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Manifesto por Transparência, Participação, Equilíbrio e Acesso


Carta Aberta à Organização Munidal de Propriedade Intelectual (OMPI) das Nações Unidas (UN)




Dr. Kamil Idris
Diretor Geral
Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI)
Chemin des Colombettes 34
1211 Genebra – Suíça

Nós, construtiva e respeitosamente, invocamos a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) para se reformar nos seguintes moldes:


Chamada para Reforma


Exigimos TRANSPARÊNCIA nas deliberações da OMPI e enfaticamente rejeitamos qualquer tipo de representação desproporcional.

Ainda, invocamos uma imediata PARTICIPAÇÃO da sociedade civil e de organizações não governamentais (ONGs) nas atividades da OMPI. Especificamente, mas não apenas, à aceitação de pedidos de ONGs para serem observadoras ad hoc na próxima Reunião Intergovernamental Inter-sessões (Inter-sessional Intergovernmental Meeting - IIM) de 11-13 de abril de 2005, e para o Comitê Permanente de Cooperação para Desenvolvimento Relacionado à Propriedade Intelectual, a realizar-se em 14-15 de abril de 2005, a fim de que se promova uma discussão EQUILIBRADA sobre a Agenda de Desenvolvimento e sobre o sistema de propriedade intelectual (PI) como um todo, observando-se equilíbrio entre os interesses dos detentores de direitos de PI e dos consumidores e cidadãos.

Ademais, é imperioso que a OMPI, como uma agência especializada da ONU, responsável pela promoção de atividade intelectual criativa e por facilitar a transferência de tecnologia relacionada à propriedade intelectual aos países em desenvolvimento, com o fim de acelerar o desenvolvimento econômico, social e cultural, cumpra seu papel, que é o de tornar o ACESSO ao conhecimento viável para a humanidade tendo em foco as diferentes necessidades (inclusive as de indivíduos com carência visual e/ou auditiva) e os diferentes níveis de desenvolvimento social e econômico.


Fatos, Normas e Princípios para Suporte


Agenda de Desenvolvimento da OMPI


Há um evidente desequilíbrio de representações entre os detentores de direitos de propriedade intelectual e os interesses público e da sociedade civil.

Nesse contexto, uma Agenda de Desenvolvimento foi proposta para a OMPI, agência especializada da ONU, em setembro-outubro de 2004 na Assembléia Geral da OMPI, tendo como co-patrocinadores 14 (quatorze) Estados Membro (até 04 de outubro de 2004). (*1)

As principais observações e pontos da Agenda de Desenvolvimento, como indicados no Anexo, provocaram diversas manifestações de suporte vindas de grupos de consumidores e de organizações devotadas a interesses da sociedade civil.

A Agenda de Desenvolvimento foi bem-vinda pela Assembléia Geral da OMPI em 2004, que deliberou pelo seu exame em Reuniões Intergovernamentais Inter-sessões (Inter-sessional Intergovernmental Meetings - IIMs), das quais um relatório será preparado até 30 de julho de 2005, para ser considerado na Assembléia Geral da OMPI de setembro de 2005.


Papel da OMPI como uma Agência Especializada da ONU


A ONU deve promover condições de progresso e desenvolvimento econômico e social, e soluções de problemas internacionais de caráter econômico, social e sanitário e de problemas conexos, bem como a cooperação internacional na ordem cultural e educacional (Carta da ONU, art. 55).

A ONU reconhece a OMPI como uma de suas agências especializadas (Acordo entre a ONU e a OMPI, art. 1).

A OMPI é responsável pela promoção de atividade intelectual criativa, e por facilitar a transferência de tecnologia relacionada à propriedade industrial aos países em desenvolvimento, com o fim de acelerar o desenvolvimento econômico, social e cultural (Acordo entre a ONU e a OMPI, art. 1).

A OMPI está sujeita à competência e responsabilidades da ONU e de seus órgãos (Acordo entre a ONU e a OMPI, art. 1).


Reuniões da OMPI para Discussão de Questões Relacionadas a PI e ao Desenvolvimento


Cabe à Assembléia Geral anual da OMPI aprovar toda e qualquer solicitação para status de observador permanente de suas reuniões.

ONGs e OIGs podem, ademais, participar como observadoras ad hoc nas reuniões da OMPI (ou seja, especificamente em uma ou outra reunião, como no caso da IIM em questão), como tem sido o caso até hoje.

A recente política da OMPI de vetar ONGs como observadoras ad hoc na Reunião Intergovernamental Inter-sessões (Inter-sessional Intergovernmental Meeting) em questão, bem como no Comitê Permanente de Cooperação para Desenvolvimento Relacionado à Propriedade Intelectual, que ocorrerão nos próximos dias 11-13 e 14-15 de abril de 2005 respectivamente, é manifestamente injusta e injustificável. Essa decisão cala todas as ONGs e OIGs que não tiveram o status de observadora permanente concedido anteriormente à proposta da Agenda.

Dado que o anúncio da Reunião Intergovernamental Inter-sessões (Inter-sessional Intergovernmental Meeting) em questão foi feito APÓS a última sessão plenária, essa decisão significa que é impossível para qualquer organização com interesse específico na Agenda de Desenvolvimento participar nessa reunião chave inaugural. Pois, em termos procedimentais, seria impossível que uma ONG com interesse na Agenda de Desenvolvimento pudesse ter recebido a tempo o status de observadora permanente.

E isto vai contra o item 7 do Anexo da Agenda de Desenvolvimento, que especifica que a OMPI deve tomar medidas apropriadas para assegurar a ampla participação da sociedade civil nas atividades da OMPI.

Esta mudança de política, vetando observadores ad hoc, é um gritante manipulação do processo na OMPI que pode ter apenas um efeito: o de cercear a participação de ONGs representantes da sociedade civil que, antes de mais nada, viram suas propostas estimularem a criação da Agenda de Desenvolvimento. Essas reuniões visam a examinar as propostas contidas na mencionada Agenda de Desenvolvimento e serão enormemente beneficiadas pela participação dessas ONGs.


Reunião Recente da OMPI sobre Harmonização de Leis de Patentes


Ademais, a OMPI organizou uma reunião informal de dois dias em Casablanca, Marrocos, nos dias 15 e 16 de fevereiro de 2005, para discutir a harmonização das leis de patentes ao redor do mundo, convidando apenas o Brasil e mais nenhum outro país do grupo que co-patrocinou a Agenda de Desenvolvimento.

Nessa reunião, a Índia, um dos tradicionais aliados do Brasil em questões de PI, foi convidada para presidi-la. Nesta posição, a Índia nesta reunião teve efetivamente sua posição neutralizada, uma vez que não é permitido ao país presidente ou moderador “interferir” nas discussões. Isso teve o efeito de isolar o Brasil, bem como fazer parecer para observadores externos que sua posição foi obstrucionista.

Os demais participantes foram escolhidos dentre escritórios nacionais de patentes, organizações representantes da indústria detentora de direitos, e outros países que foram passivos nos debates da OMPI sobre a Agenda de Desenvolvimento, ou que já estão comprometidos com regimes “TRIPs plus” (mais radicais e abrangentes) de patentes, como parte de seus acordos bilaterais ou regionais. Isto desequilibrou ainda mais o debate, isolou ainda mais o Brasil, único convidado proponente de regimes de patentes menos restritivos.


Seminário Internacional Adjunto sobre PI e Desenvolvimento com a OMC e a UNCTAD


Há doze dias (*2) a notícia do Seminário Internacional sobre PI e Desenvolvimento, aberto ao público, a ser realizado nos dias 02 e 03 de maio de 2005, desapareceu do website da OMPI. Esta reunião está sendo organizada juntamente com a OMC, OMS, UNIDO e UNCTAD, tal como proposto na Agenda de Desenvolvimento. A abrupta retirada deste anúncio conta negativamente para a transparência e compromisso da OMPI em prol da ampla participação em suas deliberações. A resolução da Assembléia Geral da OMPI, de 04 de outubro de 2004, expressamente prevê que este seminário deveria ser aberto à participação de todos os interessados, incluindo ONGs, sociedade civil e acadêmicos.


(1*) África do Sul, Argentina, Bolívia, Brasil, Cuba, Egito, Equador, Irã, Peru, Quênia, República Dominicana, Serra Leoa, Tanzânia e Venezuela.

(2*) Desde 25 de fevereiro de 2005 até hoje, 09 de março de 2005.


Anexo

Principais observações e pontos da Agenda de Desenvolvimento


i) o desenvolvimento permanece um desafio, pois uma significante “lacuna de conhecimento” (“knowledge gap”), bem como um “divisor digital” (“digital divide”), continuam a separar as nações ricas das pobres;

ii) a proteção de propriedade intelectual (PI) não é um fim em si mesmo; ao contrário, direitos de propriedade intelectual são instrumentos táticos utilizados para contrabalançar a “lacuna de conhecimento” e o “divisor digital”;

iii) igualmente, esforços para harmonização de direitos de PI devem ser subservientes às diferentes necessidades de desenvolvimentos Estados Membro, tendo tais nações a possibilidade de utilizar as flexibilidades que precisam para servir aos seus interesses nacionais;

iv) a proteção de direitos de PI nunca deve superar os legítimos interesses do público, e os custos dos regimes de PI sempre devem ser pesados em relação ao benefício público;

v) a Declaração de Doha sobre o Acordo TRIPs e Saúde Pública, da OMC, é um importante marco, uma vez que reconhece o TRIPs como um instrumento internacional para apoiar objetivos de bem estar público em Estados Membro, e não como um instrumento para apenas expandir direitos de PI;

vi) em sendo uma agência da ONU, a OMPI deve estar de acordo com, e ser guiada pelos, amplos objetivos de desenvolvimento da ONU;

vii) apesar de a OMPI já ser obrigada a levar em consideração o sistema da ONU, a Convenção da OMPI (1967) deve ser emendada para assegurar que a “dimensão de desenvolvimento” seja inequivocamente levada em consideração;

viii) os tratados da OMPI estão genericamente estendendo as obrigações sob o Acordo TRIPs da OMC, o que indevidamente aumenta o ônus dos países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, motivo pelo qual os instrumentos da OMPI não devem ser expandidos além das obrigações previstas no TRIPs;

ix) o Acordo TRIPs da OMC inclui dois artigos – 7 e 8 – que indicam os objetivos e princípios para instrumentos internacionais sobre bens de conhecimento. Os mencionados artigos invocam tais instrumentos para promover a inovação tecnológica e para a transferência e difusão de tecnologia, em benefício mútuo de produtores e usuários de conhecimento tecnológico e de uma forma conducente ao bem-estar social e econômico e a um equilíbrio entre direitos e obrigações; adoção de medidas necessárias para proteger a saúde e nutrição públicas e para promover o interesse público em setores de importância vital para o desenvolvimento sócio-econômico e tecnológico, e para evitar o abuso dos direitos de PI por seus titulares ou para evitar o recurso a práticas que limitem de maneira injustificável o comércio ou que afetem adversamente a transferência internacional de tecnologia. A linguagem destas cláusulas deve aparecer em todos os futuros instrumentos da OMPI;

x) mais elevados patamares de proteção de PI falharam em promover a transferência de tecnologia através de investimento externo direto e licenças;

xi) além de incluir cláusulas sobre transferência de tecnologia em tratados sob negociação na OMPI, um novo órgão subsidiário da OMPI (Comitê Permanente sobre PI e Transferência de Tecnologia) deve ser estabelecido com o intuito de assegurar uma efetiva transferência de tecnologia para países em desenvolvimento, incluindo a criação de um regime internacional que promova acesso de países em desenvolvimento aos resultados de pesquisas publicamente financiadas nesses países em desenvolvimento;

xii) criação de um Tratado sobre Acesso ao Conhecimento e à Tecnologia;

xiii) é importante ter em mente a relevância de modelos de acesso abertos e compartilhamento de conhecimento para a promoção de inovação e criatividade, tal como software livre e de código aberto (FOSS), bem como salvaguardar as exceções e limitações existentes em leis nacionais;

xiv) em relação a aplicação ou exigência, deve haver preocupação não apenas de se levar em consideração detentores de direitos, mas também suas obrigações, de modo que detentores de direitos tomem medidas justas e equânimes, sem restringir a legítima concorrência ou de forma a abusar seus direitos (artigos 8 e 40 do Acordo TRIPs devem ser trazidos para o âmbito da OMPI);

xv) a OMPI, como uma agência especializada da ONU, deve consideravelmente expandir programas para cooperação técnica em matérias relacionadas a PI e quantitativamente melhorá-las, tendo em mente os requisitos das atividades operacionais da ONU: neutralidade, imparcialidade e dirigidos conforme a demanda;

xvi) todos os setores da sociedade devem ser servidos, incluindo sua participação em todas as atividades de estabelecimento de normas;

xvii) a OMPI, além de ser responsável pela promoção da participação ativa de organizações não governamentais de interesse público, deve tomar medidas apropriadas para distinguir entre organizações de usuários que representam os interesses do detentores de direitos de PI, e ONGs que representam o interesse público, de modo a prevenir confusão e a tornar as discussões mais claras;

xviii) a OMPI deve organizar um seminário internacional sobre PI e desenvolvimento, em conjunto com a OMC e com a UNCTAD, com ativa e ilimitada participação de todos os relevantes interessados, incluindo a sociedade civil, academia e ONGs que representam o interesse público;

xix) a OMPI poderia estabelecer um Grupo de Trabalho sobre a Agenda de Desenvolvimento para discutir mais a fundo a implementação da Agenda de Desenvolvimento e programas de trabalho para a OMPI, e

xx) a credibilidade do sistema de PI estará ameaçada se uma visão que promove benefícios absolutos de proteção à PI, sem levar em conta questões de política pública, for adotada. Assim, a dimensão de desenvolvimento deve ser trazida ao sistema de PI e às atividades da OMPI.

Escrita por

Pedro de Paranaguá Moniz, Pós-graduando em Direito na Queen Marys College, Reino Unido

Cory Doctorow, Coordenador da Electronic Frontier Foundation na Europa

Pedro A. D. Rezende, Professor de Ciência da Computação na Universidade de Brasília.

Lista dos signatários que aderiram a esta carta entre 9 de março e 19 de Abril de 2005