp.51). Neste sentido, o passo de se tomar a lei do terceiro excludo como universalmente vlida, independente de consideraes de finitude no domnio onde se aplica, totalmente injustificado. Tal passo torna-se assim o principal suspeito pelos paradoxos que emergiram, e os que podero emergir, em teorias matemticas.

 O desafio intuicionista ao projeto de reviso dos fundamentos era portanto de carter muito mais profundo que a proposta logicista; exigia tambm a reviso dos axiomas e regras lgicas admissveis, luz dos efeitos nefastos que se manifestaram com a negao da tese aristotlica do infinito. Este desafio parece ter propores bem maiores do que o impasse em que chegou o logicismo – imerso na investigao de condies especiais para admissibilidade restrita de proposies impredicativas que pudessem acomodar completamente a anlise real – visto que, de todo o corpo de teorias hoje considerado como matemtica, s a teoria elementar dos nmeros se enquadraria em suas restries.

 Neste cenrio deveras delicado, surge ento uma proposta de cunho conciliatrio entre a crtica intuicionista e o projeto logicista, inspirada no pressuposto de ser a prpria viso platnica necessria para solucionar o impasse a que chegaram os fundamentos,  precisamente devido natureza platonizante da aventura intelectual dos pensadores que a os conduziram ao contestar ousadamente a viso aristotlica da matemtica. Um dos mais brilhantes intelectos do nosso sculo, David Hilbert resolveu dar mais um passo na direo da "renncia essncia" mencionada por Bacon, propondo uma nova abordagem ao projeto de reviso dos fundamentos da matemtica, atravs da abstrao do mtodo axiomtico nela empregado. Seu projeto, que trata axiomatizaes de teorias como ohjetos matemticos, ficou conhecido como o Formalismo, de onde eventualmente surge a teoria da computao.

Para melhor entendermos a essncia e escopo da proposta formalista, voltaremos por um momento origem da crtica moderna aos fundamentos da matemtica, que antecedeu em mais de um sculo o surgimento dos paradoxos na teoria dos conjuntos cuja motivao pode ser traada discusso entre Newton e Leibniz sobre a natureza e a realidade do espao. A tradio grega antiga atribui o desenvolvimento do mtodo axiomtico a Pitgoras, trazido a ns por Euclides, para quem os axiomas e postulados eram princpios universais claros que podiam ser aceitos por todos como verdadeiros, usados na base de processos dedutivos que constituem tal mtodo. Na crtica moderna iniciada por Saccheri e Lambert, axiomas so transformados em hipteses, opinies livres cuja admissibilidade em princpio est sujeita a crticas.

O quinto postulado da geometria de Euclides, que afirma serem duas retas no paralelas no plano convergentes em um ponto, j na antiguidade era considerado menos evidente que os outros, razo pela qual foi buscada pelos gregos, pelos rabes e posteriormente pelos europeus, sua deduo a partir dos outros axiomas da geometria. Esta busca havia sempre falhado, o que motivou aqueles crticos a tentarem mostrar seu carter elementar, que justificasse seu uso como axioma. Usaram a estratgia de introduzir em seu lugar, como hiptese, axiomas que generalizam ou aparentemente conflitam com o axioma das paralelas*32, obtendo axiomatizaes de geometrias "no-euclideanas" que esperavam reduzir ad absurdum, tambm sem sucesso, geometria euclideana.

Durante sua tentativa, Lambert percebeu que deveria existir, associada a tais geometrias no euclideanas, uma medida absoluta de comprimento, o que parecia paradoxal mas no era contraditrio, j que na geometria euclideana existe uma medida absoluta angular associada ao axioma das paralelas: o ngulo reto. A descoberta de Lambert permitiu o desenvolvimento no sculo seguinte da geometria hiperblica por Gauss, Bolyai e Lobatchevski, e da geometria elptica por Riemann, alm de outras ainda mais gerais. Tais geometrias no so menos consistentes do que a geometria euclideana clssica, pois o mtodo axiomtico, que em princpio permite a demonstrao da consistncia relativa entre duas teorias atravs da interpretao de um modelo de uma em um modelo de outra, neste caso os permitiu*33.

Entretanto, no caso da teoria dos conjuntos e da polmica sobre o projeto logicista para a reviso dos fundamentos da matemtica, no h teoria axiomtica alguma que goze de suficiente confiana entre filsofos e matemticos para servir de referncia com respeito a consistncia, estando a ausncia de tal referncia justamente no centro do impasse, o que para alguns justificativa suficiente para cham-lo de crise.

Havendo ou no tais referenciais, haver sempre algum impacto filosfico a ser absorvido da investigao sobre a consistncia dessas teorias. Na crtica geometria, por exemplo, pela renncia essncia do que seja a realidade do espao, o espao que est nas bases da fsica e da astronomia, alcanou-se um dos limites imanentes ao pensamento matemtico, na compreenso de que a matemtica, por si s, no capaz de decidir sobre a natureza deste espao, compreenso que permitiu a Einstein apresentar-nos, em 1915, a teoria da relatividade geral, num rompimento bem sucedido com a tradio dogmtica euclideana do passado, que no distinguira os conceitos de mtrica e de espao.

Se, como sugeriu Plato, os objetos matemticos possuem existncia real, intermediria entre idias e coisas sensveis, e estes objetos nos permitem algum tipo de acesso quelas a partir destas, ento o rigor exigido de nosso raciocnio para este acesso no se impe necessariamente aos objetos que intermediam tal acesso, sendo portanto plausvel que o rompimento de Cantor com a tese aristotlica do infinito tenha tambm alguma nova compreenso a nos mostrar, se soubermos contemplar corretamente os objetos revelados em conseqncia deste ato (denominados "elementos ideais" por Hilbert). Como parece no haver referencial de consistncia vivel para objetos ideais que a teoria de Cantor ou Dedekind apontam, resta-nos a estratgia de renunciar essncia da realidade do que se pretende estarem descrevendo, para buscar esta compreenso possvel, comeando pelas condies imanentes de consistncia das teorias onde surgem.

Hilbert apresentou como evidncia do bom senso de sua proposta, a aceitao gradual de elementos ideais em vrias teorias matemticas, devido aparente consistncia com que nelas se integram aos "elementos reais", tal como os nmeros imaginrios, por exemplo. Nos debates que se seguiram proposta formalista, diante da recusa de Brower em aceitar plenamente seus argumentos (1: pp.57), Hilbert certa vez comentou, referindo-se s mencionadas crticas de Russell e Weil acerca dos rumos tomados pela reviso dos fundamentos: "ningum ir nos expulsar do paraso que Cantor nos legou". Com essa postura firme, aliada a seu prestgio de grande matemtico, as expectativas de soluo do impasse nos fundamentos se deslocaram gradualmente em direo ao seu projeto, que consistia em se provar a consistncia interna das teorias matemticas importantes usando tcnicas para isso desenvolvidas, onde as objees de Kroneker nada significam.

Na proposta formalista, abandona-se qualquer significado atribuvel aos objetos de uma dada teoria axiomatizada (ignoram-se seus possveis modelos e as queixas de Kroneker), para que esta seja investigada como simples objeto dotado de estrutura sinttica, como "teoria-objeto", para elucidar questes tais como sua possvel capacidade de derivar inconsistncias. Tal investigao deve ser conduzida dentro de uma teoria lgica – esta sim, sujeita s restries de natureza metafsica levantadas pelos intuicionistas – empregada como "metateoria", onde seria em princpio possvel determinar condies internas de consistncia da teoria-objeto, isto , a possibilidade de nela se derivar sentenas com estrutura sinttica da forma

[A A] .

A proposta formalista foi apresentada por Hilbert em 1904, e ganhou mpeto a partir de 1920 com a contribuio de Bernays, Ackermann, von Neumann e outros. Em 1900 Hilbert havia provado a consistncia interna da geometria elementar, e em 1925 Ackermann mostrou a consistncia interna da aritmtica elementar*34, usando na metateoria apenas mtodos finitrios*35, chamada de "teoria da prova". Buscava-se ento, pelos mesmos meios, provas de consistncia interna para a teoria elementar dos nmeros*36, para a anlise real, e para a teoria axiomtica dos conjuntos de Zermelo & Fraenkel, quando em 1930 Kurt Gdel promoveu uma guinada radical nos rumos do projeto formalista, ao publicar seus dois famosos teoremas de incompletude, que apontavam novos limites auto-revelados na natureza do pensamento matemtico, relativos ao uso do mtodo axiomtico.

  razovel supor que o purismo platnico de Gdel o inclinara a crer que objetos matemticos, como as teorias axiomticas, no podem sempre descrever completamente as "idias perfeitas" que apontam, o que o leavaria a questionar tambm a possibilidade de sucesso para os planos traados por Hilbert. Achava que teorias axiomticas consistentes e relativamente ricas podem no ser completas, no sentido de no poderem produzir demonstraes de sentenas que sero necessariamente verdadeiras em todos os seus possveis modelos. As dificuldades que os formalistas vinham encontrando em provar a consistncia interna das teorias mais importantes da matemtica corroboravam sua crena.

Dedicou-se assim a buscar uma prova finitria do que acreditava, e a abordagem escolhida foi a de investigar alguma forma em que poderia falhar a proposta de Ramsey para se evitarem antinomias semnticas em uma teoria. Ramsey havia sugerido que para isso as teorias axiomticas deveriam evitar a construo de sentenas auto-referentes. No formalismo, Gdel estava em posio privilegiada para conduzir sua abordagem, pois podia supor que significados de sentenas em uma dada teoria axiomtica esto restritos a priori apenas pela sua sintaxe, e poderia assim nelas procurar uma construo sinttica que produzisse, em interpretaes possveis, um conflito entre sua consistncia e sua demonstrabilidade. Gdel j conhecia fora do formalismo, na linguagem natural, uma antinomia semntica com esta caracterstica, no paradoxo de Richard*37. Sua busca reduzia-se portanto tarefa de encontrar uma teoria axiomtica da matemtica onde coubesse sintaticamente uma descrio do paradoxo de Richard.

 Gdel achou a teoria-objeto que buscava dentre as teorias dos nmeros. Deu-lhe o nome S, e elaborou um esquema para representar cada sentena da metateoria por um objeto elementar de S (como um nmero natural), traduzindo para S a sentena que descreve na metateoria o predicado "A demonstrao de B em S" para construir, inspirado na diagonalizao infinita de Cantor, uma sentena "richardiana" de S, tal que a interpretao de seus elementos na metateoria atribui-lhe o seguinte significado: "No existe sentena em S que seja demonstrao de ‘mim mesma’". Tal construo e interpretao so possveis e corretas por trs razes: A primeira a constatao de que toda a parte lgica de S est "duplicada" na metateoria. A segunda que a estrutura comutativa e distributiva*38 da multiplicao na soma dos nmeros naturais permite representar a metateoria numa teoria-objeto que descreve tal estrutura. A terceira o fato, demonstrado por Gdel, do predicado de S que significa "demonstrabilidade em S" ser verificvel por mtodos estritamente finitistas, e portanto, reinterpretvel na metateoria. O primeiro teorema de incompletude da teoria axiomtica elementar de N diz, pois, que, se S for consistente, nem tal sentena nem sua negao so demonstrveis em S.

 Em seu segundo teorema, Gdel provou que S no pode deduzir sua prpria consistncia, pois uma tal demonstrao poderia ser traduzida, via metateoria, para uma demonstrao em S da sentena richardiana, concluindo portanto que o sistema lgico para a matemtica proposto por Russell e Whitehead incompleto, e que a proposta de Hilbert para se resolver o impasse nos fundamentos da matemtica inalcanvel. Que tipo de compreenso pode-se ento extrair do legado de Gdel? Uma questo tcnica, que logo atraiu os pensadores envolvidos, diz respeito aos efeitos da escolha dos mtodos dedutivos admissveis para uma teoria no seu poder de alcance, quer como teoria da prova, quer como teoria-objeto, ou na relao de uma com outra. Uma questo metafsica, que chama a ateno por si mesma, diz respeito natureza da verdade matemtica.
 

Teoria da Computao e Filosofia

No sentido estrito da verificao de predicados e do clculo simblico de funes, a questo sobre a escolha de mtodos dedutivos que sejam admissveis para automatizao finitria e realizao fsica (isto , que sejam "computveis"), destacou-se da investigao dos fundamentos da matemtica para constituir o corpo de conhecimentos hoje denominado teoria da Computao. Esta, por sua vez, ramificou-se em vrias reas, determinadas pelos diferentes enfoques necessrios evoluo da tecnologia dela decorrente, tais como a teoria da complexidade, a teoria dos circuitos, a anlise de algoritmos, dentre outras. Curiosamente, o ramo mais terico desta cincia evoluiu para um cenrio que invoca e conecta questes metafsicas desveladas na sua origem, como indica a tese de Church.

Church percebeu serem equivalentes todas as propostas para definir o conceito de calculabilidade ou computabilidade, que da emergiram por abordagens operacionais, lgicas ou lingusticas*39,  no sentido de que descrevem exatamente os mesmos predicados e funes. Decidiu ento em 1936 extrair desta observao uma hiptese de natureza metafsica sobre a universalidade daquele conceito, que ficou conhecida como a "tese de Church", e que afirma serem equivalentes definio lgica de recursividade quaisquer possveis definies finitrias de calculabilidade, computabilidade ou enumeralabilidade.

Embora equivalentes, cada tipo de abordagem a tal conceito tem sua utilidade prtica na cincia da computao. A abordagem operacional de Turing, por exemplo, permitiu a von Neumann elaborar um modelo para construo de mquinas digitais, usado at hoje como padro para projetos de computadores eletrnicos. A abordagem lingustica de Chomski permitiu o desenvolvimento de teorias para concepo de linguagens de programao que se aproximam da linguagem natural, buscando imitar da melhor forma possvel os modelos mentais dos programadores, alm de tcnicas para traduo automtica de suas construes para linguagens de mquina. A abordagem lgica permitiu-nos conhecer a indecidibilidade*40 de certos predicados , que estaro sempre fora do completo alcance da computao, e tambm da natureza lgica dos mais difceis problemas da teoria, como por exemplo, a relao entre complexidade e paralelismo computacional em algoritmos*41.

Em suas vrias interfaces com outras cincias, a Computao tem aberto passagem, principalmente atravs da lgica matemtica, para que certas questes filosficas perenes ressurjam em novas formas e possam ser abordadas por novos ngulos, como por exemplo, a relao emprica entre o problema da representao do mundo levantado por Kant e o conceito de inteligncia. Numa digresso sobre o possvel conceito finitrio de "inteligncia", Turing nos convida, j em 1936, reflexo sobre esta relao.  O problema filosfico mais dramaticamente ligado teoria da Computao talvez seja ainda aquele em sua gnesis, pois a abordagem questo do infinito oculta ou revela detalhes de outros problemas que em torno dela gravitam, como pode ilustrar a leitura atenta dos textos contemporneos do formalismo (1) ou da filosofia da linguagem (5).

Gdel mostrou que tambm a teoria dos conjuntos de Zermelo & Fraenkel no pode provar sua prpria consistncia. Seus resultados probem uma conciliao simplista entre as vises de Plato e Aristteles sobre a natureza da matemtica, ao mostrarem que esta no deve ser apenas sintaxe. A abordagem finitria do conceito de verdade, inaugurada por Tarski, foi til lgica matemtica para explorar as conseqncias da guinada sofrida pelo formalismo, mas no o ser Lingistica, pois contorna toscamente a questo do infinito na sua compreenso de mundo pela imerso do conceito de verdade na sintaxe, justificada por suas possibilidades de representao da metalinguagem. Este ato dissolve limitaes de significao em uma hierarquia de metalinguagens na matemtica, onde a semntica poderia em princpio ser construda sobre o conceito de "verdade", como sugeriu Frege, mas empobreceria necessariamente a semntica imprecisa das linguagens naturais, com seus significados paralelos e intercomunicantes (11: pp:).

Finalmente, trs resultados do formalismo dentre os mais recentes compem nuanas do quadro sobre os fundamentos que corroboram a opinio de que a razo humana mal equipada para, por si s, delinear a natureza do pensamento matemtico:
 


 Parece que a razo no pode ultrapassar o enumervel, mas que a crena na existncia do no enumervel um ato de f compatvel com os limites da razo, que nos leva a apreender o significado de todo o edifcio do conhecimento matemtico em cores e formas distintas do que se nos apresenta caso recusemos este ato. Como Aristteles, de quem herdamos este edifcio, no elaborou uma teoria do significado (h controvrsias sobre a deducao de Categorias em Aristteles) (11: pp.17-24), pois buscava encontrar na metafsica os elementos de uma teoria do objeto (conforme se queixa Tugendhat) (11: p.53), pouco podemos buscar do legado da filosofia clssica para iluminar esta nova questo.
 


 Bibliografia


1- Kleene, Stephen C.: "Introduction to Metamathematics".
Ed. North Holland, 1952.

2-  Beker, Oskar: "O Pensamento Matemtico" (trad. H. Simon).
Ed. Herder, S Paulo, 1965.

3-  Zeno de Elia: Fragm. B1, A25-26 (Diels).
Relatos sobre os argumentos "Dicotomia" e "Aquiles". Apud Beker (2)

4-  Kant, Immanuel.: "Kritik der reinen Vernunft", 2 ed.
Apud Beker (2)

5-  Habermas, Jurgen.: "Pensamento Ps-metafsico. Estudos Filosficos"
(trad. F. Seibeneichler) Ed. Tempo Brasileiro, 1990.

6-  Halmos, Paul. "Naive Set Theory".
Springer-Verlag, 1974.

7-  Cantor, Georg: "Beitrague zur Begundrung der transfiniten Mengenlehre",
em "Matematische Annalen" vol 45, 1895. Apud Kleene (1)

8-  Poincar, Henri: "The foundations of Science"
(trad. B. Halstead) Ed. The Science Press, NY, 1913.

9-  Weyl, Hermann: "Mathematics and Logic. A survey for a preface to a reveiw of ‘The Philosophy of Bertrand Russell’". American math. monthly, v 53, 1946. Apud Kleene(1)

10-  Brower, L.: "De onbetrouwbaarheid der logishe principes" (The untrustworthyness of classical logic) Tijdschrift voor wijsbegeerte, vol 2, 1908.  Apud Kleene (1)

11-  da Mata, J. V. T..: "Categorias"
Ed. Univ. Federal de Gois, 2005

12-  Brito, A. & Vale, O.: (org.) "Filosofia, Linguistica e Informtica"
Ed. Univ. Federal de Gois, 1998


Notas de fim de pgina


1- Palestra apresentada no seminrio de filosofia do Departamento de Filosofia da Universidade de Braslia em 8/02/1999

2-  Dicotomia de Zeno: 1 + 1/2 + 1/4 + 1/8 + ... + 1/2^n + ...
[termo dicotmico a metade do anterior; soma dos n primeiros termos  = (2^n-1)/2^n < 1 ]

3- Srie harmnica: 1 + 1/2 + (1/3 + 1/4) + (1/5 + 1/6 + 1/7 + 1/8)+ ... + 1/n + ...
 [a soma parcial entre termos dicotmicos > 1/2; soma dos n primeiros termos  > loge(n) ]

4- Parmnides: "Aquilo a que se pode aplicar medidas maiores e menores, tem uma medida exata, que est entre ambas"

5- Galileu Galilei em "Il Sagiattore": "O livro do universo est escrito em linguagem matemtica."

6- H. Poincar demonstrou, em 1900, a impossibilidade de se resolver, de forma exata, o sistema de equaes gravitacionais para trs corpos (o problema dos trs corpos)

7-Limite xa f(x) = c   def."e>0 $d  "x  [  |x-a|<d |f(x)-c|<e  ]

8- Fraes entre dois nmeros inteiros, relacionadas a antanairesis finitas.

9-Supremo o menor dentre os limitantes superiores, e nfimo o maior dentre os limitantes inferiores. Um exemplo de corte irracional:  2 = { p/q |  p2 < 2q2 }.

10-  O termo "aritmetizao" se deve clusula predicativa dos cortes ser equivalente a [p.s < p.q].

11-Uma partio s ser corte de Dedekind se estabelecer ou dispuser sobre a pertinncia de todos os racionais.

12- Axioma fundamental de Euclides: "O todo maior que sua parte".

13- Concebido como atual (acabado), o conjunto dos naturais pode ser posto em correspondncia biunvoca com seu subconjunto dos nmeros pares, sendo este, pois, de mesmo "tamanho" que aquele, no mesmo sentido em que a medida inteira (arithmos) enumeradora (ararisko) opera em conjuntos finitos.

14- Cantor: "By a ‘set’ we understand any collection M of definite well-distinguished objects m of our perception or our thougnt (which we call elements of M) into a whole". (2: pp.9)

15-  Funo caracterstica para subconjuntos:  "SA [SfS] onde fS:A{0,1} & [fS(a)=1 aS]

16-   Os nmeros naturais: N = {0,1,2,3,...}

17- Na matriz infinita acima, os valores que aparecem para alguns elementos das listas, correspondem aos primeiros ndices de uma das possveis emumeraes pelo mtodo da diagonalizao finita.

18- Os nmeros algbricos so nmeros reais que so razes de algum polinmio com coeficientes inteiros, e os nmeros transcedentais so os reais que no so razes de nenhum tal polinmio.
2 e 3/5 so nmeros algbricos, pois so raizes de  x^2-2=0  e  5x-3=0  respectivamente;
p = dimetro da circunferncia de raio unitrio, e
e = Limite h0(1+1/h)^h  (a constante neperiana), so nmeros transcendentais

19- Elementos de conjuntos em Cantor devem ser "bem distinguidos da percepo ou do pensamento"

20- Paradoxo de Russell, publicado por Frege em 1902:  dado W = {x | xx} ento W W W W

21- O paradoxo de Burlati-Forti se refere ao conjunto dos ordinais, no qual os cardinais estariam includos.

22- Aristteles sustenta que a essncia do infinito est em um processo que se pode levar adiante sem fim, que tem o seu ser nicamente na forma de possibilidade, secundo potentiam (2: pp.113).

23- Definies impredicativas em paradoxos: No paradoxo de Russell W o conjunto dos conjuntos que no pertencem a si mesmos, e no paradoxo de Cantor, U o conjunto das colees que so conjuntos.

24- Os paradoxos de Cantor, Russell e Burali-Forti so antinomias sintticas.

25-Paradoxo de Epimnides: "Os cretenses s dizem mentiras" antinomia semntica se proferida por um cretense

26- Axioma da Redutibilidade: Para toda propriedade de subtipo > 0 existe propriedade coextensiva de subtipo = 0

27- As formas intuitivas e conhecidas de certas definies da anlise real violam a hierarquia de subtipos dos Principia por conterem referncias circulares a conjuntos que definem.

28- No X Congresso Internacional de Matemtica em Paris, em 1900, Poincar apresenta o trabalho "Du role de l’intuition et de la logique en mathmatiques" onde defende a tese do princpio da induo como ferramenta irredutvel da intuio matemtica, e crticas posteriormente desenvolvidas em (8).

29- Gauss, em 1831: "protesto ... contra o uso de infinitudes como algo completo, o que nunca permissvel na matemtica" (1: pp.48)

30- Biografias de Cantor so escassas, mas no material disponvel na WWW, podemos encontrar referncias ao carter abrangente da crtica promovida contra ele por Kroneker, procurando influenciar para que seus artigos no fossem publicados em revistas respeitadas e para que seu nome fosse recusado em ctedras de Universidades alems. H inclusive insinuaes de uma possvel relao entre sucessivas crises depressivas de Cantor e a perseguio pessoal que lhe moveu Kroneker, a quem atribudo a sentena "Deus criou os nmeros naturais, tudo o mais produto do homem."

31- C. Goldbach (1690-1764) conjecturou que todo nmero par igual a soma de dois nmeros primos

32- Axiomas que implicavam a existncia de infinitas ou de nenhuma paralela a uma dada reta, passando por um ponto do plano a ela no incidente.

33- O "plano hiperblico" interpretado no espao tridimensional euclideano por uma superfcie denominada parabolide hiperblico, e o "plano elptico" interpretado no espao quadridimencional por uma superfcie semelhante esfera, de curvatura constante porm negativa.

34- Formalismo contendo smbolos para "nmeros naturais" e apenas uma operao didica, interpretvel como a adio

35-   Em alemo: finit, neologismo criado por Hilbert para se referir a mtodos e construes imunes crtica intuicionista.

36-  Formalismo que inclui na aritmtica elementar mais um smbolo didico para operao distributiva sobre a "soma", interpretvel como a multiplicao.

37-  "O menor nmero natural no nomevel com menos de vinte e sete slabas" uma expresso que nomeia, com vinte e seis slabas, um nmero natural que, por definio, no pode ser nomeado com menos de vinte e sete slabas. paradoxal se no distinguirmos linguagem de metalinguagem (paradoxo de Richard).

38- A enumerao de Gdel usa a propriedade da fatorao nica de inteiros em potncias de primos (h infinitos primos), para representar seqncias finitas de smbolos da metateoria (h infinitos smbolos) fazendo corresponder a cada smbolo da seqncia um expoente da fatorao (1: pp.204-216).

39- Respectivamente as mquinas de Turing, o l-clculo e as funes recursivas, as gramticas gerativas de Chomski e os sistemas de Post, sendo Church o autor de algumas das demonstraes de equivalncia.

40- Um predicado decidvel se ele e seu complementar forem ambos calculveis (se seus valores forem enumerveis). A propriedade de uma mquina de Turing sempre finalizar qualquer clculo submetido, um exemplo de predicado calculvel mas indecidvel das mquinas de Turing.

41- Por exemplo, o famoso problema acerca das classes de complexidade P e NP serem ou no iguais.
 
 
 
 

Sobre o autor

Pedro Antonio Dourado de Rezende Avanced to candidacy for PhD em Matemtica Aplicada na Universidade da Califrnia em Berkeley, Mestre e Doutorando em Matemtica e professor do Departamento de Cincia da Computao da Universidade de Braslia

Histrico deste documento

v1.0 - fev 1999
v1.1 - mai 2004, reviso para publicao em formato pdf.
v1.2 - mar 2007, reviso para incluso de referncia ao item 11 da bibliografia.
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