Contra Exageros na Simplificação para Leigos
Publicado no Obervatório da Imprensa em 3/3/05
Prof. Pedro Antonio Dourado de Rezende
Departamento de Ciência da Computação
Universidade de Brasilia
1 de Março de 2005
O professor Gilberto Almeida respondeu, no Observatorio da Imprensa, à
matéria que lá publiquei na qual critico
artigo
de sua lavra, publicada em sua coluna
na revista eletrônica IDG Now. Diz que seu artigo se
destina ao publico em geral, o que dispensaria "rigorismo acadêmico". No
artigo criticado, o professor Gilberto começa definindo pirataria:
"Ela [a palavra "pirataria"] tem sido reservada para batizar a
atividade de copiar com intuito comercial (as obras autorais, inclusive software)."
Prossegue o professor em sua resposta: "o comentário do artigo [suponho
o supracitado batismo da pirataria] se refere a software proprietário, e
não a software livre, pois via de regra (salvo possíveis exceções), o
software livre não é oferecido em condições comerciais embora serviços
correlatos possam vir a sê-lo)."
Porém, ao justificar-se, o professor convenientemente omite o fato
daquela sua definição aparecer naquele artigo como gancho à pergunta:
"Mas e a cópia fornecida a terceiros gratuitamente, também não deve
ser considerada como pirataria?"
Justamente a situação que inverte regra e exceção na sua justificativa,
relativo a software livre versus proprietário. Sendo que, em nenhuma
passagem do artigo criticado, antes ou depois desta pergunta retórica, o
professor esclarece que está falando de software proprietário apenas.
Isto seria, podemos supor, à guisa de simplificação para leigos.
Mas mesmo que o professor Gilberto tivesse esclarecido, no artigo, que
falava apenas de software proprietário, isto não seria suficiente para
justificar a amputação do predicado de ilegitimidade na atividade
replicadora, na caracterização da pirataria do software, pois as
licenças proprietárias normalmente abrem exceção para uma cópia
legítima, para fins de segurança do licenciado (backup), sem excluir
aqueles com intuito de proteger suas atividades comerciais contra a
perda da instalação concomitante a dano no CD original, arranhado ou
extraviado depois de tantas infecções, travamentos e reinstalações.
Mesmo assim, avalia: "Creio que meu artigo não tenha transmitido algo
enganoso aos leitores .... Inversamente, me parece que o autor da
crítica incorreu em engano. Nessa linha, preocupa-me o que possa ter ele transmitido aos leitores."
Assim como o professor Gilberto, também sou educador. Ele, no Direito, e
eu, na Informática. Também como ele, me preocupo com o que se possa
transmitir enganosamente aos leitores. Particularmente, também eu, sobre
as interrelações do mundo da informática com o do Direito. E os
julgamentos de ambos, relativo à enganosidade no texto alheio, são
igualmente subjetivos.
Para que o leitor posssa ponderá-los, gostaria de esclarecer que o meu
julgamento, embora subjetivo, não é irresponsavelmente atirado a esmo,
sem lastro, como mero veículo de adjetivação agressiva contra quem seja. O
meu julgamento, o que me levou a dirigir-lhe crítica contundente, pois
já não a primeira, tem base e prumo na minha experiência de educador.
Cito apenas um episódio emblemático, para me explicar.
Quando fui convidado a participar do painel "Liberdade do Conhecimento
na Sociedade da Informação" no Fórum Mundial da Educação em São Paulo,
em Abril de 2004, comecei minha apresentação mostrando à platéia de
aproximadamente 50 pessoas, na maioria educadores e pedagogos, um CD com
o logotipo oficial de uma distribuição GNU/Linux "pura" na face, e
perguntei:
"Se eu fizer cópias deste CD e distriuí-las aqui para voces, cobrando o
valor aproximado de um CD virgem por cópia, quem acha que isto seria
crime de pirataria?" Todos os presentes, sem exceção, levantaram a mão,
dizendo que sim. Só dois sabiam que a cada produto (software)
corresponde uma licença, estas sob a Lei, mas entendiam que a Lei assim
nos enquadraria.
Quem, ou o que, poderia reparar-lhes o engano? Pareciam
incrédulos, ao menos de início, com a minha divergência à sua
unanimidade. Minha palavra e currículo se viram insuficientes.
Certamente o artigo por mim criticado, no qual um professor e operador
do Direito com inigualável currículo se dirige às massas sobre o tema,
tampouco ajudaria a esclarecê-los, quero crer, já que, no tal artigo,
pirataria é batizada como "a atividade de copiar com intuito comercial
(as obras autorais, inclusive software)". Justamente o que pensavam, e
alegaram como justificativa para a opinião unânime sobre a tipificação
penal em que incorreríamos com a minha proposta.
Certamente o restante do artigo do professor tampouco ajudaria, devo
continuar crendo, pois tal definição nele é gancho à pergunta "Mas e a
cópia fornecida a terceiros gratuitamente, também não deve ser
considerada como pirataria?", para a qual a resposta dele é "sim", e com
punição que possa alcançar, por que não, multa no montante de 3000 vezes
o valor "do produto".
A contundência adjetivosa da minha crítica não tem o intuito de julgar o
professor Gilberto, daí porque sob condicionais. Nem de ver sua
imagem denegrida, risco inerente à atividade de escritor, comum a ambos.
Tem, outrossim, o objetivo de alertar leitores, inclusive a ele, de que
há um efeito socialmente nefasto na acumulação de inúmeras e semelhantes
"simplificações para leigos", em frequência e amplitude observadas na
grande mídia.
Efeito que mantém o público ignorante, confuso e receoso sobre
alternativas, como se pôde constatar no Fórum Mundial de Educação em São
Paulo, a um modelo de negócio que trata o consumidor como bandido em
potencial, agora quase ao ponto de inverter o ônus da prova (vide
cláusulas sobre "Digital Rights Management" nas EULAs).
Esse efeito ganha o apelido de FUD (Fear, Uncertainty and Doubt); e não
é difícil perceber quem pode lucrar com ele. Há até os que se dedicam
profissionalmente a espalhar e nutrir FUD, na sua maioria publicitários
de empresas monopolistas de TI, ou jornalistas "especializados em TI"
que escrevem (ou assinam) opiniões em grandes veículos da mídia. São os
FUDsters, nem todos jornalistas profissionais ou marqueteiros, é bom lembar.
Os adjetivos condicionais em minha crítica pretendem alertar, com as
melhores intenções mas também com eficácia, ao público sobre o FUD e ao
professor Gilberto, em particular: sobre o risco da linguagem que ele
reserva para dirigir-se às massas em assuntos de TI e Direito, como
observada em mais de uma ocasião, poder levar sua imagem a ser
confundida com a de FUDsters.
Para encerrar este episódio, dirijo um pedido aos meus críticos. Antes
de atacarem o que escrevo sobre o modelo proprietário, sobre FUD, sobre
FUDsters ou sobre o tal artigo, ou de me atacarem por isto ou
aquilo, sugiro, já que muitas vezes é mais fácil reconhecer um erro do
que justificar uma distorção, como preâmbulo a leitura de uma EULA.
Quantos já leram as licenças de uso dos softwares que usam para digitar
suas críticas, públicas ou privadas?
Quanto ao link para minha crítica a um artigo anterior do professor
Gilberto, esta ainda não respondida e este abordando especificamente
software livre, peço desculpas pelo inconveniente da momentânea
inoperância do site da minha instituição acadêmica, que é pública.
Há alternativas (não quis parecer ainda mais pedante) de versões
publicadas -- sob licença FDL -- em
Observatorio da Imprensa:
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/ artigos.asp?cod=274ENO001
Centro Brasileiro de Estudos Jurídicos:
http://www.cbeji.com.br/br/novidades/artigos/main.asp? nivel=Propriedade+Intelectual+%26+Software
Jus Vigilantibus:
http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/798
Portal Software Livre Brasil:
http://www.softwarelivre.org/forum2004/news/1918
Engenharia, Automação e Controle - Noticiário:
http://news.eacnet.com.br/news.php ?materia=2420