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No meio do caminho tinha uma Queda

Publicado na coluna Segurança, Bits & Cia do Jornal do Commercio em 17/10/02,
Observatório da Imprensa (16/10), Jornal do Brasil (21/10), Pátria Latina (Out/02), Consultor Jurídico, etc.

Prof. Pedro Antonio Dourado de Rezende
Departamento de Ciência da Computação
Universidade de Brasília
13 de Outubro de 2002


Estava no TRE-RJ um jornalista amigo, por volta das 23 horas do dia 6 de Outubro, quando o telão da apuração montado em frente saiu do ar. Ninguém de dentro explicou nada, ninguém de fora sabia o que estava acontecendo. Em seguida, chega um camburão da polícia federal de onde saltaram vários policiais armados de AR-15 e metralhadoras, que ficaram ostensivamente parados na porta do TRE - onde já haviam vários policiais militares e guardas municipais - encarando a multidão. "Pelo jeito, os homens estão com medo", brincou ele, sem saber do que se tratava. Medo do que?

Enquanto isto, no TSE em Brasília, os telões no centro de imprensa haviam sido desligados, depois de uma gritaria geral. O quadro instantâneo e oficial da apuração presidencial passara a mostrar quarenta e um mil votos negativos para o candidato Lula. Jânio de Freitas, em sua coluna de 8 de Outubro na Folha de São Paulo, nos informa que a explicação do TSE limitou-se à declaração de que se tratava de um "erro de formatação nos votos de Lula". Não obstante, “um erro em programa que não pode errar sem que isso fira gravemente o princípio da democracia e o fundamento do regime constitucional brasileiro”.

Para quem sabe programar, a explicação oferecida é demasiado estranha. O que significa “formatação nos votos”? A linguagem de programação “C”, na qual foram escritos os programas de votação e apuração do TSE, prevê o tipo de dado “unsigned” (número inteiro sem sinal), para contagens que não devam, nunca, assumir valores negativos. Seu uso serve, inclusive, para automatizar a filtragem de erros não intencionais na programação. No caso do sistema eleitoral, só seria aceitável evitar o seu uso pela suposição de que votos teriam de ser, em algum momento da apuração, subtraídos da planilha de totalização. Não pode ter sido apenas um sinal bobo e descuidado aparecendo na tela por acidente, à esquerda do verdadeiro número de votos já totalizados, como sugere a interpretação literal da explicação oficial, pois, naquele momento da apuração, os votos totalizados de Lula já haviam ultrapassado o patamar dos quarenta e um mil. A única interpretação plausível à explicação fornecida seria, portanto, a de que o erro de formatação estaria não nos votos em si, mas em algum comando que subtrai votos. Um tal comando pode ser bem simples, como por exemplo “x-=x/20;”, enquanto o erro pode ter sido grosseiro ou não. Nem todo erro de programação tem intenção, mas todo comando tem.

Outro baluarte do jornalismo, Carlos Chagas, em sua coluna da “Tribuna da Imprensa” de 10 de Outubro nos alerta: tem coisa cheirando mal por aí. O PT cresceu em todo o País, elegendo a maior bancada na Câmara suplantando PFL, PMDB e PSDB, e no Senado acaba de dobrar o número de cadeiras. Dos principais institutos de pesquisa, um concluiu, na boca de urna, que Lula teria 50% dos votos válidos. Outro falou em 49%, um terceiro em 48%. Por que, inesperadamente, os índices de votação em Lula caíram, enquanto os do PT nos outros níveis subiram, se era justamente Lula quem puxava a fila e liderava as demais campanhas? “Mas como, ainda assim, sua diferença sobre Serra foi enorme, pouca gente quer correr o risco de enfrentar questão tão explosiva quanto a da possibilidade de ter havido fraude para retirar do candidato aqueles porcentuais que o separaram da vitória”, diz ele.

E prossegue: “Quem conhece a diabólica arte dos computadores confirma que um pirata mediano seria capaz de entrar no programa da apuração e estabelecer que, no percurso virtual entre os estados e o TSE, de cada mil a Lula, cinco, por exemplo, fossem transformados em nulos ou brancos. Bastaria isso para transformar 50% em 46,4%”. Chagas errou: teriam que ser cinco de cada cem. Mas também pode ter acertado, pois os votos nulos desta vez somaram quase o triplo dos brancos, quando nos outros primeiros turnos presidenciais eletrônicos essas somas se equipararam. Como uma grande quantidade de mesários, talvez a maioria, se recusou a entregrar a fiscais de partidos cópia impressa do boletim de urna gerado no ato de encerramento da votação, como manda a lei, e também a registrar em ata esta recusa, impossibilitadas ficaram tanto a impugnação dessas urnas como a detecção da livre manipulação dos dados das mesmas durante a totalização. A demora de cinco dias para se fornecer aos partidos as planilhas com as parcelas de boletins de urna totalizados, os mesmos dados necessários para se obter os totais oficiais divulgados em menos de três dias, tem como explicação mais plausível a necessidade de se distribuir a manipulação dos votos apenas entre as seções cujos mesários não forneceram boletins de urna aos fiscais de partido.

Seria uma coisa de que fala Chagas o preço pela conivência com a outra? Há que se olhar no fundo dos olhos de Lula, para tentar saber. Por outro lado, quem seriam os tais piratas medianos de que também fala Chagas? Todo verdadeiro profissional da informática sabe que os de dentro representam os maiores riscos. As estatísticas em todo o mundo mostram que quatro em cada cinco crimes digitais são cometidos por funcionários que tem acesso legítimo ao sistema, necessário para fazê-lo operar. Não devemos perder tempo falando de piratas de fora, pois é óbvio que eles não podem invadir o nosso sistema eleitoral. Temos que nos preocupar com os de dentro. Assusta-me ver quem defende a lisura do sistema fazer-se de louco, desdenhando ou fingindo que este fato real da vida atual não existe, com a mídia protegendo este "esquecimento". O argumento de que não se deve causar pânico é apenas um sofisma cheirando a cumplicidade.

Agravando o episódio, tal “erro” se dá sob falsificação de promessas do presidente do TSE à Comissão de Constutuição e Justiça da Câmara dos Deputados, registradas em 19 de junho, em relação à transparência do processo. E há precedentes, em relação a outras solenes promessas do gênero no Senado, descumpridas em eleições passadas. Nesta, os fiscais de partido não puderam validar os programas de totalização, como prometido. Em muitos TREs os fiscais não puderam nem mesmo acompanhar a totalização, impedidos que foram de entrar no recinto onde as máquinas totalizavam votos. Que conversas poderiam ter ouvido? Dizer que os fiscais viram os programas dois meses antes é zombar da inteligência do ouvinte. Além disso, nem mesmo os nomes dos técnicos terceirizados para operarem essa eleição pudemos conhecer. “Por motivo de segurança”, explicou-nos o secretário de informática do TSE, em artigo da revista Super Interessante desta semana. Falta saber de quem, a segurança. A ficarmos no “pois é, falha de formatação”, como diz Jânio de Freitas, parecerá que se trata da segurança dos acionistas do grande banco americano que controla a empresa contratada para proteger e operar a rede de totalização do TSE, a Módulo, um dos que manipulam o tal risco Brasil.

Por que a sociedade não pode tirar a limpo a natureza e a autoria deste “erro”, e se vê obrigada a apenas engolir explicações grotescas, que se assemelham às de arrogantes vestais da moralidade pilhados em práticas pornográficas? Qualquer pessoa tem direito de ser ingênua, crédula, boçal. Mas induzi-las a isso, permitindo a terceiros tirarem proveito, está tipificado no código penal, pelo menos no artigo 171. Crime que seria agravado pela exploração da autoridade que reveste o cargo ocupado pelo infrator. Informática, como toda tecnologia, é arma. Atira para onde estiver apontada. Para quem não aceita empulhação, este teatro do absurdo só permite a especulação. Pois então especulemos.

A última seção do livro de referência sobre “C”, escrito pelos próprios criadores da linguagem, contém alertas sobre anacronismos. Alguns compiladores desta linguagem (um compilador é um software que traduz código escrito pelo programador em código executável pelo computador), notadamente os mais antigos, aceitam expressões do tipo “x=-x/20;” como sinônimo de “x-=x/20;”. Isto é problemático, diz o autor, pois a primeira expressão poderia, assim, ser interpretada de duas maneiras distintas, a critério de quem faz o compilador. Caso tivesse que meter a mão na massa de votos com a totalização em andamento, e para isso pilotar, no meio da corrida da apuração, um compilador ou interpretador com o qual não estivesse familiarizado, um pirata mediano poderia, protegido pelo anonimato oficial e pela passividade ingênua da sociedade, ter escolhido a primeira das expressões acima, tomando as duas por sinônimas.

O efeito pretendido seria aquele mencionado por Carlos Chagas, sugerido pela discrepância entre pesquisas de boca de urna e apuração final oficial dos votos de Lula. Se assim procedesse e o compilador não traísse sua expectativa, o efeito seria o pretendido. Mas se o compilador – por uma dessas providências divinas – o traísse, o resultado seria exatamente o mesmo que gerou a gritaria no TSE ao desnudar-se no telão, caso a totalização dos verdadeiros votos de Lula estivesse, naquele momento, aproximando-se do primeiro milhão. Para confirmar, é só consultar fitas e fazer as contas. O compilador “traidor” (herói) interpretaria a primeira expressão como o comando “ponha no contador 'x' cinco por cento do que está lá agora, invertendo o sinal do resultado”. Enquanto o efeito esperado seria do comando – inequívoco através da segunda expressão – “subtraia do que está no contador 'x' cinco por cento, e ponha lá o resultado”.

Vale lembrar que, neste cenário hipotético, pode ter sido acidental a troca que distingue as duas expressões, entre as posições dos sinais “-” e “=”. Afinal, o secretário de informática disse também, na mesma matéria já citada, que os terceirizados anônimos, contratados para a informática da eleição, não são especialistas em informática. Mas para o quê, então, foram contratados? Não sabemos, pois este contrato, também, ninguém pode ver. Dois partidos correm na Justiça atrás dele desde o início de julho, e só recebem deboches. Dela e da grande mídia, como na edição de Veja desta semana. Afinal, poderia ser que os 19 títulos ativos de protesto contra a empresa vencedora da licitação, juntados ao contrato, lhes servisse para tentar impugnar a eleição.

O que temem os homens? Alguns temem pedras e quedas. Eu, temo pelo futuro da cidadania e essa extrema escassez de brios. Como também creio que teme Janio de Freitas, pois encerra sua citada coluna dizendo: “Daqui a três semanas, o programa de totalização informatizada de votos do TSE será incumbido de dizer quem presidirá o Brasil. Sua legitimidade para esta incumbência está em questão.” Como na questão drummondiana da pedra, tinha uma queda no meio do caminho do Brasil. Tinha a dos votos de Lula no abismo aritmético. Visível ou não. Tinha também a do controle emocional do presidente do TSE, diante do acontecido e das câmeras de TV. Num abismo de grosserias, arrogâncias, irasciblidades. Quem acha que a interdição deste teatro do absurdo não é de sua conta, será doravante cúmplice em suas cenas e consequências. No meio do caminho tinha uma queda. Aliás, duas quedas. Permita-me, imortal Drummond, tomar-lhe emprestado mais um verso, pelo que pagarei com outros. Nunca me esquecerei deste acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas.

v.2
14/10/02



Para o poeta Carlos Drummond de Andrade, em pagamento pelo uso de versos seus no artigo "No meio do caminho tinha uma Queda"
 

Estátuas de Sal

14/12/02

Quarenta e um mil votos negativos.
Eis, nos bits, sinal de pecado
sobre o qual calastes.
De que números falastes?

Dos que contam a vontade
do povo, nos dizes. Mas
que, dos bits, só emergem
sob múltiplos véus.

Bits que vivem em custódia
Com os donos da paródia
No mundo eterno de Platão
Onde o saber acolhe ilusão

Ao genitor não é dado tocá-los
Auscultá-los, medi-los, contá-los.
Cercá-los daqueles cuidados
de pai e mãe, nos privam.

Assim, vestais e seus bits
Conspurcam-se nos telões.
Para o povo explicações
da aritmética, formatam.

Os que viram o pecado
E do sinal se calaram
Rendendo-se ao silêncio
dos adúlteros, trampeam.

E os que dele só viram rastro
Preferindo descrer do nefasto
Eis qu'ma flor ingênua colhem
Para o túmulo da cidadania.


Reescrito em 12/1/03


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Debate no meio do caminho: 
"Tinha uma Queda?"

Em decorrência da publicação do artigo acima, os questionamentos mais frequentes recebidos pelo autor foram anonimizados e postados abaixo, em ordem aproximadamente cronológica

Prof. Pedro Antonio Dourado de Rezende
Departamento de Ciência da Computação
Universidade de Brasília
Outubro de 2002



Em Reforço:
Seu artigo expressa com clareza e propriedade aspectos cruciais da eleição informatizada. Acompanhei a parte inicial do desenrolar das apurações e pude perceber que os percentuais dos votos para Lula e Serra permeneceram estáveis durante todo o tempo, o que muito me surpreendeu. É de se notar que, diversamente, os percentuais de candidatos a governadores variaram no decorrer das totalizações. De qualquer forma, como a probabilidade desta estabilidade ocorrer é pequena, deveria a imprensa se debruçar sobre a hipótese, o que, infelizmente, não aconteceu.
Certamente este é mais um indício preocupante de que pode ter havido manipulação nesta totalização secreta. O bloqueio total à fiscalização da totalização afronta diretamente o artigo 66 da lei 9.504/97. Porém, o poder que deveria julgar esta infração é o próprio poder infrator.


Alerta do professor Jorge Stolfi da Unicamp


 

Em Contestação:

O senhor questiona a votação eletrônica
Não questiono a votação eletrônica em si. Questiono a forma como foi regulamentada, executada e aceita pela sociedade. Questiono a credulidade coletiva diante da forma imprópria em que foi-nos imposta, cerceados os direitos dos partidos à fiscalização, uma das pernas do tripé que sustenta a democracia, o processo eleitoral. Não se deve aceitar a amputação da perna da fiscalização a pretexto de se facilitar e se agilizar as outras duas pernas, a da votação e da apuração.
E discute possiveis "falhas" ligadas a especificação semântica da linguagem e do compilador utilizado.
Nenhuma especificação semântica de linguagem de programação pode ser completa, pela indecidibilidade do problema da parada e segundo a tese de Church, ou pelo teorema de incompletude de Gödel. A ambiguidade de especificação que escolhi comentar, documentada por Kernigan & Richie, permite exemplificar uma possibilidade onde a troca de dois caracteres poderia causar efeitos indesejados dependendo do compilador.
Mas, se tudo o que o senhor afirma sobre os "buracos" na seguranca do sistema são verdade, o "hacker" nao precisaria ser tao sofisticado pra fraudar o sistema, era só mexer antes, na transmissão dos dados.
Acontece que quem pode estar querendo fraudar pode também estar querendo controlar os pontos onde outros possam também fraudar. Quanto mais de cima vier a intenção, mais abrangente procurará ser este controle.
Alem disso, num sistema totalizador, aonde caberia uma expressao x-=x/20? Não seriam mais comuns expressoes do tipo x++ ou x=x+y?
Não caberia no sistema totalizador. Caberia na burla necessária para mexer nos votos totalizados, para consecução da fraude. A burla seria montada para funcionar sem deixar vestígios, com os votos subtraídos do Lula somados em algum outro lugar para fechar a conta, mas o "erro de digitação" teria causado efeito contrário, de errar na totalização e exibir-se no lugar, ao fazê-lo.

O senhor nos dá uma possivel explicação para os 41.000 votos negativos encaminhados para Lula. E se entre o telão e as maquinas do TSE houvesse um pequeno programinha, independente da apuração, para puxar os dados e encaminha-los para o publico? O bug não poderia estar neste programa? Nao seria uma explicacao possivel? (O TSE nao diz nada, estou conjecturando.)
Não entendo esta conjectura, pois não apresenta objetivo crível. Senão vejamos. O telão era do TSE, estava montado no TSE, ligado à rede de apuração do TSE, num ambiente que estava bloqueado a qualquer fiscal de partido, acessível apenas a pessoas que só tinham obrigação de se identificar para os supervisores do TSE. Sua conjectura levanta a possibilidade de algum programa estar rodando de lá de dentro, mostrando no telão do TSE algo que todos ali assistindo acreditassem ser a apuração verdadeira, mas que fosse "independente da apuração". Se este programinha quer apenas mostrar os dados verdadeiros, "puxar os dados e encaminhá-los para o público", não tem que fazer operação aritmética nenhuma.

E como disse no artigo, aquele valor negativo não tem nada a ver com coisas do tipo negrito e CAIXA ALTA, relativos à formatação, mas com operação aritmética de subtração. Qualquer outra explicação é balela para leigo crédulo e ingênuo, pois os votos de Lula já ultrapassavam, de muito, os 41.000 no momento do incidente. Se o tal programa vai mostrar dados submetidos a subtrações, estaria então inventando valores no telão, onde se presumia estar sendo mostrada a apuração verdadeira, o que já seria, em si, uma fraude. Se este programa embusteiro tivesse um bug, seria a pior tragédia possível para o criminoso digital.

E se ele já estivesse cometendo um crime de fraude no painel, o que o impediria de cometê-lo também na fonte de dados do painel? Qual das duas fraudes seria mais vantajosa para alguem que estivesse, digamos, fazendo aquelas subtrações a mando ou por dinheiro? E se vai fazer uma delas, não seria melhor fazer as duas, para ter chances de que sua burla não seja percebida? Se o sentido da conjectura é jogar ao espaço a possibilidade de indentificação do crime e do autor, do responsável por esse suposto programa embusteiro, as próprias condições em que se deram a totalização, descritas acima, já respondem à esta questão. Não há como se fugir dos fatos.


Apesar de saber da possibilidade, a maioria se nega a acreditar que em uma democracia coisas assim possam acontecer.
E quem disse que vivemos numa democracia, não numa ditadura do capital fantasiada de democracia? Os trabalhos da 1a. Conferência Internacional de Direito na Internet e na Informática, realizada em São Paulo em 6 e 7 de Novembro de 2000, promovida pelo Bradesco, foram gravados em vídeo. Neste registro pode ser encontrado a fala do atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral no ato de encerramento da mesa que presidiu, que poderia iluminar a questão sobre a natureza da nossa democracia. Aqui, estamos tratando do mesmo sentimento considerado normal no luto, no diagnóstico de doença fatal, numa separação conjugal. De se negar a crer que a morte está acontecendo. É o medo irracional da morte. De um ente querido, de si, de uma relação. Aqui, da democracia. Da democracia com a qual achamos que estamos casados. Recusa-se a acreditar, sob o pretexto de que ninguém vê o algoz.

O texto é grande e chato.
O artigo é longo e confuso
Ao ser-me dada a oportunidade de analisar nosso processo eleitoral, e ao fazê-lo, ver-me obrigado a levantar suspeitas e acusações, preferiria que os leitores pudessem decidir se acreditam ou não no que digo baseados no meu raciocínio, e não nas minhas credenciais. Aliás, o grande problema com o nosso sistema é a crença, difundida pela grande mídia, de que a sociedade deve aceitar um sistema eleitoral cuja segurança só pode ser avaliada por especialistas, sob o pretexto de se tratar de um sistema informatizado. O mais intrigante nisto tudo é o aval dos donos do sistema a esta crença perniciosa. Eleição é assunto sério e o legislador sabia disso, ao inscrever na lei eleitoral o direito fiscalizatório da sociedade sobre os seus mecanismos. Esta lei está em pleno vigor, apesar de vir sendo sistematicamente violada pelo poder executor do processo, que por sinal, é o mesmo poder encarregado de normatizar e julgar esta execução.

Enquanto não acontece uma catástrofe, a mídia que alimenta esta crença limita-se a divulgar afirmações categóricas das autoridades eleitorais, sem se preocupar em expor ou criticar a lógica dessas afirmações, desdenhando ou rotulando de paranóicos os que contestam. Como se a justiça eleitoral fosse, nos dizeres do sociólogo e professor Gilberto Felisberto de Vasconcelos em matéria da revista "Caros Amigos" deste mes, uma casa santa frequentada por carmelitas descalças, e como se a inteligência do leitor precisasse ser eclipsada pela pasteurização da notícia, tornada espetáculo. E quando uma catástrofe acontece, joga-se uns contra os outros. Mas um editor independente que publica em bits não precisa pasteurizar notícias ou obedecer ordens editoriais que apenas agravam o quadro de desinformação geral na sociedade do espetáculo. Como por exemplo, a de atender a expectativas de leitores habituados a consumir a notícia como se consome leite em caixinha.

A minha autoridade nesse assunto não será nunca maior que a das autoridades eleitorais. Neste artigo cheguei às conclusões que cheguei apenas observando os sinais externos, sem precisar me debruçar, com meu conhecimento de especialista, sobre o sistema que se desaranjou. Minha experiência me valeu apenas para selecionar o que julguei serem indícios importantes de irregularidades entre os sinais observáveis. E, tendo-os garimpado, ofereci aos leitores, junto com o fio condutor da lógica que os estaria costurando nos fatos. Esses leitores podem chegar à mesma conclusão lógica a que cheguei, faltando-lhes talvez o grau de convicção que, saindo de mim, possa talvez parecer mais forte. Como quando digo que atribuir os 41 mil votos negativos de Lula a erro de formatação não significa nada. Digo-o porque os votos de Lula ultrpassavam, naquele momento, em várias ordens de grandeza os 41 mil votos, apontando a origem daquele indevido sinal negativo a uma operação de subtração.

Porém, quando apenas frases bombásticas são esperadas ou divulgadas, realimenta-se com isso o círculo vicioso: dá-se às autoridades eleitorais a oportunidade para inventarem uma outra esoterice qualquer para rebatê-las, esoterice que, apesar de descolada de qualquer dedução lógica quer na sua concepção ou na sua divulgação, tenderá a ser aceita socialmente pelo argumento de autoridade. O ciclo se repete, permitindo-lhes perpetuamente justificar suas trapalhadas, incompetências e abusos de poder, e reafirmar os rótulos de paranóico e conspiracionista que reservam aos críticos como eu, deixando o eleitor perpetuamente confuso sobre quem tem razão nesta questão.

Esta atitude comum na imprensa, de achar que o eleitor não merece ser alimentado com substância não pasteurizada para o seu raciocínio lógico, ou de que é frívolo, superficial ou boçal demais para julgá-los importantes em notícias como a da pane dos votos negativos de Lula, só porque a notícia é assunto ligado à informática e informática é assunto de especialistas, está, a meu ver, relacionada com o fato de termos chegado nesta situação absurda a que chegamos, onde a sociedade investe seus processos representativos em um sistema cuja norma e prática de operação o faz totalmente infiscalizável, acreditando faltar nele "só alguns pequenos ajustes". Não são ajustes que faltam ao sistema. São atitudes que faltam aos eleitores, como eleitores que somos eu e voce, caro leitor!  Se o artigo está grande, chato, longo, ou confuso, , escreva você mesmo um artigo com conteúdo informativo equivalente e melhores qualidades literárias, citando-me como fonte. Se o fizer, como fez o professor Jorge Stolfi da Unicamp, em alerta distribuído em 21/10, estará contribuindo para a sobrevivência da cidadania com seus dotes e contando com a minha colaboração para divulgar sua opinião.


Como o senhor responde às pessoas que afirmam que as suspeitas levantadas não passam de "teoria conspiratória", paranóia ou ficção científica?
Pois a revolução digital não é justamente o embaralhamento da ficção científica com a realidade? Temos que começar entendendo a natureza das minhas opiniões. Sou um profissional da segurança computacional. Se sou pago para opinar sobre um assunto, ou se o faço por iniciativa própria, como no caso, por temor pelo futuro da cidadania, a recepção será diferente. Isto é natural, e para mim indiferente. Já recusei propostas de consultoria pagas para ter tempo de analisar, escrever e publicar, por iniciativa própria, sobre o nosso sistema eleitoral. No estudo da segurança, qualquer segurança, risco costuma ser calculado como estimativa do valor de perda multiplicado pela probabiliade de ocorrência. A experiência mostra, fartamente, que a impunidade está diretamente associada a esta probabilidade, estando tal experiência consagrada na filosofia do Direito.

Em decorrência, as qualidades mais precisas que consigo encontrar na língua portuguesa para quem não vê, ou não quer enxergar, relação entre impunidade e risco de fraude, e que não conotem juízo de valor, são a ingenuidade, a credulidade, e a boçalidade, palavra esta que aqui não busca denotar ofensa, mas uma qualidade psicológica formada pela combinação de pouca inteligência e pouca cultura. Quem paga para ouvir estará mais propenso a aceitar isto, do que quem se sente por isto gratuitamente agredido em sua intimidade.

Quem oferece este tipo de crítica às minhas opiniões, geralmente já decidiu expressar publicamente sua crença taxativa e catégorica na inexistência do tipo de irregularidade sobre a qual estou, justamente, a mostrar ser de comprovação impossível. Nada que tenha a ver com o sistema informatizado em si, mas com as normas e procedimentos para seu uso. No caso do sistema eleitoral, decorre desta impossibilidade de comprovação a impunidade para a eventual ocorrência de fraude de origem interna, agravada pelo fato da admissibilidade da prova ter necessariamente que contar com o anuência do acusado, sendo este, no caso, o próprio julgador. Pois, no nosso sistema eleitoral, é o mesmo Poder que normatiza, executa e julga seus processos.

As imputações de fantasia paranóica à análise de risco que ofereço voluntariamente vem, assim, de quem prefere expressar sua credulidade e crença na honestidade intríneseca dos que manipulam o sistema eleitoral, já que a extrínseca não nos está acessível, fato que preferem não questionar, dele se desviando com argumentos psico-sociais, e não técnicos. Agem como se o TSE fosse, como diz o sociólogo e professor Gilberto Felisberto de Vasconcelos em matéria da revista "Caros Amigos" deste mes, uma casa santa frequentada por carmelitas descalças. Este sofismar é compreensível, exceto entre os profissionais computatas, meus colegas. Quem conhece a teoria da computação deve saber que tal postura não tem fundamento lógico, em decorrência do primeiro teorema de incompletude de Göedel, provando que a impossibilidade de se demonstrar a validade de um construto semântico através de um sistema formal não-minimal não implica na falsidade do construto.

É claro que se esses críticos vierem a nos justificar suas crenças, a qualificação que estaria aqui lhes reservando se esvaziaria, naturalmente. E se isso vier a ocorrer, creio que o mal entendido deva ser atribuido mais aos seus laconismos dogmáticos em assunto tão delicado, do que à minha agressividade falastrã em assunto que não conheço em suficiência para opinar. Porém, se a crença oposta vier a ser verdadeira, estas críticas às minhas análises podem tomar a aparência de estarem motivadas para induzir a opinião pública à ingenuidade, à credulidade e à boçalidade, o que poderia atrair suspeitas de cumplicidade com os que estariam se loclupetando desta indução.

Um poder absoluto, sem tranparência, é obscurantista. Se os críticos duvidassem dos fatos que narro ao oferecer essas análises, fatos que justificam a qualificação de obscurantismo na condução do processo eleitoral em tela, poderiam ter me pedido provas, que tenho o cuidado de guardar. Mas não me pedem. Se duvidassem da possiblidade de fraude, não admitiriam acreditar ser o sistema teoricamente vulnerável, como geralmente fazem para não parecerem hipócritas ou tolos demais. Mas o que fazem, na mesma tacada, é duvidar da ocorrência de fraude, embora não disputem os fatos que implicam na indemonstabilidade de possíveis ocorrências.

A indemonstabilidade das possíveis fraudes de origem interna, e a passividade ou medo irracional da sociedade diante deste grave quadro, especialmente da grande imprensa e da grande maioria dos meus colegas, são as únicas acusações que faço. Tudo o mais são fatos, cuja documentação tenho disponível para quem quiser averiguar, e análises de possibilidades, que possam justificar ou explicar ou comparar ou conectar esses fatos.

O meu é o exercício necessário a quem se julga no dever cívico de oferecer à sociedade sua contribuição naquilo que sabe fazer, no caso, analisar riscos ligados à informática. Quem discorda das análises por mim apresentadas poderia contribuir para o debate, e para a defesa da cidadania, apresentando métricas alternativas para avaliação dos riscos, riscos sobre cuja existência se possa concordar e métricas que desqualifiquem as que apresento. Ignorá-las, descartá-las ou atacá-las por meio de sofismas ou psicologismos, pela via dogmática ou casuística, creio não ser nem sábio nem prudente. A quem queira divulgar métricas alternativas, ofereço o mesmo espaço virtual onde publico minhas análises.

Também creio não cair sobre minhas análises o ônus da prova de que tenha havido fraude, pois, repito, as únicas acusações que tenho feito são justamente a da impossibilidade do cumprimento deste ônus, caso se pretenda oferecer a acusação de fraude em si, e a aceitação coletiva desta situação absurda, pela via da passividade e do medo irracional coletivos.

Só pelos próprios tropeços de quem acumula excessivos poderes e privilégios é que alguma fraude neste nosso sistema eleitoral atual viria à tona. E se isso vier a ocorrer, só o perceberia quem não repele o silogismo de que a possibilidade de ocorrência pode conviver com ocorrências. Ou seja, só vê quem quer enxergar. E o medo é uma grande força repelente, podendo suplantar o brio e outros valores morais considerados mais nobres, principalmente para um eventual acusado que esteja, ao mesmo tempo, na posição de juiz da própria causa.


Reconheço que os argumentos empregados sobre o compilador são amplamente válidos mas uma das notas levantadas no final de seu artigo e que foram respondidas de forma descompromissada pelo senhor não levam em consideração o fato que citarei abaixo.Naquela nota o autor coloca se existia um sistema externo lendo a apuração do TSE e enviando ao telão!
Depende do que vc quer chamar de externo. Externo em relação ao que vai estar valendo depois de amanhã, como resultado oficial? Certamente o sistema do telão não era externo ao controle e responsabilidade de quem totalizava, o mesmo Poder que vai dizer o que vale depois de amanhã. E o que vai ele dizer depois de amanhã, se você acha natural haverem duas contagens discrepantes, uma "externa" e outra "interna"? Que o telão estava errado e a contagem interna -- secreta mas agora revelada -- é que está certa, como no caso da eleição no DF? Ou ele vai dizer e disdizer vice-versa outra vez?
Bem, se o sistema de apuração precisa de certa segurança e cautela para operar, ele deve registrar a totalização em uma base de dados que deverá ser consultada e mostrada em tela. Essa operação deve ser um processo batch que atualiza o banco com as informações lidas. Para informar os partidos e a imprensa deve existir uma tela específica para se consultar esse votos e dessa maneira mostrar os resultados a quem interessar. O erro então como explicado, pode estar na formatação, que diferente do modo como foi explicado pelos senhores, não é apenas negrito ou tamanho de fonte.
Então explique-me que formatação seria esta? A única operação que poderia ser considerada, com alguma liberalidade no uso do termo, formatação de dados gerados por código C, capaz de transformar um milhão de votos em menos 41 mil, é o casting (ou "moldagem", considerando-se o overflow como um caso especial de casting no qual os tipos inicial e final são os mesmos). Por que então ELES não explicaram ou explicam o que exatamente aconteceu, deixando a tarefa na mão e na boca de pessoas de boa vontade, boa índole, boa fé, boa imaginação, etc., como você, mas que só tem como matéria prima a especulação e a atitude, como eu? A diferença entre nós é de atitude, e a especulação caminha na direção da atitude. A minha atitude é de quem não se conforma em ver a cidadania ir pelo ralo.
E se por algum motivo o tipo da variavel utilizada era por exemplo um int ao inves de um long int e a linguagem/compilador utilizado tem um limite para a varivel de int não suficiente para contabilizar o volume de votos que o Lula tinha atingido.Dessa maneira ao dar overflow, sabemos muito bem que estouros deste tipo geram numeros negativos , totalmente diferentes dos numeros que estavam sequenciais. Logo explicaria o erro de formatação.
Até onde sei, overflow inesperado é erro de programação, não é erro de formatação. Mesmo considerando, assumindo que o incidente tenha sido causado por overflow, a sua generosidade linguística para com as carmelitas descalças que possam ter frequentado a casa santa onde foram totalizados os votos presidenciais, (seus nomes são protegidos pelo sigilo, por segurança!) gostaria que refletisse sobre os possíveis "alguns motivos" para as escolhas que voce nos descortina na sua hipótese. Todos sabiam que os votos para presidente estariam no faixa da centena dos milhões. Todo programador competente sabe que o padrão C para tamanho de inteiros é 2 (short necessariamente) ou 4 bytes (long necessariamente), com o int podendo ser 2 ou 4, a critério do autor do compilador, conforme está definido no documento da linguagem.

Se o problema por trás do incidente fosse a escolha pelo tipo int, que estaria sendo traduzido em linguagem de maquina para inteiro assinalado (2-complemento) de 2 bytes, você pode ter certeza que o erro apareceria no exame de código fonte, nos testes, nas simulações ou na totalização bem mais cedo, quando o número de urnas apuradas estivesse em torno das centenas, menos de 0,1% dos votos apurados (faça as contas!), o que não foi o caso: a pane foi bem depois. Mas, para o bem do debate, vamos considerar que isto possa ter ocorrido. Antes, porém, vamos examinar a hipótese do "overflow" ter ocorrido por outro motivo.

Um "overflow indireto" só acredito possível por meio de casting. Neste caso, o dado sendo forçado em outro tipo é um inteiro que cabe perfeitamente em 4 bytes (menor que 2 bilhões). Uma tal operação só poderia justificar-se pela necessidade de se submeter o total de votos a algum filtro implementado por método privado, considerando o caso da truncagem um "metodo privado virtual". Mas um tal filtro nesse contexto só faria sentido para esconder alguma "mexida" no dado. Isto é, alguma burla. À exceção da truncagem, seria armada num método privado da classe ou tipo-destino, definida numa biblioteca qualquer de um compilador "guaribado", preparado especialmente para a compilação do software totalizador e/ou exibidor (ou o que seja), fazendo com que a burla fraudante ficasse, assim, bem distante do código-fonte do programa totalizador e/ou exibidor, etc.

Doutra parte, caso o programa exibidor, diferentemente do totalizador, tivesse sido omitido da apresentação aos partidos e escrito noutra linguagem, que linguagem é essa que não contempla tipo inteiro de 4 bytes, mas que gera código para a plataforma de hardware/SO da urna, para justificar um casting de totais de votos envolvendo método privado? Eu, que ensino compiladores, linguagens de programação e linguagens formais há muitos anos, além de criptografia e segurança de dados, desconheço uma tal linguagem. Voce conhece?

Doutra feita, estaria voce falando a sério da possibilidade de overflow? Voce quer que eu leve a sério a hipótese de algum programador ter acreditado, ou deixado passar despercebida a hipótese implícita numa escolha de tipo de variável, num sistema de altissimo risco como esse, sistema que ganhou todos aqueles adjetivos da comissão bãbãbã da Unicamp, que os votos do candidato 13 não ultrapassariam 64 mil (limite do short int em C) ou estourariam 2 bilhoes (limite do long int em C), para que esse programador evitasse, em boa fé, o óbvio tipo unsigned com seus velhos e imutáveis 4 bytes, ao definir a variável armazenadora do total dos votos desse candidato? Ou voce quer que eu acredite que, mesmo todos sabendo de cor a ordem de grandeza dos valores esperados na apuração, não só programadores mas também eleitores e candidatos, todo mundo tenha de repente dela se esquecido na hora de programar, avaliar, testar, etc. o programa?

Ou que um casting injustificado para uma classe desconhecida passaria batido por quem quisesse validar o programa, e que, ao invés de fraude, o que esta classe estaria fazendo com seu misterioso método privado é apenas alguma coisinha sem importância, que de repente começou a feder mas que foi rapidamente corrigida na unha (em assembler), em dez minutos? Ou que, encontrado e corrigido o erro no tal método privado misterioso (o que faz alguma coisinha sem importância nos votos), a biblioteca misteriosa foi recompilada, tudo foi relinkado corretamente e posto a funcionar perfeitamente, em dez minutos (tempo que o painel levou para se recuperar da pane)? Não tendo ELES conseguido fazer isso em um dia e uma noite, durante a primeira apresentação dos programas aos fiscais de partido, mesmo sem nenhum erro de código C a ser corrigido? Tudo bem, vamos lhe conceder que isto seja uma hipótese viável. E qual seria então a probabilidade desta hipótese ter ocorrido?

Não creio que esta hipótese seja mais provavel do que morrermos eu e voce, no mesmo dia, com uma queda de diferentes meteoros flamejantes sobre nossas cabeças. Só o fato de estarmos a especular sobre isso, por falta de informação detalhada e crível, falta decorrente do cerceamento do direito de fiscalização dos potenciais interessados e prejudicados, direito lavrado em lei, lei acintosamente desrespeitada pelo poder absolutista que deveria cumprir e faze-la ser cumprida, é a nossa tragédia. O resto é hipocrisia.

Se cai um avião e a companhia aérea anuncia: "foi apenas um erro de formatação do piloto, levando o painel do desembarque do aeroporto a mostrar menos cinco passageiros desembarcados" (morreram cinco que estavam no chão no local da queda). "Quem estiver esperando algum passageiro pode então ir para casa, ou aguardar o vôo de amanhã, quando o painel estará exibindo uma versão atualizada do número de passageiros a desembarcar, versão que coincidirá direitinho com o número de passageiros embarcados". Voce iria se satisfazer com uma tal explicação para o acidente se estivesse esperando um parente, ou iria achar que a explicação é empulhação? Meu parente se chama cidadania e estava neste avião. Se ela não é seu parente, o melífluo desfile da sua hipótese por minhas retinas tão fatigadas pode até lhe parecer bonitinho, mas para mim é ofensivo.

Por que vc não leva suas hipóteses às suas consequências óbivas, antes de brandi-las como alternativa viável àquelas que corremos o risco de trazer a público? Não acho que seja prudente querer nivelar a espectativa da sociedade pelo respeito coletivo aos valores da cidadania, com os padrões de qualidade que voce parece estar habituado e conformado nos seus produtos e serviços de informática.

Note que o erro neste caso é apenas no sistema externo, na casca que faz a leitura e não no totalizador. O fato dos telões estarem ligados a rede do TSE não significam dizer que os sistemas são os mesmos, mesmo porque se o refresh for dado voto a voto a totalização ficaria muito mais demorada.
Não disse que os sistemas são os mesmos nem que deveriam ser. O que disse, e repito, foram duas outras coisas. Que as pessoas responsáveis pelos sistemas, caso sejam mais de um os sistemas, são indistinguivelmente as mesmas, e que este sistema "casca" (o de exibição), se existir independentemente do totalizador, não teria que estar fazendo conta nenhuma, muito menos metendo registros de bancos de dados em variáveis de tipo objeto-opaco ou objeto-esotérico. E que se estão fazendo isto escondido do que foi mostrado aos partidos, na intimidade inviolável daquele ambiente de totalização, o que mais poderiam estar fazendo, sabendo que seus verdadeiros feitos nunca poderão vir a ser conhecidos por nós, aqui de fora, com certeza?

Se a metáfora do avião não lhe sensibiliza, vou tentar outra. Se voce chega de surpresa em casa e percebe que alguém está no quarto com sua mulher, olha no buraco da fechadura e vê os dois se despindo e começando a se beijar, e depois voce não vê mais nada porque o rapaz pendura a calça na maçaneta, será que vai ficar conjecturando sobre todas as possíveis e imagináveis hipóteses para a próxima cena interna à sua alcova, dando igual probabilidade a todas?

Uma coisa é manutenção de consistencia de cópias de tabelas de bancos de dados, outra coisa é interface de exibição. Uma coisa é sua esposa vestida abraçar alguém numa festa, outra coisa é outra coisa. Não creio que os 41 mil votos negativos tenham sido produzidos por programa apresentado aos partidos em Setembro, quando todo mundo estava na festa vestido. Porém, aos partidos foi negado o direito de saber se o que estava ali rodando é o mesmo que lhes havia sido mostrado na festa. Taparam o buraco da fechadura, e voce fica aí conjecturando que formatação inocente pode ter sido essa, tendo visto 41 mil votos peladinhos da silva. Empenhar-se com hipóteses deste jaez, em meio a tanta hipocrisia e achincalhe à cidadania, é algo que só encontra explicação na esfera psicológica, como já comentei antes.

O refresh não é nem poderia ser feito voto a voto. Nem insinuei isso, nem vimos isso nos telões. Não seria útil inventar esoterices para interpretar o que eu disse. O refresh não pode ser dado voto a voto pela simples razão de que a entrada de dados da totalização é por BU, e cada BU já traz apurado os totais de votos de uma dada urna. Só faz sentido regular a frequencia de refresh do telão com base em parâmetros de balanceamento de carga. Não há nada que possa justificar operações aritméticas ou de casting na "casca" da interface de consulta, muito menos operações de subtração, por mais fértil que seja sua imaginação ou por mais simpáticas que lhes pareçam as carmelitas descalças.

O processo era executado urna a urna ou periodicamente conforme a apuração ia prosseguindo. Apenas ressalto o fato que não estou cético quanto a possibilidade de fraudes deste tipo terem ocorrido , ou até mesmo outros tipos, mas acredito que o fator dos votos negativos não é um destes meios.
O fator dos votos negativos não é meio de fraude, e nunca disse isso. É indicio de subtração, não havendo explicação alternativa crível que não mergulhe na hipocrisia. O fator negativo indica que a subtração errou a mão, qualquer que tenha sido seu ohjetivo. Como objetivo legítimo não pode haver, pois subtração em votos é fraude, temos o indício, mas não a prova nem o meio. O meio é o acesso e a instrução de subtração correta (para que a fraude se revele apenas como conjectura em s/analise_setup.htmleu efeito final), executada sobre o dado correto, no momento correto, seguida de uma correspondente operação de soma noutro lugar, para fechar a consistencia do banco de dados. E a prova é o código executável, na plataforma do crime preservada. Mas a prova estaria de posse apenas do réu, e é facilmente desmaterializável.

No mais, não acho sensato especular com hipocrisia num momento tão grave como este.