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O Ministério Público frente à fraude-mor contra o Brasil

Prof. Pedro Antonio Dourado de Rezende
Departamento de Ciência da Computação
Universidade de Brasília
6 de agosto de 2015



Em 2011, o engenheiro e empresário Luiz Ribeiro Cordioli instaurou no Ministério Público Federal em São Paulo o Procedimento preparatório 1.34.023.000285/2011-48. Baseado no relatório "Anatomia de uma fraude à Constituição", ele pede ação da Procuradoria Geral da República junto ao STF para revogar o art. 166, par. 3, inciso II, alínea b da Constituição da República, cujo efeito suprime do Poder Legislativo o controle sobre a capacidade endividatória do Estado brasileiro.

O resultado veio em 2014, através de despacho de uma vice-procuradora geral mandando arquivar o Procedimento, fundamentada em que seria inviável o controle concentrado de constitucionalidade em face de norma constitucional originária. Seria inviável com base em parâmetro de controle distinto da própria Constituição, no caso, o Regimento Interno da Constituinte de 1987-1988.

Crime perfeito?

Insatisfeito com esse despacho, o autor da representação que instaurou o Procedimento entrou com um pedido de reconsideração, e solicitou audiência sobre o assunto com o Assessor para Assuntos Constitucionais da Procuradoria Geral da República, Dr. Wellington Cabral Saraiva. Impossibilitado de viajar a Brasília na data em que a audiência foi marcada, 4 de agosto de 2015, Cordioli pediu aos autores do relatório sobre a fraude à Constituição, no qual ele se embasara, para representá-lo naquela audiência.

Tendo comparecido e ouvido as ponderações do Dr. Wellington, que reiteravam a fundamentação apresentada para o arquivamento do Procedimento, veio à tona um assunto correlato que também fora abordado no pedido: A Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 59, impetrada junto ao STF pela OAB em 2004. A sugestão de abordagem que indaguei ao Dr. Wellington, a qual ele opinou que valeria a pena tentar, surgiu no seguinte diálogo.

Eu perguntei se haveria chance da Procuradoria Geral da República reverter o seu parecer na ADPF 59, a qual pugna pelo cumprimento do dispositivo constitucional que obriga o Congresso Nacional a fazer uma auditoria da dívida do Estado brasileiro antes de outubro de 1989, em vista do agravamento das desdobramentos da rolagem da divida pública, desde então sem nenhum controle legislativo.

Ele disse que a posição dos dois procuradores que já se manifestaram na ADPF 59 não poderia ser revisada nessa ADPF (a 59) devido a um princípio jurídico de preclusão cujo nome específico não me recordo. Ao que então retruquei: Objeto da ADPF 59

O Dr. Wellington então respondeu que as duas manifestações desfavoráveis não tem nada a ver com o motivo ou possíveis consequências do descumprimento da disposição transitória na Constituição que exige auditoria da dívida no prazo de um ano após sua promulgação (Art. 26), mas sim com o fato do instrumento jurídico de controle constitucional ADPF se aplicar apenas a preceitos fundamentais da Constituição, e o entendimento dos procuradores foi -- e continuaria sendo -- de que o objeto da ADPF 59, por ser um dispositivo transitório, não é preceito fundamental, e portanto, não pode ser objeto de uma ADPF.

Perguntei então se seria possível expandir o argumento para incluir no objeto da ADPF o descumprimento de um outro dispositivo que fosse preceito fundamental, com o seguinte arrazoado: Ele respondeu que esse argumento expandido poderia em tese ser considerado pelo julgador, mas não pelo Ministério Público nesta ADPF 59, pelo princípio jurídico de preclusão já citado.

Temos amigos?

Perguntei então: "e se for em outro processo de ADPF"? Ao que ele respondeu que não, por outro impedimento: Neste caso o problema seria de "repetição", já que uma outra ADPF anterior, com o mesmo objeto, estaria aguardando para ser julgada no STF. Para não citar o tempo de tramitação, tendo em vista que essa anterior (ADPF 59) terá tramitado por pelo menos onze anos antes de ser julgada. Então eu quis saber sua opinião se esse argumento que expande o objeto da ação poderia ser apresentado ao relator da ADPF 59 através de um "amicus curiae".

Ele ponderou que, neste caso, sim, valeria a pena. Foi então ao seu gabinete consultar em computador quem era o relator da ADPF 59, e se estava em pauta para votação. Voltou dizendo que esteve em pauta para votação mas um novo relator, o ministro Barroso, pediu a retirada de pauta, o que indica interesse em estudar esse processo "herdado" do antigo relator (ministro Aires Brito) quando este se aposentou, e que portanto o momento era propício para Amicus Curiae nesse sentido.

Poucos dias depois, recebemos cópia do seu despacho mantendo o arquivamento, mas também tecendo considerações sobre o mérito.


Autor
Pedro Antônio Dourado de Rezende é matemático, professor de Ciência da Computação na Universidade de Brasília, Coordenador do Programa de Extensão em Criptografia e Segurança Computacional da UnB, ex-representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Infra-estrutura de Chaves Públicas brasileira e ex-conselheiro da Free Software Foundation América Latina. (www.pedro.jmrezende.com.br/sd.php)
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