Um Relato sobre atividades do GISI
Prof. Pedro Antonio Dourado de Rezende
Representante do Instituto Brasileiro de Direito e Política de Informática - IBDI
Brasilia, 2 de Novembro de 2005
Introdução
O Grupo Interministerial de Sociedade da Informação,
GISI, é formado por representantes do governo, de setores
empresariais e da sociedade civil, para assessorar o Itamaraty na
formulação e condução da política
externa brasileira em assuntos pertinentes ao tema.
Coordenado pela SGET/DCT do Itamaraty, o GISI
abriga subgrupos de trabalho, dentre os quais o subgrupo sobre
governaça na Internet, GT-gov, bem ativo nas
negociações preparatórias para a cúpula
mundial da Sociedade da Informação, que a ONU
realizará entre 18 e 21 Novembro de 2005, na Tunísia. O
objetivo dessa cúpula, citada pela sigla WSIS, seria o de
produzir algo equivalente a uma declaração universal dos
direitos humanos na era digital.
Este relato visa a divulgar as recentes atividades do GISI, a partir da
reunião de 9 de Agosto de 2005. Tal reunião destinava-se
a subsidiar o Itamaraty para a terceira rodada preparatória à
WSIS, a Prepcom III, também organizada pela ONU, realizada entre 17 e 19
de Setembro em Genebra. Na reunião de 9.8.05 o subgrupo de
governança na internet (GT-gov) apresentou seu parecer sobre as
atividades do WGIG.
O WGIG é um grupo de próceres que o secretário
geral da ONU convidou para elaborar recomendações
técnicas sobre governança na Internet, como
subsídio a deliberações com vistas à WSIS.
O GT-gov havia participado da discussão e
elaboração do relatório WGIG, disponivel em http://www.wgig.org (em ingles, frances espanhol, etc).
9.8.05
A reunião de 9.8.05 começou com o secretário
do
Itamaraty, que participara das reuniões do WGIG e das rodadas
Prepcom,
destacando que o relatório WGIG bem contempla os pilares da
posição oficial brasileira sobre governança na
Internet: uma governança que seja multilateral, trasparente e
demorcrática.
Depois, o representante de uma associação de ONGs, do
terceiro setor brasileiro no GT-Gov e nas reuniões do WGIG e
Prepcom, opinou que a maior conquista da posição
brasileira no WGIG teria sido a proposta de criação de um
fórum global e permanente de discussão dos problemas e
desafios de governança na internet, constante do § 48 do
relatório WGIG. Informou também que foi demandado ao WGIG,
de última hora, que o relatório incluísse
opções de modelos de governança (para os
países membros), e que por isso os 4 modelos incluídos
no relatório são precários.
Em seguida o representante da Anatel nesses grupos e rodadas
ressaltou, como ponto positivo do relatório WGIG (em http://www.wgig.org), a
definição de governança: "útil e simples". O grupo
WGIG havia antes produzido um relatório preliminar, bem mais
aprofundado, onde as recomendações do relatório
final
são tecnicamente justificadas. O WGIG decidiu pela necessidade
de resumir aquele documento preliminar para tornar viável a sua
negociação e tradução a um documento em
linguagem política, processo que deveria ocorrer no Prepcom III.
Também avaliou como importante a recomendação do
forum gobal e permanente sobre governança, destacando que sua
formação, por representantes de governos, empresas e
terceiro setor, está sugerida nos § 29-34 do
relatório WGIG, com papéis e organização
controlados através de algum mecanismo de "oversight", ligado
à ONU, conforme recomendado nos § 40-47. A
contribuição do Brasil nos trabalhos do WGIG foi
grandemente impulsionada pela afinidade de posições e
cooperação com a grande maioria dos representantes
nacionais e supranacionais do terceiro setor.
De minha parte, registrei que a afinidade da atual
posição
brasileira com o terceiro setor também se dá globalmente
em outros foruns
temáticos da sociedade da informação, como por
exemplo, no âmbito da OMPI, conforme os desdobramentos do
encaminhamento da proposta Brasileira-Argentina de uma
agenda desenvolvimentista para reforma da OMPI (vide, por exemplo, http://www.cptech.org/ip/wipo/da.html).
Os modelos de governança incluídos de última hora
ao final do relatório WGIG foram apresentados pela
Arábia Saudita e Cuba (modelo 1), pela União
Européia (modelo 2) e pela África do Sul (modelo 4),
sendo que, na opinião do representante da Anatel, apresentam
desequilíbrios e falhas em relação ao modelo
adotado pelo Brasil.
O representante do MCT e coordenador do GT-gov informou que, embora o
modelo brasileiro de governança na internet não seja citado
explicitamente no relatório WGIG, o arcabouço de suas
recomendações o refletem, especialemente a corajosa
recomendação no par. 73 alinea a), de que as
decisões sobre governança global na Internet não devem
estar sob o controle de um único país ou empresa.
O representante do comitê gestor da internet no Brasil, CGI-BR,
lembrou que o contrato de transição entre o ICANN e o
governo
americano vence em setembro de 2006, e que o ICANN já se
manifestou
publicamente, várias vezes, sobre sua intenção de
não renovar o
contrato, posição que dramatiza a necessidade de algum
consenso em
Tunis sobre o tema da governança global na Internet.
Ao final, o secretário do Itamaraty nesses grupos e rodadas
propôs encaminhamento ao GISI conforme o parecer apresentado pelo
GT-gov, no sentido de apoiar ao máximo possivel o
relatório WGIG exceto pela opção de não
recomendar qualquer dos modelos de governança precariamente
incluidos, e de procurar melhor esclarecer a natureza da
ligação entre a ONU e o fórum permanente sobre
governança proposto. O encaminhamento foi acatado por consenso,
e esse encaminhamento foi posteriormente aprovado em reunião
plena do GISI, realizada na semana seguinte, em 16.8.05.
1.11.05
Em 1.11.2005 o GISI realizou, sob a coordenação
da SGET/DCT do Itamaraty, e com a participação de cerca
de quarenta representantes de ministérios,
de setores empresariais e da sociedade civil, sua última reunião plena antes da
Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (WSIS),
a realizar-se entre 18 e 21 de Novembro de 2005.
O Representante
da Secretaria Geral da Presidência da República discorreu
sobre os preparativos para a montagem do
“stand” brasileiro no Palácio Kram. Está sendo
produzido material de divulgação sobre tecnologia
brasileira, inclusive “CD-rom” contendo informações
sobre todos os programas brasileiros de inclusão digital e de incentivo ao uso do software livre.
O
“stand” oficial do Brasil na WSIS está sendo organizado pela SECOM/DF, e contará
com a participação da Caixa Econômica e
Ministério da Ciência e Tecnologia. Registrou-se que o Mininstério da Cultura, em conjunto com grupos de
ONG’s (Hipatia), está organizando outro evento paralelo, com a
participação performática do ministro Gilberto Gil.
O representante do Comitê Intertribal do Brasil agradeceu o apoio do
Itamaraty e do GISI à participação indígena
brasileira no processo da Cúpula de Sociedade da Informação,
e mencionou assinatura de protocolo de cooperação entre
o Comitê Intertribal, no Brasil, e a Nação
Navajo, nos Estados Unidos. No encerramento, os interessados em integrar Delegação
brasileira a Túnis foram instruídos sobre como encaminhar o credenciamento.
Prepcom III
Alguns participantes da Prepcom III relataram suas impressões
sobre aquela rodada preparatória realizada em Genebra, entre 19
e 30.09.2005. Deu-se conhecimento dos dois temas em aberto, sobre
governança da internet e sobre mecanismo de seguimento
("follow-up"), os quais serão negociados na sessão
reconvocada do Prepcom III para a véspera da Cúpula
(Prepcom III-e, Túnis, 13 a 15.11.2005).
Boa parte do relatório técnico do WGIG foi aproveitado no documento aprovado na Prepcom III, inclusive a proposta de criação de um fórum
permanente de discussão sobre governança na Internet, sem os dois itens supracitados, ainda em aberto. Também incluida, da declaração da Conferêcia Regional da América Latina e Caribe realizada no Rio de Janeiro em junho,
linguagem afirmativa da diversidade de modelos de desenvolvimento e
licenciamento de softwares e da importancia da liberdade de acesso ao
conhecimento, protegida pelos modelos do software livre e de
código aberto.
Aquilo que, do modelo brasileiro, até bem pouco parecia impensável globalizar-se, a saber, a discussão sobre controle multilateral das decisões que afetam as operações da Internet, ganhou tração e destaque central na Prepcom III,
com o novo posicionamento da União Européia, agora
explicitamente contrário à manutenção do
status quo, unilateralista.
As intensas discussões no Prepcom III, sob a
coordenação de um jovem diplomata Paquistanês,
duraram quase duas semanas e só convergiram para propostas em torno da redação de um
documento político nos últimos dias. Diante
da obstrução da delegação norte-americana
à discussão objetiva em torno do relatório do WGIG, e de uma
proposta diversionista apresentada pela delegação
Argentina buscando a manutenção do status quo, os
países mais inclinados às propostas do relatório WGIG
formaram, com coordenação da delegação
brasileira, o grupo de negociação dos chamados "like-minded".
Depois que a delegação da União Européia,
tendo se reunido com o grupo dos "like-minded", posicionou-se contra a
manutenção do unilateralismo em governança, cerca
de 90% das delegações passaram a apresentar variantes da
proposta baseada no relatório WGIG apresentada pelos "like-minded",
em busca de um caminho para o consenso. Enquanto aquelas delegações isoladas em torno da proposta
Argentina, Austrália, Canadá, México,
Uruguai, Malásia e Japão, alinhadas com a posição
norte-americana, resistiam.
Com o prazo se esgotando, o coordenador da rodada apresentou uma
proposta de conciliação, que chamou de "food for
thought". Essa proposta continuou sofrendo veto da delegação
norte-americana, devido ao tratamento multilateralista à
questão da governança, compreensível pelo fato do
Paquistão ter integrado o grupo dos "like-minded." Daí o
impasse, e a necessidade de se prolongar as discussões
até o último minuto, às vesperas da Cúpula.
A criação de mecanismo de supervisão
("oversight") para o fórum permanente sobre governança,
proposto no relatório WGIG e eventualmente acordado nas deliberações da Prepcom III, foi
identificada como o item mais sensível
dessa que seria a última rodada preparatória. Na avaliação
do GISI foram também considerados os prováveis desdobramentos para as
negociações na rodada Prepcom III-e e na Cúpula.
Por enquanto, a batalha é travada na mídia.
Duas matérias no Herald Tribune já trataram do tema, com
destaque para a posição de liderança do Brasil no
grupo dos "like-minded", multilateralistas, e a guinada da UE,
posicionando-se como bloco em adesão ao multilateralismo, em
governança na Internet.
Bastidores
Um dos assuntos de destaque nos bastidores foi a posição
da Argentina. Omissa nas
discussões no âmbito do ICANN, inclusive na última
e recente
reunião de trabalho em Mar del Plata, a
delegação Argentina na
Prepcom III se empenhou em obstar os debates sobre as propostas
encaminhadas pelo WGIG, em postura diametralmente oposta à que
seu país tem seguido em temas e foruns correlatos.
Na Organização Mundial da
Propriedade Intelectual (OMPI), por exemplo, onde Argentina e Brasil apresentaram, no ano
passado, uma proposta conjunta de uma "agenda desenvolvimentista", que
ganhou tração e destaque como contraponto à
radicalização promovida por interesses monopolistas,
à guisa de harmonização, dos regimes legias de PI (http://www.cptech.org/ip/wipo/da.html).
Talvez não por acaso, a diplomata que chefiava a
delegação teria sido afastada do posto para o Prepcom
III-e e a
WSIS.
Atrubuiu-se, também, a guinada da
delegação da União Européia no Prepcom III
à conduta abusiva do seu anterior representante, da Inglaterra,
quem, nas deliberações preparatórias, havia tomado
decisões além do seu mandato, alinhadas aos alegados
interesses de segurança norte-americanos.
Outro assunto, esse nos bastidores do GISI, foi a sabotagem da
mídia corporativa doméstica à
posição oficial brasileira em temas da WSIS, derivada de
sua submissão a
interesses monopolistas. Editoriais como o da Folha de São Paulo
desta semana, e outros (vide http://www.pedro.jmrezende.com.br/trabs/gandra.html) que desdenham ou demonizam as consquistas recentes da diplomacia brasileira.
A possibilidade
de se admitir uma transição mais gradual entre
governança unilateral e multilateral, um período
mais extenso para a criação de um mecanismo de
“oversight”, foi ventilada. Examinou-se também a hipótese
de aceitar-se um modelo de comitê intergovernamental, em um
formato mais flexível, integrado apenas por alguns
países. Sobre as margens de manobra, considerou-se que essas
dependem das negociações
de bastidores, entre europeus e norte-americanos, hora em andamento.