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Estabilidade versus Eficiência

Publicado na coluna Segurança, Bits & Cia do Jornal do Commercio em 16/05/02

Prof. Pedro Antonio Dourado de Rezende
Departamento de Ciência da Computação
Universidade de Brasilia
14 de Março de 2002


Reiterados conselhos ouvimos dos czares da economia brasileira aos presidencáveis, para que tornem claras suas propostas de política econômica, em defesa da estabilidade. Isso poderia acalmar o mercado. José Serra chegou a nos lembrar que um deles já se manifestou contra a lei de responsabilidade fiscal, e outro contra as metas inflacionárias.

O apelo é interessante. Insinua que a proposta de política econômica governista é clara e não assusta o mercado. E o eleitor? Não o assusta ver esta estabilidade refém de vários déficits, esquecidos nesses conselhos? Não posso julgar, mas posso testemunhar o meu susto com a face desta política voltada para a minha especialidade, a informática e a segurança nela fundada.

Para um país emergente, nada mais estratégico nesta área do que a conjugação de independência tecnológica e controle orçamentário. O partido que hoje lidera as pesquisas apresentou, em 1999, projeto de lei que prioriza, para a administração pública, o modelo de negócio de sofwares centrado nesses valores. A indústria mais monopolizante da história, que há vinte anos vem explorando um modelo clássico de produção e comercialização adaptado ao software, amealhou com isso excessivo poder. Apesar de ter assim contribuído para a revolução digital, tal modelo já esgotou sua capacidade de fazê-lo com qualidade. Esse poder, hoje guiado a perpetuar esta exploração a um custo social inegavelmente inflacionário, requer contrapesos.

A lei daria preferência à escolha de softwares livres, cujo licenciamento não gera custos sociais na forma de dependência tecnológica, semiológica ou de barreiras econômicas, mas proteje e perpetua o livre acesso e o controle social sobre a evolução de sua lógica e dos formatos e pardrões digitais dos documentos e transações gerados. O governo brasileiro gasta hoje, só com licenças de sistemas que têm equivalentes livres de maior estabilidade e licenciamento a custo zero, mais de 1 bilhão de dolares anuais. É o item da balança de pagamentos que mais cresce.

Na comissão de Ciência e Tecnologia foi designado relator do projeto o deputado Nárcio Rodrigues, PSDB-MG, que o enfiou nalguma gaveta onde está até hoje. Enquanto isso, em países onde iniciativas semelhantes surgiram, como Alemanha, França, China, alguns escandinavos e até o Peru, o debate em torno da defesa da autonomia do Estado e das liberdades digitais vem crescendo. Nesse debate, as falácias oferecidas pelos defensores do status quo se esboroam, uma a uma.

Primeiro, o argumento de que software livre é coisa de amador. Resultados desmentem. Eles deram partida na internet. Depois, que o software livre é inseguro. Ao contrário. Livre acesso a formatos e padrões digitais nada tem a ver com devassidão ou falta de privacidade, e tudo a ver com auditabilidade do software, transparência de intenções do produtor, e liberdade para quem quiser corrigir o que nele considere falho ou perigoso. Alguém já ouviu falar de vírus no Linux? Depois, que o custo da migração e os riscos de incompatibilidade não compensam, ou que a opção pelo software livre inibe a atividade econômica e a produção intelectual. A de quem, mesmo? Resvala-se assim para a lógica dos viciados em drogas que racionalizam sua dependência. Como a Argentina e sua estável e louvada paridade cambial.

Entrementes, há sinais de que o ministério do planejamento negocia novas formas de licença com o maior desses monopólios. O governo brasileiro teria que pagar por sua dependência em anuidades cujo montante lhe será oportunamente comunicado. Talvez este ministério também não precise de recados de quem quer que seja, mas vale lembrar. Tais licenças são contratos, pois implicam em obrigações para o licenciado. Contratar nesses termos, em nome do Estado, com uma ré, em cujos autos de condenação por práticas monopolistas predatórias há um email do presidente lembrando aos diretores que a empresa não está no negócio de consertar falhas de software, mas no de produzir novas funcionalidades, é, no mínimo, suspeito. A lei de responsabilidade fiscal continuará vigindo se o PT vencer. E se, apesar das urnas, vencer, claramente se interessará pela sua aplicabilidade nesse tipo de negociação.