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> urna eletrônica: modelo segurança
Eleição Eletrônica com ou sem auditoria?
Publicado no portal ComCiência
- LabJor Unicamp
Amilcar Brunazo Filho *
Pedro Antonio Dourado de Rezende **
30 de Junho de 2005
Aproxima-se
o Referendo de 2005 no Brasil, sobre a venda de armas de fogo, quando
serão utilizadas, mais uma vez, urnas eletrônicas que
não permitem auditoria da apuração
eletrônica
dos votos. A lisura do resultado deste referendo pode não
interessar a todos, mas levanta, novamente, a questão das
salvaguardas em processos eleitorais. A fiscalização de
eleições governamentais processadas eletronicamente tem
sido mundialmente debatida
no meio acadêmico, no Brasil desde a adoção das
urnas eletrônicas, em 1996, e mesmo antes, a partir do caso
proConsult, em 1982.
A questão central do debate
gira em torno da auditabilidade desses processos. Mais precisamente, da
pertinência ou da necessidade, ou não, de se
reter uma representação
material de cada voto no sistema, para fins de
fiscalização
através de recontagem manual. Nos
EUA, onde a implementação do processo eleitoral é
definida por Lei estadual, o debate teve início no final dos
anos
80, ganhando impulso e manchetes na mídia depois do “Fiasco
da Flórida”, em 2000. No Brasil, só
ganhou atenção equivalente durante dois breves
períodos: na estréia de computadores em processo
apuratório, no Rio de Janeiro em 1982, e em
2001, em conseqüência do escândalo do painel do Senado.
Nos
EUA e na Europa, diferentemente do Brasil, participam hoje do debate
muitos técnicos em informática e em segurança na
informática, além de alguns especialistas em ergonomia
e acessibilidade, que, na sua maioria, são favoráveis
à
obrigatoriedade das máquinas eletrônicas de
votação
imprimirem cada voto, para conferência visual sem
interferência
manual do eleitor. O objetivo de tal medida é não
só
possibilitar eventuais recontagens da apuração
eletrônica, mas principalmente, reter o lastro de convencimento
da lisura de pleitos na experiência e participação
individual do votante, espírito mesmo do processo
democrático, quer na democracia grega, quer na
moderna.
Também
participam oficiais de justiça e empregados de cartórios
eleitorais, organizadores e executores de processos eleitorais, que,
por sua vez,
em grande maioria são contra tal medida, devido ao trabalho
extra que isso lhes causa. Mas certamente também, embora
raramente admitido em público, pelo fato de eventuais
discrepâncias entre a apuração eletrônica e
auditorias manuais exporem eventual inépcia ou má
fé no desempenho
de suas funções, ao leque de suspeições de
causa.
O quebra-cabeças da segurança eleitoral
Muitos
especialistas em Tecnologias da Informação defendem a
retenção material do voto em sistemas eleitorais
eletrônicos
devido aos recursos científicos e técnicos
disponíveis,
ou possíveis à segurança computacional, serem
insuficientes para oferecer, em grau condizente com o espírito
da democracia, confiabilidade do resultado de eleições
com voto secreto processadas e apuradas apenas eletronicamente. Dentre
eles,
ícones vivos da Ciência da Computação como
Ronald Rivest (inventor do método RSA de assinatura digital),
David Chaum (inventor do “dinheiro digital”)
e Bruce Schneier (criptógrafo e autor dos maiores best-sellers
sobre segurança computacional).
Todos
esses eminentes cientistas já publicaram artigos seminais onde
explicam porque é mais fácil, por
exemplo, proteger transações financeiras contra fraudes
eletrônicas do que apurar votação secreta
e puramente eletrônica com a mesma segurança.
Segurança,
aqui, entendida em seu legítimo e implícito
- primeiro sentido, o da segurança de eleitores
a) com direito a voto e à
lisura do pleito,
b) contra eventuais manipulações
indevidas do processo,
c) de quaisquer origens ou formas de penetração
no
sistema,
d) através do qual tais manipulações sejam
detectáveis
por fiscalização;
e não num ilegítimo
- segundo sentido, o da segurança de organizadores
ou executores do processo
a) com direito de acesso ao
sistema para programá-lo, controlá-lo ou operá-lo,
b) contra eventuais detecções por
fiscalização,
c) de quaisquer deslizes por inépcia ou má
fé,
d) através dos quais se configure risco à lisura
do
pleito.
A arriscada corrida pela modernidade
A
dificuldade apontada por esses cientistas, relativa à
segurança – no primeiro sentido acima – desses processos
eleitorais,
tem origem na incongruência, adiante explicada, entre dois
requisitos operando nas
condições do mundo
da vida. Os requisitos são o de sigilo e o de
desmaterialização do voto, operando num contexto que
encena
pelo menos três interesses potencialmente conflitantes: os de
pelo menos duas candidaturas, e os de eleitores que
acreditam na democracia através de eleições
limpas, ou que assim a desejam (este último comungado pelos
autores). Tal incongruência torna
inseparáveis esses dois sentidos de segurança, donde o
perigo, já que o primeiro, legítimo, só
será eficaz conjugado à negação
do segundo, ilegítimo. Ou seja, a garantia de lisura do pleito
somente ocorrerá se o eleitor estiver, também, protegido contra
a ocorrência de fraudes de origem interna, e portanto,
somente se qualquer organizador ou executor do processo porventura a
favor da ocorrência de fraudes ao seu alcance estiver, para
alcançá-la, desprotegido.
Pode-se aqui perguntar: Onde o perigo? Em processos com mais de dois
interesses em jogo, como o eleitoral,
conflitos de
interesses representam risco de conluio. Conluio é uma
ação conchavada entre dois ou mais interesses, opostos ou
não, para
induzir outro ou outros interesses a confundi-los, em benefício
deles. No caso, a
confusão serve inclusive para despistar
motivos para a escolha das condições sob as quais os
dois
sentidos de segurança acima citados, legítimo e
ilegítimo, se tornam mutuamente
canceláveis e parecidos. Daí ao prato
cheio do conluio é um pulo: a camuflagem do segundo, para se
passar pelo primeiro. Por isso, a
segurança dos legítimos interesses em jogo não
pode, sob o risco de conluio,
ser buscada em controle
unilateral do processo ou sigilo dos seus mecanismos. A
proteção
contra o risco de conluio, ao contrário, só é
possível com
adequado equilíbrio entre transparência do processo e
distribuição
de controles. Entre interesses legítimos e potencialmente
conflitantes,
através de medidas regulatórias que se harmonizem e se
integrem para
constituir um (sub)processo fiscalizatório eficaz.
Pela suas naturezas, esse tipo de risco ameaça qualquer
democracia. Conforme nos ensinam
nossos livros de História,
ele contaminava
o processo eleitoral na República Velha. Na República
Velha o conluio envolvia a organização do processo e duas
canditaturas,
que ocultavam o prévio conchavo do resultado a
ser divulgado, e que a cada eleição alternava no poder os
respectivos Partidos Políticos, independentemente da
votação. Chamava-se "política
café-com-leite". O povo brasileiro levou décadas para
disso aquilatar conseqüências nefastas, mora que nos levou
à
Revolução de 30, pelo aperfeiçoamento
democrático. Duas interrupções do regime depois,
agora sob o fascínio das tecnologias da
informação,
vendidas como panacéia para mazelas humanas, as
lições
da República Velha parecem esquecidas. Essas tecnologias
maravilhosas e seus sistemas desmaterizadores, capazes de capitalizar a
imaterialidade no voto em agilidade na
apuração, estão nos sendo vendidas, a preço
mui caro,
como irrefreável modernidade e moderna proteção
contra antigas
formas de fraude. Como se isso constituisse, por si só, um bem
em si. Será que constitui?
Duas faces de uma mesma moeda... que não gira
Em eleições secretas, nas quais o
nome do votante não pode ser associado ao voto na
votação ou apuração, a
eficácia do processo
fiscalizatório se faz, por isso, sensível ao
suporte que registra materialmente cada voto. Em
conseqüência,
se o processo de votação eletrônica
desmaterializar o voto, registrando-o – ou suas somas parciais –
apenas digitalmente, a eficácia de qualquer
processo fiscalizatório será tolhida. Tolhida no sentido
de
que qualquer medida para detectar ou impedir fraudes de origem interna
(conluio entre um organizador e alguma
candidatura) servirá, também,
para proteger fraudadores externos, fiscais de candidatura empenhados
em
sabotar (anular uma eleição perdida) ou
subverter a fiscalização (contaminar o sistema com
mencanismo de fraude).
Enquanto qualquer medida para detectar ou impedir sabotagem ou
subversão na fiscalização
protegerá, também, fraudadores de origem
interna que detenham privilégios de acesso para programar,
controlar
ou operar o sistema. É a incongruente luta entre
espiões e contra-espiões, que liga sentidos de
segurança legítimos e ilegítimos.
Quem, como cidadão, não se importa com o risco da
legítima segurança ser, sob qualquer pretexto, cavalgada
pela ilegítima, não dá valor à
democracia ou,
no fundo, não a aceita. E quem, como cientista, quiser
estudar seus mecanismos, deve separar tal conhecimento e crença
dos problemas e limites inerentes aos mecanismos. Foi assim
que o
estudo científico desses limites atingiu um marco
importante, com a tese de
Doutorado
em Ciência da Computação da Dra. Rebecca Mercury,
defendida na Universidade da Pensilvânia em 2000. Sua tese
demonstra
que a inviolabilidade do sigilo do voto e a garantia de correta
apuração – garantia que nega o segundo
sentido acima – são propriedades excludentes em
sistemas puramente eletrônicos. Ou seja, não há
como proteger, em qualquer eleição processada e apurada
apenas eletronicamente, o
sigilo do voto e a corretude da apuração, pois, nela,
tais
proteções são como faces opostas duma mesma
moeda. Moeda que corresponde ao sistema eletrônico puro, e cujo
valor
corresponde ao do processo eleitoral que o sistema executa, mas moeda
que não se pode "girar" durante uma eleição, para
se ver seus dois lados, pois o processo é executado sem
possibilidade de auditoria.
O
peso desses argumentos científicos passou a se
refletir, sob pressão de movimentos
civis, fortalecidos por duvidosa ética de fornecedores de
sistemas eletrônicos puros, na
legislação eleitoral norte-americana. Entre
março de 2004 e maio de 2005, 14 estados federados aprovaram
leis que obrigam máquinas eletrônicas de
votação
a emitirem voto impresso conferível pelo eleitor, para manter ou
recuperar a auditabiliade do processo eleitoral anterior aos
computadores. Moeda, afinal, precisa ter lastro. Hoje, 19 Estados
já têm leis assim aprovadas, 3 as têm
aguardando sanção, 17 têm projetos em
tramitação, e apenas 12 ainda não vêem
problemas com máquinas do tipo que o Brasil hoje utiliza.
Já
no Congresso Nacional,
tramitam hoje quase uma dezena de projetos exigindo o Voto Impresso
Conferível pelo Eleitor
como princípio federativo de
organização democrática nos EUA. A idéia
não é a de pretender, ingenuamente, acabar com fraudes,
mas a de tornar suas possíveis formas difíceis, onerosas
e arriscadas em igual medida, expondo-as ao risco de serem comprovadas
em tempo hábil e por eleitores comuns, até por quem
não
tem título de PhD em Ciência da
Computação registrado no CNPq.
O caminho do voto eletrônico no Brasil
No
Brasil, a implantação do voto
eletrônico
tem seguido outros caminhos. A transparência do processo
eleitoral, a de sua organização, a do processo de
formação de suas leis e regulamentos, e a
participação
da sociedade civil nestes, têm deixado a desejar. Mesmo diante
das mesmas dúvidas
éticas acerca dos mesmos fornecedores de sistemas
eletrônicos puros. Em boa parte
devido à nossa peculiar organização
jurídica,
ao que se sabe única no mundo das democracias republicanas, que
acumula funções de
regulamentação, execução
e judicação, cujos poderes uma
república deveria separar, do processo eleitoral numa
só
instituição – a Justiça Eleitoral –,
encabeçada pelo TSE.
A
Lei 9.100 de 1995, que permitiu o uso do voto eletrônico, e a
Lei 10.740 de 2003, que acabou com o Voto Impresso Conferível
pelo
Eleitor, foram elaboradas dentro do TSE. Foram aprovadas, sempre sob
pressão
de algum de seus ministros, no Congresso Nacional com
participação significativa de parlamentares enredados em
litígios na
Justiça Eleitoral, e sancionadas com menos de 6 meses de
tramitação, sem
que fossem permitidas uma única audiência
pública ou emenda. Na
elaboração, aprovação e
sanção destas leis, toda contribuição
ao debate oferecido pela comunidade acadêmica foi desprezada,
inclusive:
- Manifesto de Professores Universitários, hoje com
mais de 1700
assinaturas,
alertando parlamentares e a sociedade para os riscos de sistemas
eleitorais eletrônicos que não permitem
auditoria no processo de apuração, e solicitando que os
debates para
legalizá-los incluam audiências
públicas;
- Relatórios da
Sociedade Brasileira de Computação (SBC) e da
Fundação
COPPETEC da UFRJ, com avaliações bastante críticas
do sistema em uso, um deles – o
da SBC – recomendando a impressão de cada voto para
conferência visual sem
interferência
manual do eleitor, para tornar auditável o processo de
apuração;
- Perícia Técnica de Santo Estevão,
Bahia, peça
do processo TRE-BA 405/2000.
Reducionismo
Tais
documentos indicam graves falhas de segurança (no
primeiro sentido) que, posteriormente, puderam ser comprovadas quando
uma parte do
software utilizado em urnas na eleição de 2000 vazou na
Internet e foi, então, analisada
por um dos
autores,
sendo depois identificada com o software analisado pela
perícia de Santo Estêvão. A análise e
identificação desta, justamente a parte que
controla a segurança lógica da urna (setup),
revelou quão ridículo
era o processo fiscalizatório, sem, contudo, despertar
interesse na opinião pública. Tal
comprovação só foi possível com uma quebra
momentânea do obscurantismo que cerca o sistema eleitoral
brasileiro, ainda que muitos confundam esse obscurantismo
com
segurança, e essa quebra com violação. Esse
obscurantismo serve, na
verdade, apenas para camuflar o segundo sentido de
segurança com a aparência do primeiro.
O
último documento (a perícia técnica), exarado em
processo de
impugnação eleitoral no qual litigavam dois partidos de
direita, é de extrema
importância pois relata a única perícia até
hoje executada por técnico independente, sobre uma uma
eletrônica usada em eleições oficiais no Brasil. A
perícia de Santo Estêvão revela, dentre outros
fatos, a absoluta ineficácia – no primeiro sentido acima – do
sistema de lacres físicos
então
utilizado na urna eletrônica brasileira, conjugada à sua
absoluta
eficácia no
segundo sentido. Revela, também, como a linguagem da
regulamentação
oficial desse sistema de lacres, e das bravatas oficiais sobre a
segurança que proporciona, pode servir para camuflar o segundo
sentido com a aparência do primeiro. Esse
documento é pedra de toque em quebra-cabeças que busquem
revelar como tal aparência é tecida: de
tosco ufanismo, de ignorância coletiva e de prepotência
(ignorância da
ignorância) reducionistas.
Alguns se fazem vítima desse reducionismo ao confundirem sistema eletrônico com processo eleitoral, ou ao confundirem sigilo do voto com
sigilo no processo que coleta e soma votos (por
cargos, seções, unidades) e
divulga resultados. Outros, ao crerem em palpites de que a transparência atual já é suficiente, até por não
saberem para que serviria mais
transparência, ou o que fazer com ela. Já outros,
em palpites de que mais transparência prejudicaria a
segurança, esta nalgum sentido vago e indefinido,
quando não maniqueísta (os hackers da internet!).
Para agravar, há especialistas,
de cátedra e de carona, com ambições turvas e
escrúpulos ralos, empenhados em explorar esse reducionismo, como se urna
eleitoral fosse caixinha
de mágico. Daí, a necessidade da
quebra desse
obscurantismo para se revelar como, em sistemas puramente eletrônicos de votação secreta, esses dois sentidos de segurança –
legítimo e ilegítimo – não só se tornam inseparáveis e mutuamente cancelativos mas, pior, podem se tornar perigosamente
parecidos.
A salvação, segundo a seita do Santo Byte
Sistemas esses que teriam maravilhado Maquiavel, se na Renascença
existissem. Principalmente
pela pujança da seita do
santo byte, o novo credo que com eles surge.
Surge ao transformar em
dogma palpites circulantes na mídia sobre o que seja
suficiente transparência em sistemas eletrônicos, para revelar outra e rósea realidade. A seita do santo
byte revela como esse reducionismo,
consagrado pelo Poder pleno e absoluto da Justiça
Eleitoral, pode "salvar" nossa democracia
das mazelas humanas, através da fé na inseparabilidade
daqueles dois sentidos, alcançada pela
ubíqua pureza eletrônica que nos permite eliminar de vez o
mal que
nos atormenta há milênios (até para veicular a
Bíblia!), o diabólico papel. Fé que protege da
tentação e redime do pecado de conluio quem, no
exercício desse
Poder, programa, controla ou opera seu sistema eletrônico puro
(livre da danação do papel). Ou
mesmo, em sua vertente farisaica, fé que explica, sob a sofística
de argumentos de
autoridade, esses dois
sentidos como um só.
Basta
ingerir, pelos olhos e ouvidos, a beberagem oferecida pela grande
mídia, no altar do consumo em nossos próprios lares, e se
alcança a visão: seres angelicais programando,
configurando,
operando maquinetas...
Dentre os
sinais desta revelação mística, podemos citar:
- A contaminação dogmática de
estudos, pagos e dirigidos pelo TSE, sobre a segurança do
sistema (ex: o caríssimo estudo "da
Unicamp", de 2002, à luz da análise
do setup, de 2004);
- O veto à
participação da
Dra. Mercury em evento científico sobre eleições
eletrônicas, realizado em 2003 na UFSC sob patrocínio do
TSE, sob o pretexto de que ela nada teria a contribuir para o
"aperfeiçoamento do nosso sistema";
- A recusa sistemática do TSE em
permitir que representantes dos Partidos Políticos executem
testes livres ou de penetração, conforme
receituário de
normas técnicas nacionais e internacionais para
homologação da segurança de sistemas
eletrônicos.
O terceiro sinal, a recusa de testes homologatórios
independentes, legitimados por padrões
técnico-científicos, parece impressionante. Pretende-se
justificado pelo argumento, auto-referente e escapista, de que o
regulamento
do sistema eleitoral brasileiro, elaborado pelos próprios
fiscalizados, não os prevê. Os únicos testes
legalmente
permitidos são aqueles que a sapiência insuperável
e incorruptível dos próprios
define, e que se limitam à
participação dos fiscais na mera observação
de urnas emitindo relatórios de auto-indulgência. O valor
da nossa moeda eleitoral estaria, assim, lastreada unicamente na
palavra de quem, investido da capacidade legalista daquele Poder,
exerce simultâneo sacerdócio naquela seita. Por vezes a
palavra do mesmo que declara, após ter chefiado a Justiça
Eleitoral, ter também contrabandeado
dispostivos
não-votados para a Constituição Federal, enquanto
legislador constituinte. E que responde, a quem com isso se
indigne: azar "dos que assinaram
embaixo" (assinaram em papel!). Quem não se impressiona,
que aguarde os próximos sinais.
Até lá tais fatos, peripécias ou heresias que
sejam,
não despertam “interesse
jornalístico” na grande mídia, já ocupada em
proteger as massas contra o risco da "falta de
confiança" no sistema, em arrebatá-las em tosco ufanismo
recitando o mantra do santo byte: "nossa urna pioneira é
segura!". Ou então o mantra dos fundamentalistas da seita: "a
urna é 100% segura, pois se não fosse, provas de fraude
haveriam". Ou então porque já está ocupada com as
peripécias de publicitários, arapongas e
políticos, e em identificar com cuidado quais dessas lhe
despertam. Enquanto o debate
sobre segurança eleitoral, sobre as novas formas de fraude, que,
com potência mais concentrada e devastadora
que as antigas, nascem na permuta da eficácia
fiscalizatória
pela agilidade apuratória e lá se ocultam, vai sendo
farisaicamente silenciado, sob a bênção
do quarto
poder.
Tal qual a pirataria constitucional. Mesmo assim as
lições
da República Velha, avaliadas na Revolução de 30
com nota em bandeira – a da Paraíba, não estão
esquecidas de todos. Nem o fato da legalidade e da legitimidade
serem coisas distintas.
Lições de História
Alguns ainda se
preocupam com a História, dentre outros motivos para evitar a
repetição de erros históricos. E esses, ao
voltarem
os olhos para o nosso continente, vêem postura ambígua
até mesmo na Organização
dos Estados Americanos (OEA). Do único país do mundo a
já ter adotado urnas eletrônicas com voto impresso
conferível pelo eleitor em
todas seções eleitorais, a OEA exigiu, na última
eleição lá realizada, que o resultado fosse
auditado por recontagem
manual dos votos impressos de 1,5% das seções
eleitorais. Tratava-se do referendo que poderia derrubar o governo
Chavez na Venezuela, em agosto de 2004. Para os demais países
latino-americanos a OEA estimula, e em alguns casos até
intermedia, o uso do
sistema eletrônico brasileiro, que não permite
recontagem e auditoria do processo.
Para a pergunta que intitula este artigo, podemos então arriscar
uma resposta. Tomando por base não só os
discursos oficiais e da grande mídia, com seus dois pesos e
duas medidas sobre as maravilhas tecnológicas no processo
democrático, mas também a origem dos componentes,
softwares e
contratos utilizados
no Brasil, eleição eletrônica seria:
- com auditoria da apuração,
a melhor alternativa para o povo dos EUA, fundador da democracia
moderna, e para aqueles países da América Latina, fundada
no
colonialismo hodierno,
cujas democracias o governo norte-americano esteja
explicitamente interessado em tutelar; e
- sem auditoria da apuração, a
alternativa para países onde convenha que a tutela
não
seja explícita.
Como acreditam (talvez sem a tutela) hoje as massas de manobra no
Brasil, as carnes do boi-de-piranha da
modernidade eleitoral, a dar gosto de sangue na boca de
abutres, vendilhões e seus tutores fascistas.
Restarão ossos duros de roer.
Autores
* Amílcar Brunazo
Filho, engenheiro, representante técnico do PSB e PDT junto
ao TSE, coordenador do Fórum do Voto Eletrônico na
Internet (www.votoseguro.org)
** Pedro Antônio Dourado de Rezende,
matemático, professor de Ciência da
Computação
na Universidade de Brasília, Coordenador do Programa de
Extensão em Criptografia e Segurança Computacional da
UnB, representande da sociedade civil no Comitê Gestor da
Infra-estrutura de Chaves Públicas brasileira.
(www.pedro.jmrezende.com.br/sd.htm)
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