Existem
várias razões porque o assunto
vírus-de-Linux é
abobrinha. Quase todas elas já familiares para quem usa o
kernel, quase
todas
elas ainda desprezadas por quem gosta de ser enganado (tagarelando
abobrinhas tipo "é menos atacado porque
é
menos
usado"). Mas há uma razão, muito importante,
que
estudiosos da evolução biológica podem
apreciar. Antes,
porém, devemos saber porque o Linux não
dá mole para
vírus.
Para que um
vírus infecte um programa executável num sistema
com
kernel
Linux, numa distro GNU/Linux (Debian, Slackware, RedHat,
Suse, Ubuntu, Kurumin, Mandriva, etc.) por exemplo, o
executável precisa
estar em arquivo com permissão de escrita para o
usuário que esteja ativando o vírus. Tal
situação é incomum. Numa
instalação
desktop,
via de regra os arquivos executáveis têm como dono
(
owner) o
administrador do sistema (
root),
e rodam em processo de usuário comum. Ou seja, a partir de
uma
conta não-privilegiada.
Além
do que, quanto menos
experiente for o usuário, menos
provável que
tenha ele
mesmo feito a instalação do
executável, e portanto
,
que
seja o
owner
do arquivo correspondente. Assim, os usuários de Linux que
menos
entendem dos perigos de infecção viral
são
os que têm pastas pessoais (diretório
home) menos
férteis para isso.
Prosseguindo, ainda
que um vírus consiga infectar um programa
executável, sua
missão de proliferar-se esbarra em dificuldades das quais os
limites nas permissões do dono
do arquivo infectado são apenas o começo (para
neófitos, em sistemas
com um só usuário, esses limites podem
desaparecer se a conta
root
for usada descuidadamente). As dificuldades continuam nos
programas para conectividade, por serem esses no Linux
construídos
conservadoramente, sem os recursos de macros em alto nível
que têm permitido, por exemplo, a recentes vírus
de Windows propagarem-se tão
rapidamente.
Esse
conservadorismo não é uma
característica do Linux,
mas reflete diretamente importantes diferenças na base de
usuários de plataformas livres e proprietárias.
Diferenças na forma como
essas bases atuam no processo de desenvolvimento, e na forma como a
robustez e a popularidade dos
programas é afetada por essa
atuação,
através dos respectivos modelos de licença e de
negócio. Na forma, por exemplo, em que vacinas atuam. As
lições aprendidas pela
observação do que
acontece no outro modelo servem, no modelo
colaborativo, para vacinar não o software em
si, mas o processo e a estratégia de desenvolvimento dos
softwares
livres,
livres inclusive das estratégias de negócio de
interessados que lhes sejam confiltantes.
Aplicativos e sistemas baseados em Linux são quase todos de
código fonte aberto. Devido à
quase totalidade desse mercado estar
acostumado à disponibilidade do
código-fonte, produtos distribuídos apenas em
formato
executável são ali raros, e encontram
mais dificuldade para firmar presença. Isso tem dois efeitos
no ecosistema viral, se considerarmos que a
propagação ocorre em formato
executável. Primeiro, programas com código fonte
aberto são lugares
difíceis para vírus se esconderem. Segundo, a
(re)instalação por
compilação do código-fonte corta
completamente um dos principais vetores de
propagação dos vírus.
Cada
um desses obstáculos representa uma barreira significativa.
Porém, é quando essas barreiras atuam em conjunto
que a
vida do
vírus se complica. Um vírus de computador, da
mesma forma que o biológico, precisa de uma taxa de
reprodução maior do que a taxa de
erradicação (morte), para se proliferar. Na
plataforma Linux, cada um desses obstáculos reduz
significativamente a taxa de reprodução. E
se a taxa
de reprodução cai abaixo do nível
necessário para
substituir a população erradicada, o
vírus está condenado à
extinção, nesse ambiente -- mesmo antes das
notícias alarmistas sobre o potencial de dano às
vítimas.
A razão
pela qual nunca vimos uma epidemia de verdade com vírus de
Linux é simplesmente porque nenhum vírus
conseguiu, até hoje, prosperar no ambiente que o Linux
propicia. Os que já surgiram com esse alvo não
são mais do que curiosidades técnicas (Staog foi
o primeiro deles, e o único observado à solta,
até 2005, foi o
Bliss).
A realidade é que não existe vírus
viável
para Linux.
Isso,
é claro, não
significa que nunca possa haver uma epidemia viral envolvendo o Linux.
Por outro lado, isso significa que o vírus precisaria ser
muito inovador e bem arquitetado para ter sucesso prosperando nesse
ecosistema (do Linux), que
é hostil para código furtivo. E
também, que outros especialistas possam entender a
questão de maneira diferente (para outra perspectiva sobre o
tema, tente esse
artigo).