Uma das notícias mais quentes que circulou na rede antes do
Carnaval foi a aprovação pela Assembléia Nacional
Francesa (www.assemblee-nationale.fr) de uma lei que demandaria a utilização,
em todos os casos em que houvesse alternativa, de software aberto, como
o Linux, Apache e StarOffice, por todos os órgãos do governo
francês
A "resolução 495", pelo que circula em listas brasileiras e não sei mais aonde, teria justificativas até do Ministério da Defesa (www.defense.gouv.fr), tratando o problema como uma questão de segurança nacional: um país (como a França) não pode ficar nas mãos de uma única empresa (como a Microsoft?) O debate ficou sério e muita gente se manifestou, a vasta maioria a favor da lei, inclusive com propostas de uma similar brasileira. Mas a notícia não era verdadeira. O que a França fez, há pouco, foi introduzir um artigo no Código Civil sobre a utilização de assinaturas eletrônicas, por meio da resolução 465, proposta pelo governo e aprovada por unanimidade. Na prática, documentos eletrônicos passam a ter o mesmo valor legal que suas contrapartes em papel, para o que foi necessário rever artigos de legislação que falavam, explicitamente, sobre assinaturas "de próprio punho". A resolução 465 francesa é um avanço, pois normatiza relações eletrônicas entre negócios, governo e cidadãos, formalizando relações que, em outros lugares (como o Brasil), talvez estejam em um limbo legal. A 465 vai acelerar o comércio e governo eletrônicos, na França, mas não é novidade: a Espanha já tinha feito o mesmo há vários meses. Mas existe, de fato, no Senado francês, um projeto de lei sobre o uso obrigatório de software de domínio público pelo governo, uma proposta de três senadores. Para ver o texto, entre em www.senat.fr/somm.html, clique em "Recherche" e entre com a palavra "logiciel" na seção "Travaux legislatifs": a primeira resposta é o dito cujo. Talvez seja interessante notar que uma proposição deste
tipo dificilmente seria produzida pelo governo de qualquer país
que tivesse relacionamento com os EUA ou, por outro lado, fosse produtor
de software de classe mundial. Por razões óbvias, se seu
país tem uma indústria que cria muitos empregos, riqueza
e impostos, a tendência nacional será protegê-la de
alguma forma. O que não inclui obrigar o governo a usar produtos
gratuitos equivalentes ao que sua indústria faz.
ProteçãoMais complicado ainda é que não é o "gratuito" que levou à proposta dos senadores franceses: a idéia é que os serviços públicos não podem depender de software fechado, do qual não se tem o programa fonte, isto é, legível a olho nu, a partir do qual se poderia dar continuidade a um serviço, no caso do fornecedor, por exemplo, fechar as portas.Mas ocorre que a melhor -- talvez única -- proteção dos programas de computador, hoje, é justamente esconder o código-fonte. Ou abrir de vez, como Linux. Não conheço nenhum software que esteja protegido por depósito de programa-fonte em institutos de patentes e marcas. Se a lei francesa colar, será que a Microsoft, por exemplo, depositaria o código-fonte do Windows 2000 sob guarda do governo francês para, em caso de necessidade, um grupo continuar o desenvolvimento? Duvido. E se o fizesse, não ia adiantar de nada. Linhas de código adiantam muito pouco, pois é nos cérebros de quem os fez que os segredos estão depositados. A França talvez acabe usando software aberto. Mas a maioria dos
programas que rodam em Windows ou MacOS, por exemplo, não roda em
Linux. Quanto vai custar desenvolver tudo de novo? E serão todos
eles sistemas abertos? Para aplicações críticas, em
quem vamos confiar o desenvolvimento? Com que tipo de contrato? E o que
será a indústria de software aberto, então? Como será
controlado o plágio de software? Perguntas muito interessantes para
começar o milênio...
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Silvio Lemos Meira é diretor-presidente do Centro de Estudos e Sistemas Avançados em Recife.