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Sapos Piramidais nas Guerras Virtuais

Episódio VI: Guerra Cognitiva

Palestra no 5o. Fórum Internacional do Software Livre
Pontifícia Universidade Católica - Porto Alegre - 5/06/04

Prof. Pedro Antônio Dourado de Rezende
Departamento de Ciência da Computação
Universidade de Brasília


Índice

1- Início

1.1- Mapeando o terreno
1.2- Movimento e resistência
1.3- O jogo da Guerra Cognitiva
1.4- Bons e maus ouvidos

2- Meio

2.1- Software livre e  Teoria Realista do Direito
2.2- Primeiros desdobramentos do caso SCO
2.3- Extorsão e chantagem
2.4- Sinuca de bico?

3- Fim

3.1-  Software e Globalização
3.2- O ouro alquímico dos bits
3.3- As frias fogueiras da neo-inquisição
3.4- A síndrome do seqüestrado
Apêndice - O Sapo piramidal, revisitado

Bibliografia



 

1- Início

1.1 - Mapeando o terreno

Esta série, agora no sexto episódio, começou quando o conceito de guerra cognitiva ainda parecia ficção conspiracionista, um tanto paranóica, sob a influência pessimista do legado Orwelliano.  Em Outubro de 2001, ainda sob impacto imediato dos atentados sobre as torres gêmeas, começamos com uma reflexão sobre os paradoxos que a radicalização judicativa em curso na esfera dos direitos imateriais, conhecida por regime de propriedade intelectual forte, traz aos fundamentos da segurança na informática. De lá para cá, a série foi se transformando numa crônica em tempo real do que acontece de mais estranho na fronteira entre o mundo da tecnologia e o da vida, sob a perspectiva da filosofia do Direito.

No episódio cinco, buscamos mapear o cerco legalista que vem se formando em torno do movimento do software livre. Cerco ao topos nevrálgico de um movimento muito mais abrangente, cuja natureza, poder e efeitos no tecido e práticas sociais tem sido, ainda, pobremente compreendidos e analisados. Em especial pelos pensadores do social na era digital, obcecados que precisam ficar pelos desdobramentos na esfera econômica, para serem aceitos no clube dos sérios. Este cerco parece estar se adensando mais rapidamente do que nossa compreensão deste amplo movimento, o que nos estimula a continuar.

Naquele início, dei o nome de guerras virtuais aos enfrentamentos então ainda difusos, mas que tinham em comum o mesmo objeto de cobiça: o controle de meios de acesso, validação e propagação do conhecimento, cada vez mais desmaterializados pela revolução digital. Na medida em que tanto a informatização dos processos sociais quanto esse cerco se adensam, aqueles paradoxos passaram a contaminar também a segurança jurídica, ameaçando rasgar o véu legitimador do estado democrático de Direito. Aquele que separa a instituição Jurídica do poder político exercido pela monopolização do uso legítimo da força.

Das trincheiras cavadas em montanhas de dólares, nos tribunais e em assembléias para negociar acordos internacionais de livre comércio, vão se revelando as estratégias de quem as ocupa. Submeter, pela força de leis e jurisprudências cada vez mais radicais e absurdas, ou, como prefere Omar Kaminski, "excessivamente zelosas", o controle desses meios ao poder econômico.  Para legitimar essa submissão, os entrincheirados apresentam seu plano de batalha como lógica econômica. Conseqüências de leis de mercado que ditam a conduta de agentes empenhados na preservação deste poder, contra transformações que poderiam dilui-lo no fluxo da revolução digital.

Devido ao inusitado radicalismo, este plano precisa buscar legitimidade na esfera ideológica. Ali, sua apresentação tem como pano de fundo o fundamentalismo de mercado, ideologia que pinta dogmas neoliberais como "a realidade de um mundo cada vez mais globalizado". Assim, as guerras virtuais se projetam no mundo da vida como guerra cognitiva, apresentada no episódio anterior dos sapos piramidais e tema deste. Quanto aos sapos propriamente, com quem as guerras virtuais rimam, serão revisitados, como já é de praxe, ao final do artigo. 

Para abordarmos a dinâmica desta projeção, tomamos como ponto de partida duas citações, uma de fora e outra de dentro da comunidade do software livre, ambas subjugadas à dogmática fundamentalista neoliberal. Comentando a crítica que publiquei a um artigo de Luiz Nassif intitulado "Software Livre e Microsoft" no consultor jurídico [3],  um leitor escreveu:

O Mercado Livre existe para que o consumidor - usuário domésticos, empresas, ou até o governo - possa fazer o uso do produto que melhor lhe aprouver. Pouco importa, para o Mercado, se isso vai ser o Windows ou o Linux. Não se deve confundir críticas a determinados aspectos legais (como patentes sobre softwares, por exemplo) com uma crítica à dinâmica de oferta e demanda, sujeita às leis da economia e não à diplomas legais. O software livre não deve temer o mercado livre até por uma questão gramatical .
E de um companheiro na lista do Projeto Software Livre Brasil, que pode ou não ter lido a mesma crítica, recebemos uma reflexão no mesmo sentido:
Vocês perdem tempo demais pensando na Microsoft. Quando a Microsoft conseguir inventar um jeito de ganhar dinheiro com código aberto, vão passar a apoiar com toda a sua mega-estrutura e dizendo que sempre acharam isto uma boa idéia. Como toda empresa, eles querem ganhar dinheiro, ou vocês acham que a IBM, REDHAT, Novell e etc. estão nesta por causa da liberdade ?

O dia que a "comunidade" deixar de se preocupar com a Microsoft, vai ser uma grande vitória para o software livre. Pensem no seguinte: Será que a mensagem do software livre é tão fraca, que uma empresa, por mais grana que tenha, vai conseguir virar uma tendência histórica ? Ou será que nossos pensadores são tão burros que não conseguem contra-argumentar os pontos de vista deles ?

1.2 - Movimento e Resistência

Até por uma questão gramatical, todos são livres para definir liberdade. O dogma fundamentalista de mercado subjaz as duas reflexões acima na presunção de que "O Mercado Livre", e seu culto dionisíaco chamado "leis da economia", regulam a si mesmos rumo ao santo graal da eficiência econômica, de forma autônoma e independente dos processos sociais. Independente inclusive do processo judicativo, que começa no processo legislativo e termina na administração da Justiça, como sugere a primeira delas.

Mas as forças de mercado não atuam só nele mesmo. Atuam também no processo judicativo, razão pela qual a mídia é chamada de quarto poder, e pela qual a corrupção nunca irá desaparecer por completo. O processo judicativo é o campo de batalha para a conquista de valores comuns, que vinculam indivíduos à ordem social: o dinheiro é só um deles. E são esses valores, interagindo, que podem fazer do movimento do software livre algo diferente do que nós, que compomos a sua comunidade, achamos que seja, que deva ser ou que virá a ser. A "tendência histórica" citada pelo companheiro.  Há que se reconhecer que a história deste movimento, da sua participação na história das TIs, da informática e da atual civilização, não será feita só por quem usa, faz ou ganha dinheiro com software livre. Também o será por quem se sente ameaçado por ele.

Comecemos pela questão final da reflexão do companheiro da lista PSL-BR. Quero crer (caso contrário não teria escrito este artigo) que o problema não esteja no grau de inteligência dos nossos pensadores, mas sim na interlocução dos seus contra-argumentos. Por mais inteligentes que sejam, contra-argumentos de nada valem se ninguém estiver disposto a ouvi-los, fora do círculo da concordância prévia, que supomos ser a nossa comunidade. E se ouvidos, se puder compreendê-los. E se compreendidos, se quiser aceitá-los. Para finalmente chegarmos ao âmago da questão: e se depois de tudo houver impasse, quem terá o benefício da dúvida?

Nosso companheiro dá como favas contadas que a percepção subjetiva desta tendência histórica, isto é, como ele vê o movimento do qual participa, se projeta sobre a objetividade das decisões corporativas e judicativas, pelas força das leis de mercado. Mas como se projeta? Entendo a resposta do companheiro a esta pergunta da seguinte forma. Se nós, da comunidade, vemos oportunidades de ganhar dinheiro com software livre, eles também haverão de ver, já que é o que buscam. Entretanto, para validar tal explicação, há que se conhecer as condições sob as quais nossa contra-argumentação pode ser oferecida e aceita por recalcitrantes.

O filósofo e economista Eduardo Gianetti da Fonseca nos lembra que não há nada mais irracional do que ignonar os limites da racionalidade [1]. Ele diz isso ao comentar outro filósofo, Thomas Nagel, sobre a impossibilidade de se transpor, para a objetividade, a experiência subjetiva. A objetividade surge da comunhão de experiências subjetivas que se crêem comuns. E se houver impasse sobre a crença na comunhão? Outro filósofo analítico, também Thomas e também inglês -- Hobbes -- diria, três séculos antes, que o benefício da dúvida sempre ficará, neste caso, com a posição de maior poder.

O gasto de energia com pensamentos sobre a Microsoft, ou a inutilidade desse gasto, não se justificam racionalmente. O gasto deriva de uma espécie de instinto coletivo de defesa, e a inutilidade, de uma percepção subjetiva de risco. Da mesma forma, derivam do mesmo instinto coisas como a indisposição de ouvir, a incapacitação inexplicada para compreender, e a dissonância interior que paraliza o impulso de se aceitar argumentos racionais alheios, inclusive por razões inconfessáveis, bem como da mesma percepção derivam os seus opostos. Ao se negar essas coisas por conta da suposta correção moral e racional dos nossos contra-argumentos, e do instinto de avareza dos que recalcitram do outro lado, emoldura-se a reflexão do companheiro, para uma estratégia de convivência e diálogo, no quadro ideológico do fundamentalismo de mercado, e pior, sob premissas simplistas.

Tal quadro ideológico, como qualquer outro, oferece armas retóricas aos dois lados. E estas serão mais eficientes nas mãos dos que estiverem em melhor condição para operá-las. É aí, nesse quadro, onde nossas vantagens desaparecem, como buscarei argumentar. Considero duplamente arriscado escolher, para nossa estratégia de diálogo e convivência, a moldura ideológica que mais fortalece quem já declarou inimiga a nossa causa (a da libertação do software pelo copyleft) -- "um câncer a ser extirpado" --, ao mesmo tempo em que nos precipitamos em dar esse alguém por conhecido, como pura manifestação mecanizada do instinto de avareza.

1.3 O jogo da guerra cognitiva

Nesse ponto recuo na história para buscar auxilio de um antigo pensador da arte da guerra, Sun Tsu, que há mais de dois mil anos na China aconselhou, como regra primeira: conheça seu inimigo. Principalmente penso eu, se a guerra for cognitiva. Além do instinto de avareza, também guiam decisões corporativas os instintos de poder e de defesa, os três alimentados por contas bancárias e projeções de receita, estas conversíveis em crédito contra expectativas coletivas de comportamento. Esses outros dois instintos os levam a se comportar, guiado por expectativas, dissimulando esforços para conhecer a estratégia dos que vêem como ameaça. O jogo que jogam Microsft, IBM, HP, RedHat, Novell e comunidades com o software livre é, pois, como um jogo de xadrez onde informação assimétrica, poder e liberdade semiológicas são prêmios.

O jogo é sério: é o da guerra dos negócios, agora na era da informação. Uma fonte interna dá por certo que o serviço de inteligência da Microsft é maior do que o da a maioria dos países do mundo, inclusive o do Brasil. É preciso, portanto, entender melhor primeiro esse jogo. A Microsoft, ou a empresa que estivesse em sua posição, não vai querer apenas ganhar dinheiro com software. Ela quer, antes, mais do que isso: controlar as condições pelas quais pode decidir até quando e quanto vai ganhar. Este objetivo é tecnicamente factível para ela, e quase impossível para os concorrentes, devido à sua posição mercadológica e correspondente poder semiológico. Com o modelo livre vingando as condições mudariam, nivelando-se a distância de todos a tal patamar de ambição.

É a lógica do pau-de-sebo, num mercado dominado por aquilo que os economistas chamam de efeito rede. O software livre derrama óleo com coeficiente de atrito próximo de zero nesse pau, e quem está em cima, com razão, não gosta. Portanto, considerando-se forças além da mais elementar de mercado -- a do lucro --, a empresa que está no topo talvez não esteja interessada em ganhar dinheiro com software liberto pelo copyleft, mesmo sabendo como. É possível que a Microsoft prefira continuar apenas economizando com bom código alheio aberto por licenças dóceis. Ela certamente não está interessada em qualquer tipo de remuneração, haja vista só ter remunerado seus acionistas com dividendos no último dos seus mais de vinte anos de existência.

O apelo para que os pensadores da comunidade parem de se preocupar com ela, pela suposição de que ela se aliaria automaticamente à causa ao aprender a ganhar dinheiro com software livre, desconsidera as possibilidades e ponderações acima, o que julgo ingênuo e imprudente. Ela, que já tem uma história conhecida de promover deliberadamente o estrangulamento semiológico de concorrentes, mesmo sob o risco de condenação por abusos monopolistas -- que só lhe fazem cócegas --, por que não agiria assim desta vez? Muda-se apenas o tipo de oxigênio a ser cortado, do econômico ao judicativo. Antes de nos debruçarmos sobre o cenário global para avaliarmos as ponderações que apresento, vou citar um caso do mundo da vida do companheiro, para justificar minha opinião acima.

Suponho que o companheiro há de concordar ser difícil encontrar, sob sua perspectiva, uma audiência mais importante e uma ocasião mais propícia para testarmos a inteligência dos nossos contra-argumentos, do que a mais alta corte do Brasil, julgando a suspensão dos efeitos de uma lei sancionada no estado federativo onde vive e trabalha, lei que dá preferência ao uso de software livre na administração pública estadual, e suspensão anunciada pelo STF menos de um mês antes da sua reflexão circular na lista PSL-BR.

O importante neste exemplo não é o efeito suspensivo, mas a exposição de motivos para a decisão. O ministro relator do processo, em sessão de 18/04/04 no STF, votou pela concessão da liminar suspendendo os efeitos da citada lei, no que foi seguido pela turma de magistrados. Ao explicar o terceiro dos seus três argumentos favoráveis à concessão da liminar, teria afirmado:

"A lei (do Rio Grande do Sul) estreita contra a natureza dos produtos que lhe servem de objeto normativo, os bens informáticos"
Não parece racional considerar que "preferência" estreite contra a natureza do que quer que esteja sob escolha. Preferência não é, em nenhum dicionário e nem de perto, sinônimo de veto ou impedimento. Minha -- e acredito também a de muitos -- preferência por loiras nunca estreitou-me a apreciação e o gozo da beleza morena. Se não tem a que desce rendondo, vai a nova, por que não? Não é preciso ser pinguinista para se argumentar pela irracionalidade deste argumento. Melhor então descontá-lo da elasticidade semântica com que a linguagem jurídica trata o léxico que compartilha com a linguagem comum dos leigos mortais e indoutos.

Além disso, data venia ao Sr. ministro relator, com todo o respeito ao vosso intelecto e ao dos vossos pares, por mais que se entenda de leis jurídicas, isso não qualifica um magistrado a automaticamente entender de softwares. O ministro relator fez por confundir duplamente, em seu terceiro argumento, software e negócio com software. Não me parece que tal confusão possa se justificar por técnica ou lógica jurídica, muito menos pela racionalidade de argumentos que respeitem a natureza do software e o idioma que permite a todos comunicarem-se nesta pátria.

1.4 - Bons e maus ouvidos

Software livre em nada estreita contra a natureza dos produtos que constituem bens informáticos, muito ao contrário. Aquilo que o conceito de software livre estreita, são modalidades de contratação de certos bens informáticos (a saber, uso, reuso de código e serviços com o objeto da licença), não a natureza ou tipo destes. E este estreitamento visa, justamente, ampliar a natureza desses bens, natureza que se resume, no caso do software, ao seu valor semiológico. Ou seja, ao seu valor funcional de prótese humana para comunicação e/ou computação em meio virtual. Qualquer software, já feito ou por se fazer, pode ser livre sem que tal modalidade atente contra sua natureza ou tipo, ao passo que, não sendo livre, este fato é que atenta, como creio ter explicado em [3], contra sua potencial natureza.

Isto porque:
  1. O tipo do software é caracterizado por sua função técnica, de cunho comunicacional e computacional, ditada pela lógica do seu código fonte.
  2. A natureza do software é caracterizada por sua função semiológica, de cunho relacional entre função técnica e práticas sociais, ditada pela semântica deste mesmo código.
  3. A modalidade de contratação do software é caracterizada por sua função comercial ou utilitária, de cunho sócio-econômico, ditada pelo instrumento jurídico que o licencia.
  4. A classificação "livre" (pretendida pela lei gaúcha e similares) se aplica a licenças de software, lavradas em código inteligível à máquina jurídica, e não à natureza ou tipo de softwares, lavrados em código inteligível a microprocessadores eletrônicos.
Para que o software seja livre, pela definição da free sofware foundation basta que o autor ou seu preposto proponha, para licenciá-lo, um contrato modelado no conceito de copyleft, valorizando suas funções semiológica e social, independentemente de sua natureza ou tipo. E para que o software não seja livre, basta que o autor o licencie de outra forma. A quem contrata software de um determinado tipo e natureza cabe, por sua vez, aceitar ou não este ou aquele contrato. Havendo escolha no mercado, a seleção entre contratos pode embutir uma escolha de modalidade contratual, quaisquer que sejam os critérios julgados pertinentes. E não havendo escolha embutida, certamente que preferência alguma por modalidade contratual poderá ser exercida, não sendo "preferência", nem de longe, sinônimo de veto ou impedimento.

Por que o Estado, mesmo em instância adequada, estaria impedido de se pronunciar sobre preferência pela modalidade de contratos que sejam eventuais objetos licitatórios, devido à camuflagem desses contratos como idênticos aos objetos que licenciam, e ao travestimento do conceito de preferência por semântica injustificadamente vulgar? Esta vulgaridade, injustificada principalmente quando emana da mais alta corte do país, certamente trará suas conseqüências neste caso. Com a lei gaúcha suspensa por liminar, os atuais administradores estaduais no Rio Grande do Sul, e aqueles atingidos pela jurisprudência eventualmente gerada a partir desta decisão, estarão livres para comprar o que bem entenderem, com quem desejar, sem respeitar qualquer critério, à guisa de "licitação de bens informáticos", igualados que foram o negócio e seu objeto na justificativa da sentença liminar, enquanto tal justificativa se sustentar.

A farra borrativa que o status quo promoverá com tal sustento se encarregará de estimular administradores a continuar com as mesmas velhas práticas licitatórias dirigidas, já diversas vezes repreendidas por tribunais de contas estaduais e da união. Práticas que permitem, com a adequada blindagem de falaciosos critérios de inexigibilidade concorrencial, construídos sobre argumentos borrados como acima e assoprados pelos ventos monopolistas e monopolizantes do status quo, o abrigo fácil de nefastos canais invisíveis. Tanto finaceiros, para desvio de verbas públicas, quanto semiológicos, para perpetuação do cativeiro digital erquido pelo modelo proprietário. Como possível exemplo, temos o processo da empresa brasileira Paiva & Piovesan, contra o dito monopólio multinacional, por conocrrência desleal: depois de arrastá-lo por seis anos, sentenciar contra o reu e voltar atrás, o CADE decide arquivá-lo cinco semanas após a sentença liminar do STF [4].

E finalmente, por que o relator fez uso de argumento tão frágil e vulgar, havendo já dois argumentos técnicos sobre competência jurisdicional para embasar a decisão? Temos aqui uma pergunta interessante. Certamente que os valorosos ministros do STF não se furtaram a ouvir nossos contra-argumentos, que poderiam poupá-los do endosso a tal vulgaridade, por falta de oportunidade. O ministro Joaquim Barbosa, que já foi advogado do SERPRO, tentou convocar técnicos para explicitar a diferença entre software livre e não-livre, mas foi voto vencido, enquanto o réu fazia corpo mole na defesa.  O governo do estado já era outro. Em determinado momento no debate da sessão do STF na qual se votava o pedido de liminar, transmitida pela TV Justiça, um dos ministros pediu a palavra e oferceu sua opinião. O assunto não era outro? Aquela decisão era antes sobre o poder de monopólios do que sobre práticas licitatórias. Os outros ministros, ouvindo calados, não ouviram com bons ouvidos, e se fizeram de desentendidos.

Se houvessem aproveitado a oportunidade oferecida pelo colega Joaquim Barbosa, os ministros poderiam ouvir contra-argumentos como os oferecidos no episódio cinco dos sapos piramidais, argumentos que dissecam falácias envernizadas com erudições juridiquesas sobre o tema, oferecidas ao público leitor do jornal Valor Econômico por uma ex-advogada da dita empresa, em co-autoria com um nome associado a renomado jurista., exatamente na mesma linha dos argumentos oferecidos naquela sessão pelo Sr. ministro relator. Contra-argumentos que sequer puderam ser apresentados no mesmo jornal, que prometeu direito de resposta mas não o honrou, talvez por serem burros (os contra-argumentos), mas não o suficiente para que o episódio cinco deixasse de ser aceito e apresentado no Simpósio de Segurança na Informática no ITA, em novembro de 2003, e posteriormente publicado no portal do Observatório da Imprensa.


2 - Meio


2.1 - Software livre e Teoria Realista do Direito


Para entendermos como funciona o modus judicandi que produziu tal decisão, a melhor teoria do Direito talvez seja a realista. Segundo Habermas, numa sociedade pluralista, o recurso a um ethos dominante não oferece base convincente para a validade de decisões jurídicas. A câmara de vereadores de Curitiba, no Paraná, apesar dos dois primeiros argumentos do Sr. Ministro relator, contra sua competência jurisdicional para tal, votou por unanimidade uma lei semelhante à suspensa por aquela decisão liminar do STF, exatos 30 dias depois. O que vale para um como topos comprovado historicamente é, para outro, pura ideologia ou preconceito. Na visão do realismo legal avançado pela Escola da jurisprudência de interesses, não é possível a distinção estrutural entre direito e política [2].

A teoria realista talvez seja a que melhor explique estranhas coincidências no caso, como a de que o partido querelante é justamente aquele cujo presidente está pessoalmente empenhado em abafar a CPI do Banestado, que investiga desvios de verbas públicas estimados em mais de U$ 30 bilhões. Presidente este que passou a posar de vestal com o espetáculo midiático do caso Waldomiro, que difama justamente a mais alta figura do governo federal a bancar a atual política governamental para informática. Política à qual se amolda em espírito a lei gaúcha, temporariamente suspensa em sua letra pela corte constitucional em 18/04.

Corte esta que virá, a partir de junho, a ser dirigida por um ministro que confessou, de público, ter quietamente adulterado, enquanto à época deputado constituinte, entre votação e aprovação legislativa, a nossa Carta Magna, cuja proteção e guarda é missão dos seus ministros. Ministros estes que, em sua maioria, repelem qualquer tentativa legislativa de se instituir controle externo sobre o poder judiciário, único poder da nossa res publica não controlado pelo processo eleitoral. Processo eleitoral este dirigido por um desses ministros, quem, no exercício e ao justificar de público a ação manipulativa do seu colega, insinou como talvez desnecessária, supérflua ou inútil a tal missão:

Cito-o in verbis, conforme o diário de maior circulação na capital federal [5]:
"O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Sepúlveda Pertence chegou a brincar com a situação [manipulação da Constituição]. 'Estou torcendo para que apareça o artigo 102; aí, a gente arquiva os processos todos', afirmou, citando o artigo da Constituição que define atribuições do Supremo" [Tribunal Federal]
Brincadeira de mau gosto ou não, o episódio é educativo, pelo que revela no plano psicológico. Já que nossos supremos juízes podem não estar dispostos a ouvir quem seja, isto ilustra o fato de que não nos basta querer oferecer nossos inteligentes contra-argumentos. O interlocutor precisa estar disposto a ouvi-los. O que raramente ocorre quando estão ocupados em distorcê-los, descaracterizá-los ou desmoralizá-los. Sobrecarregar os supremos ministros com uma cota extra de processos semelhantes, a exemplo do que se descortina a partir da câmara municipal de Curitiba, e de várias outras legislaturas no Brasil e no mundo, talvez não ajude. Ou talvez até piore sua disposição para ouvi-los.

Este impasse faz parte do jogo cujo tabuleiro é o globo e cujo resultado é o futuro da liberdade para o conhecimento, no qual o movimento do software livre está metido, queira ou não, goste ou não este ou aquele indivíduo envolvido. E sendo a comunidade destes indivíduos, como não poderia deixar de ser, livre, cada interessado que apresente as suas, para que o crivo do debate selecione nossas boas idéias. A minha, na mesma linha, é levemente distinta da do companheiro.
"O dia que a comunidade puder se despreocupar com a Microsoft, vai ser uma grande vitória para o software livre".
Resta explicar porque ainda não pode, já que a simples suspensão de uma lei estadual preferenciando software livre na administração pública é irrelevante para as ações práticas do movimento, pois política pública se faz mais e antes com vontade que com leis. Hora de retomarmos a crônica do carro-chefe na linha de frente do cerco legalista ao software livre, o caso SCO versus IBM, que acaba de completar um ano de transcurso. Ao final, espero que o leitor concorde que quem não estiver acompanhando este caso e seus desdobramentos, perde a oportunidade de dar conselhos relevantes à comunidade sobre com o que se preocupar ou não. E que os que continuam despreocupados, se configuram em exemplos vivos do arquetípico sapo piramidal.

2.2 - Primeiros desdobramentos do caso SCO

Em 23 de Maio de 2003, a SCO entra com uma ação judicial contra a IBM, no valor de "pelo menos um bilhão de dólares", por apropriação indébita de segredo industrial, quebra de contrato, interferência indevida nos seus negócios, e competição deslear. Mas para a imprensa, as acusações oferecidas tem outra linguagem. A IBM teria reusado importantes partes do código do AIX, derivativo do Unix contendo código da versão system V, em contribuições ao kernel Linux, ambos sistemas operacionais distribuídos pela IBM. Este reuso estaria proibido no contrato que permite à IBM derivar o AIX do Unix system V, em violação à propriedade intelectual que a empresa alega ter sobre system V, e que alega por isso anular tal contrato, que a IBM, por sua vez, alega ser perpétuo e irrevogável. A IBM nega, enquanto a SCO começa a enviar carta a mais de 1500 empresas usuárias de sistemas GNU/Linux, ameaçando-as com a possibilidade de futuras ações indenizatórias por violação de direito autoral.

Em matéria de 29 de maio no Jornal do Commercio do Rio, o CEO da SCO é citado: "Temos o direito contratual de impedir o uso impróprio de código, métodos e conceitos do Unix no Linux". Métodos e conceitos se refrem a patentes ou segredos de negócio, mas na petição inicial do processo a SCO só menciona segredos de negócio, que certamente não tratou com a cautela necessária para sustentar a acusação, devido à história de como entrou no negócio do Unix. A petição inicial tampouco menciona direitos autorais, suposto motivo das ameaças a usuários finais. Apesar de ter sido, antes como Caldera International, uma das primeiras empresas a ganhar dinheiro distribuindo GNU/Linux. Enquanto sua distribuição era competitiva, ela não se deu conta desta suposta infração. Mas a ambiguidade em torno do oxímoro "propriedade intelectual" não para aí.

Que contrato é esse, e o que vem a ser "métodos e conceitos do Unix"? Trata-se de um contrato pelo qual a SCO afirma ter adquirido da Novell em 1995 a propriedade intelectual do Unix system 5. A Novell, por sua vez, os havia adquirido em 1992 da AT&T, sua criadora. Mas a opinião da Novell sobre o que foi comprado e vendido é diferente. Seu CEO é citado na mesma matéria afirmando: "o acordo de 1995 não passou os direitos associados à SCO".

O bate-boca prosseguiu: "É claro que somos donos dos direitos e podemos exigir o respeito a eles e às patentes" disse o CEO da SCO, mesmo admitindo ser esse contrato "um pouco confuso". Enquanto o CEO da Novell pressiona: "Queremos que a SCO retire as suas afirmativas falsas a respeito da propriedade de patentes do Unix ou forneça informações conclusivas a respeito". De início, suspeitou-se de que se tratava de uma manobra publicitária para inflacionar o preço da ação de uma empresa quase falida, diante da possibilidade de alguma venda ou fusão. Este foi o assunto do episídio quatro dos sapos piramidais.

Para melhor avaliarmos o que esta ação judicial significa, temos que acompanhar os desdobramentos do caso desde então. Para isto, escolhi basicamente o acervo de um portal de notícias tecnológicas que frequento, por considerar que sua cobertura busca atingir um nível de equilíbrio e densidade informativa adequados, e por já conhece-lo. Depois, buscaremos colocar em perspectiva esses desdobramentos, em relação ao processo judicativo que guia os rumos daquilo que vem sendo chamado de globalização, tendo como pano de fundo uma campanha de opinião pública de cunho igualmente ideológico e igualmente ilustrativa das guerras virtuais.

O primeiro desdobramento visivel ocorreu, como seria previsivel, fora do tribunal. Uma onda de artigos explorando o medo, a incerteza e a dúvida (FUD) de quem tenha escolhido ou venha a escolher software livre.  Pela natureza genérica e ambígua das alegações, a SCO poderia estar interessada em se tornar a dona não só do kernel Linux, mas também do FreeBSD e mesmo do Herd, pela semelhança arquitetural que ligaria suas ancestralidades à história do Unix, através do alquímico fio conceitual de "trabalho derivativo", tecido pela fértil imaginação e hermética linguagem de advogados da propriedade intelectual "forte", com bolsos fundos e escrúpulos rasos.

Um editorial em especial, escrito por Rob Enderle, conceituado analista do Forrester Research Institute
, causou furor na comunidade. Segundo ele, por ser imaturo, primitivo, e por "colocar excessivo poder na mão dos desenvolvedores", o Linux não caberia no mundo corporativo. Ele se baseou em questões obscuras e subjetivas, como o risco decorrente da ação judicial da SCO e a "linguagem obscena e injuriosa" dos pinguinistas [6]. Talvez esses artigos venham sendo publicados em coordenação com movimentos de compara e venda de ações na bolsa de valores, pois a ação da SCO havia subido e oscilava bastante, a cada notícia ligada à ação judicial.

Outros artigos saíram especulando por outra linha.  Uma empresa quase falida contrata um dos mais renomados e caros escritórios de advocacia do mundo para atacar um das maiores e mais sólidas empresas de TI da história, sem apresentar provas, apenas vagos indícios e acusações idem. O que poderia estar por trás de uma jogada tão arriscada? Qual seria o prêmio a ser coletado pela SCO em caso de vitória, e que peças do jogo ainda estariam ocultas? [7]. Se ela está cuspindo no prato em que comeu, com que renda vai bancar esta batalha judicial? E podemos agora acrescentar: e se o juiz federal de primeira instância em Utah tratar o caso com o mesmo nível de esmêro e acurácia com que o STF tratou o pedido de liminar contra a lei gaúcha, que ganhos poderiam ser auferidos -- ou estragos causados -- até o transitado em julgado?

2.3 - Extorsão e chantagem

Finalmente em julho, uma das peças ocultas veio à tona. Para dar credibilidade à sua campanha de chantagem e extorsão contra usuários corporativos do GNU/Linux, a título de pagamento por uma licença de uso para algo que alega, mas não prova, ser seu, a SCO vinha afirmando que já havia coletado milhões de dólores de clientes que aceitaram seus argumentos. Mas não revelava que clientes eram esses. Até que a Sun microsistems, que como a IBM licencia sua versão proprietária do Unix, revelou em Julho ter firmado acordo sobre "propriedade intelectual ligada ao Unix" com a SCO, três meses antes da ação contra a IBM [8]. O porta-voz da SCO foi à imprensa afirmar que esta revelação "sepulta de vez a questão sobre quem é o dono do código do Unix". Enquanto isto, na esfera política, a mesma imprensa martelava o público com a certeza de que Sadam Hussein possuía armas de destruição em massa.

Em agosto, o contra-ataque. A Red Hat entra com ação contra a SCO alegando que a SCO difama o processo de desenvolvimento de código aberto com acusações insubstanciadas à sua integridade, em particular ao Linux e à Red Hat [9]. A IBM entra com ação de reconvenção, em que acusa a SCO de violar a GPL e várias de suas patentes. Argumenta que a ação inicial é sem mérito, e pede uma liminar impedindo a SCO de continuar alegando sem provas direitos de propriedade intelectual sobre o Linux [10].

No início de setembro, a SCO concentra sua ofensiva na imprensa, alimentando-a com anúncios de que vai enviar cobranças "a milhares" de usuários finais de GNU/Linux. A imprensa começa a insistir na questão de quem vai pagar a conta dos advogados de usuários que não aceitem pagar à SCO. Empresas que distribuem Linux são pressionadas a se manifestarem em defesa dos usuários finais, apesar da licença GPL --  ou por sinal qualquer licença proprietária -- explicitamente excluírem esse tipo de garantia.  Alguns analistas começam a depreciar distros que não se manifestam, invertendo a lógica criminal da extorsão [11], enquanto outros ponderam que tal iniciativa irá frear ou diminuir o uso do Linux [12, 13]. Enquanto isto, é Sadam quem teria que ter provado, para a mesma imprensa, não possuir armas de destruição em massa, se quisesse evitar a invasão do seu país, que antes tiranizou com a ajuda do próprio invasor.
 
Em Outubro, depois de ficar claro que seu futuro é uma aposta no sucesso da ação judicial que move contra a IBM, a SCO anuncia ter recebido investimento de U$ 50 milhões da BayStar Capital, uma instituição financeira com sede no Canadá, para desenvolvimento de software e "proteção à sua propriedade intelectual do Unix". A ação da SCO atinge US$ 8 em Wall Street, oito vezes o que valia no início da processo contra a IBM, e a empresa volta a chantagear usuários [14]. O futuro do consórcio UnitedLinux para uniformização e racionalização de distribuições e serviços para Linux, do qual a SCO fazia parte, é questionado, onde conflitos de interesse são apresentados como contaminantes do negócio das outras consorciadas [15]. Enquanto isso, países "amigos" do agressor são pressionados a aderir à "coalizão" que invadiu o Iraque. Ninguém mais fala de armas de destruição em massa, nem de provas nos autos no tribunal federal de Utah.

No final de Outubro, com dinheiro de especuladores em caixa a SCO finalmente abre o jogo. Entra com uma petição no processo pedindo para que o tribunal considere "ilegal e inconstitucional" a licença GPL. Pela primeira vez desde seu lançamento em 1989, a licença GPL é questionada na justiça [16]. Está aqui a razão deste artigo. A IBM, que até então preferira não abrir o jogo, muitas vezes não indo além da ironia em público, muda de tática.  Alguns analistas vêem a aquisição da Suze pela Novell como manobra da IBM para fortalecer a defesa do Linux sob GPL [18,19]. A IBM solicita ao juiz que intime para depor jornalistas e analistas de TI que vinham se esbaldando em parcialidade, com a campanha de chantagem, distorção e difamação de usuários e desenvolvedores do Linux.

A SCO rebate no mesmo tom. Ameaça futuras ações contra a Universidade de Berkeley, por conta do acordo que deu fim à disputa judicial provocada pela AT&T em 1993, por conta do seu sistema operacional BSD [19a], de distribuição livre. E solicita ao juiz da ação contra a IBM a quebra de sigilo de correspondência dos desenvolvedores não só do kernel Linux, mas depois, de todos os contribuintes dos projetos da Free Software Foudation. [17]. Enquanto isto, instala-se uma junta doméstica de transição no Iraque, para promover o governança democrática na nação iraquiana, soberana pero no mucho.

Em Dezembro a IBM vence sua primeira batalha, que pode ter sido uma batalha de Pirro. O juiz intima a SCO para, no prazo de 30 dias, responder aos quesitos levantados pela defesa. A IBM quer saber exatamente quais são as linhas de código e "outros materiais" no Linux sobre as quais a SCO teria algum direito de propriedade intelectual. Quer uma descrição completa de como a IBM teria violado tais direitos, e também quais softwares a SCO teria distribuido contendo tais códigos. Em contra-ataque, a SCO afirma que irá expandir a acusação, para incluir a de violação de direitos autorais [20], e globaliza sua prática de chantagem e extorsão [23], enquanto explora artimanhas processuais para descumprir a ordem. A SCO havia respondido a IBM enviando-lhe mais de um milhão de folhas impressas com código-fonte, sob segredo de justiça. No mes seguinte a IBM, Intel, Novell e Red Hat estabelecem um fundo para defesa de usuários extorquidos, medida recebida com desdém por alguns analistas [21, 22, 24], que, doutra feita, passam a ter mais cuidado com sua parcialidade, diante das intimações da IBM.

Também em janeiro, as diferenças de interpretação do antigo contrato em que a Novell teria cedido os direitos autorais do Unix system V à SCO, segundo a Novell inextensivo a trabalhos derivativos, e segundo a SCO extensivo, vão para o tribunal por iniciativa da SCO [25]. No mes seguinte, a batalha por corações e mentes volta à imprensa. O Vírus myDoom, que derrubaria o site da SCO e depois também tentaria o da Microsoft, é alardeado pela SCO como prova de culpa das intenções maléficas ou criminosas da comunidade desenvolvedora de software livre. Bruce Perens alerta, por sua vez, não duvidar terem  as próprias supostas vítimas sido autoras do vírus, com o intuito de  pintar os réus da sua ação com cores desfavoráveis [26]. Possíveis táticas da acusação para protelar [27, 28], bem como para confundir o tribunal e a opinião pública sobre quais são, afinal, os seus direitos violados pela IBM [40], também se manifestam.

2.4 - Sinuca de bico?

Em março, as ameaças de extorsão contra usuários corporativos do Linux se materializa. DaimlerChrysler e AutoZone, uma rede de autopeças nos EUA, são processadas por violação de supostos direitos autorais da SCO. O Fundo de defesa dos extorquidos é acionado [29]. No dia seguinte, o juiz do caso original contra a IBM ordena mais uma vez a SCO a mostrar o código que estaria infringindo no Linux os seus direitos, não tendo cumprido sua ordem de Dezembro, cujo prazo era 10 de Janeiro. Desta vez, ele permite que o código infrator seja mostrado em segredo de justiça, e dá prazo até 10 de Abril. A SCO, segundo a IBM viria novamente a discumprir o prazo. Apenas 9% dos usuários de GNU/Linux se revelam preocupados com a chantagem, ao passo que 56% se preocupam com suporte [30].  Enquanto isso, o presidente Bush faz piada macabra com as armas de destruição em massa, procurando-as por debaixo do tapete e dos móveis de seu presidencial escritório, em frente às câmeras de TV.

Finalmente, no dia 5 de março, surge a peça do quebra-cabeça que faltava. Um consultor do grupo SCO vaza um memorando que acaba publicado no site da Open Source Iniciative.  Um email do diretor da empresa de investimentos S2 Partners, Michael Anderer, a Chirs Sontag, vice-presidente do grupo SCO, em 12 de Outubro. A SCO reconhece a autenticidade do email, mas não o significado que se lhe atribuem.  "Reconheço que as últimas negociações não foram muito divertidas", afirma o remetente, "mas a Microsoft nos trouxe U$ 86 milhões, incluindo a BayStar" [31]. Os analistas de plantão comprometidos com os extremismos da propriedade intelectual "forte" jogaram logo seus panos quentes: a Microsoft só estaria "recomendado investidores" [32]. Enquanto isso, a SCO decide incluir na lista de extorsão o próprio governo norte-americano [33]. O curioso é que o contrato da SCO com o escritório de advocacia de Nova York, chefiado pelo mesmo advogado que liderou a acusação contra a Microsoft na ação antitrust do governo na guerra dos browsers, David Boies, paga-lhe pela aventura 3% da receita líquida da SCO, e 20% de sua venda se esta ocorrer durante o processo contra a IBM [19a].

No final de Março a IBM tenta o nocaute: pede ao juiz para que arquive o processo [34,38]. Enquanto isso, ratos farejam o naufrágio. O Banco Real do Canadá decide sair do negócio com a BayStar [35], o investidor de risco que especulou com a aventura da SCO por "indicação" da Microsoft, devido a supostas infrações da SCO no contrato de gaveta que teria resultado no aporte do investimento. Quer os seus dois terços do investimento de volta [36]. A SCO quietamente retira do processo a acusação de violação de segredo de negócio e da ilegalidade da GPL, mantendo a acusação de violação de copyrights, acrescentada depois, com a aquiescência da IBM [35a]. Por que? Não obstante o tempo fechado na ala do tabuleiro que corresponde à opinião pública, eis que surge em defesa dos abusos da propriedade intelectual "forte" um aliado da SCO. Kenneth Brown, presidente de um tal de Instituto Alexis de Toqueville, anuncia em 17 de Maio que vai lançar um livro em breve, cujo título é "Samizdat", explicando porque software livre e de código aberto é quase sempre trabalho derivativo de alguma propriedade intelectual alheia.

Descoberto o santo graal da propriedade intelectual "forte" na elasticidade do conceito de trabalho derivativo, impulsionado pela ciência da propaganda na forma desenvolvida por Göebels, este senhor agora verte sua prima matéria diante da mídia, para manchar Linus Tovalds com a pecha de inescrupuloso. "Com alta probabilidade", o kernel que Linus afirma ter escrito seria, segundo ele, trabalho derivativo de outros sistemas, como o minix. Um consultor contratado para comparar os dois códigos e o autor do minix negam, mas Brown os ingora. Trata-se de imitação, diz ele. Haverá, por acaso, algum sistema oprarional que não imite o primeiro, a máquina universal proposta por Turing em 1936, treze anos antes da invenção do transístor, sendo o firmware baseado, desde sempre na história da informática, no modelo proposto por von Neumann em 1948 para realizá-la, ambos no tempo em que ciência era ainda bem comum? E sobre as sevícias em Abu Ghraib, dois terços dos norte americanos pesquisados não as identificam com tortura. Imitação, talvez?

Esta cantilena sobre sistemas operacionais deveria ter se esgotado com o transitado em julgado, favoravel à defesa, na ação judicial movida pela Apple contra a Microsoft (o Windows estaria imitando o Macintosh). Mas está de volta. O sr. Ken Brown, que ao trabalhar seu intelecto intestinal em Samizdat também imita propriedade alheia, tomada como sua porém com escrúpulos, apesar de fétida, também retoma o argumento derrogatório sobre a linguagem obscena e injuriosa dos pinguinistas: "enquanto muitos programadores de código aberto respeitam a propriedade intelectual, alguns se referem aos direitos de propriedade intelectual com desdém" [37].

Me pergunto se este senhor já teve que ganhar seu sustendo produzindo código fonte, para saber do que está falando. Em algum sentido, todos nós que produzimos intelectualmente, só produzimos trabalho derivativo. Do dicionário. Assim como programadores produzem código fonte, de linguagens e bibliotecas. Estaríamos todos por isso roubando nossas idéias e frases do Aurélio ou do Huaiss? Ou surrupiando-as inescrupulosamente da nossa primeira professora de português, que nos ensinou a imitar construções gramaticais com sujeito, verbo e predicado concordantes?

Quem busca assim justificar a conduta da SCO, dá a si, por acaso, algum direito de criticar falta de escrúpulos alheia?  Seremos todos vítimas, como no pesadelo de Kafka, da elasticidade semântica do juridiquês? Na medida em que o valor semiológico do software livre cresce com sua sinergia, penso que em um ano já seremos todos hereges ou ciberterroristas, aos olhos do Sr. Ken Brown. Cego dos valores coletivos, vítima da avareza, epidêmica no fundamentalismo de mercado. Antes que isso aconteça, Linus Tovalds põe suas barbas de molho. Admite ter roubado o código-fonte do Linux, do Papai Noel e da Fada Madrinha, e estabelece novos procedimentos de controle para identificação de origem das contribuições ao kernel. Em reação, analistas comprometidos se atiram como abutres, com manchetes do tipo "código fonte do Linux up for grabs" (em disputa) [38].

O Sr. Ken Brown nos coloca, mais uma vez, em cena de humor sinistro. Como aquela protagonizada por um supremo ministro justificando as peripécias do seu colega como deputado na constituinte de 1988, e a do Sr. Bush Jr. procurando por armas de destruição em massa no seu escritório, diante das câmeras de TV. Estas cenas, que certamente irão ser inescrupulosamente imitadas, devem estar prenhes de algum sentido mais profundo e oculto, por tras da deslavada hipocrisia. Um sentido que nasça do choque irreconciliável de subjetividades. Podemos invocar Nagel para darmos luz a este sentido? Talvez, alguma mudança de paradigma. Um colega de UnB me lembra: Alvin Toffler gosta de dizer que “a globalização acirra os tribalismos”. E se assim for, qual é o paradigma que irá emergir? A última notícia sobre o caso SCO nos dá conta de que os lobos ladram enquanto a caravana do software livre passa [39].  mas passa em direção a onde?


3 - Fim


3.1 - Software e Globalização


Hora de voltarmos nossa atenção para o processo judicativo que promove a globalização. Entre as coisas que o leitor do Consultor Jurídico nos aconselha a não confundir, vamos deliberadamente procurar conexões, livre que estamos dos filtros ideológicos do fundamentalismo de mercado, movidos pela meta iluminista de restituir o Homem como medida de todas as coisas. Comecemos puxando o fio da história das ligações que esse filtro faz o sr. Ken Brown enxergar, com ajuda do dinheiro da Microsoft (segundo Stallman em [40 -29/05/04]). Elas se inserem num processo de radicalização que começou de forma aparentemente inóqua, no incio da década de 80, quando a jurisprudência norte americana começou a reconhecer certo tipo de patente, hoje conhecida como patente "de software".

Na verdade, trata-se de patente de algoritmo. Algoritmos são, grosso modo, idéias sobre como processar informação através de programas. E softwares são, grosso modo, agrupamentos de programas que se entendem entre si. Já as patentes estabelecem, no âmbito do direito industrial, direito de exclusividade para exploração econômica de invenção. Será que regras para manipular símbolos fazem parte da natureza humana, como parte da sua inerente competência linguística, ou será que são invenções? Foi preciso um contorcionismo hermenêutico para driblar a letra da venerada Carta Magna da maior democracia do planeta, e estabelecer, depois de várias tentativas, que antes a útima coisa do que a primeira. Logo a concessão desse tipo de patente se multiplicou. É importante notar que direitos de patente de software nada tem a ver com direitos autorais sobre software. E que, como vimos, a SCO confundiu deliberadamente a opinião pública e o tribunal, sobre o que exatamente estava em jogo, em suas acusações.

Uma patente de software "protege" uma idéia sobre como executar determinada função simbólica com qualquer programa de computador, enquanto o copyright de um programa de computador protege o autor contra o uso indevido da sua obra, originalmente expressa no código fonte deste programa. São proteções que podem se sobrepor, mas são independentes. Para aquilatarmos as conseqüências da manobra jurídica que legitimou as patentes de software, dando largada à corrida pela radicalização dos regimes de PI, precisamos de perspectiva histórica.

Desde a invenção da imprensa de tipo móvel, a história vem nos ensinando três lições importantes sobre TICs:

  1. seus mercados são por natureza monopolizantes, devido ao "efeito rede" de sua ação;
  2. seus modelos negociais têm eficácia efêmera, devido aos efeitos reflexivos de sua natureza;
  3. seus produtos servem para instrumentar controles de acesso e validação do conhecimento, fundamentais à legitimação do poder político.
A radicalização dos regimes de PI se faz necessária à perpetuação de práticas negociais que já experimentaram estrondoso sucesso com as TICs, apresentando taxas de retorno jamais vistas na história do capitalismo. Mas a sobrevida dessas práticas incorre em custos sociais crescentes, causando-lhes fadiga. Como a sobrevivência a esta fadiga depende, devido à própria evolução das TICs, de regimes jurídicos de propriedade intelectual cada vez mais radicais, parece lícito classificar estas práticas em um modelo que possamos chamar de proprietário. A radicalização jurídica iniciada com o patenteamento de algoritmos não surge, portanto, nem da natureza das TICs nem do acaso.

Esta radicalização atinge hoje um ponto em que gera insegurança jurídica, transformando a jurisprudência numa barreira de entrada ao negócio do software em larga escala, e numa loteria selvagem onde só tem ganho garantido os escritórios de advocacia especializados. A essência da radicalização -- a corrida pela proprietarização de idéias, no sentido jurídico e não cognitivo -- estimula o jogo sujo com os poderes econômico e político, como ilustra o caso SCO versus IBM. Esse jogo é entendido, pela filosofia do software livre, como muito desconfortavelmente próximo de metáforas sombrias. Se o jogo com patentes de software fosse limpo, como supõe a ideologia fundamentalista de mercado, o movimento do software livre poderia simplesmente continuar dispensando a proteção patentária, e seguir seu rumo. Mas o jogo é sujo, e cada vez mais parecido com uma forma de terrorismo que age na esfera econômica.

Como saber se a idéia para escrever um trecho de programa poderia ser interpretada por um juiz como propriedade alheia, com escritura nalguma bula lavrada em hermético dialeto legalês, em uma das mais de 100 mil patentes de software registradas nos escritórios de patente do primeiro mundo, ou em uma das centenas de milhares que tramitam em sigilo, e que terão efeito retroativo à data de submissão, se concedidas? Ou trabalho derivativo de uma obra intelectual antes aberta, mas depois tratada como segredo industrial, para efeitos punitivos? Um caso recente e emblemático desse jogo foi protagonizado por Leon Stambler, contado por Bruce Schneier em sua revista eletrônica Chrypto-gram de 15 de março de 2004 (http://www.counterpane.com/).

Munido de duas patentes sobre protocolos de autenticação digitais, Stambler vinha extorquindo empresas que comercializam software para segurança na informática. A análise técnico-jurídica das centenas de páginas de suas patentes custaria às vítimas mais caro do que as centenas de milhares de dólares que ele pedia, em troca da suspensão das ameaças. Mas quando Stambler ameaçou a RSA, a maior empresa de criptografia do mundo, por suposta violação das suas patentes no protocolo SSL, a vítima resolveu trucar. A RSA havia submetido seis patentes do SSL em 1994 nos EUA, que foram concedidas em 1997, enquanto as de Stambler haviam sido submetidas em 1992 e concedidas em 1999.

Como já dito, essas patentes são retroativas à data de submissão, apesar do processo transcorrer em sigilo. Quem submete o pedido é obrigado a publicizar apenas um resumo do pedido, que não pode ser modificado durante o trâmite da concessão. Stambler explorou uma faceta radical do processo patentário na jurisdição norte-americana, que permite que o pedido de patente em si possa ser modificado enquanto tramita, requerendo nova análise -- sigilosa -- a cada revisão. É a chamada patente “submarino”. Leo Stambler teve sete anos para cozinhar iterativamente suas centenas de páginas de legalês em sigilo, enquanto descobria as idéias que a RSA e outras empresas vinham implementando em softwares, e que poderiam se encaixar no resumo genérico do seu pedido de patente.

3.2 - O ouro alquímico dos bits

Se Stambler teve ou não teve que gastar mais de U$ 20.000 para cada revisão, dinheiro muito bem recebido pelo USPTO (escritório de marcas e patentes dos EUA), isso não vem ao caso. O absurdo nisso tudo é que a RSA provavelmente não conseguirá reaver o que gastou para enfrentar Stambler nos tribunais, o que corresponde a mais do que gastaria se aceitasse ser extorquida, e ainda, beneficiando suas concorrentes, que deixarão de ser extorquidas depois de desarmado o golpe de Stambler. Embora o golpe de Stambler possa parecer um caso isolado, não é. Existem muitas empresas de software que hoje só empregam advogados, que só fazem administrar carteiras de patentes, que só servem para criar barreiras artificiais à entrada de novos concorrentes no mercado de software proprietário.

Esta radicalização faz parte, entretanto, da estratégia comercial e industrial que subsume a filosofia e a ideologia fundamentalistas de mercado. O mercado deve ser livre para armar suas trapaças, conluios, engodos e selvagens esquemas de extorsão. Os custos sociais crescentes e necessários à manutenção do modelo proprietário como modus negociandi prevalente no mercado da informática, a julgar pelas amostras, não são de pouca monta. Vemo-las em contenciosos cada vez mais esotéricos, envolvendo conceitos subjetivos e nebulosos que descambam em oxímoros capazes de eletrocutar a lógica jurídica clássica.

Como no caso SCO x IBM, o conceito de "trabalho alheio derivado de obra intelectual protegível por sigilo industrial". Seria infração de direito autoral ou de segredo industrial? Enquanto nos esforçamos para descobrir qual das violações excludentes teria ocorrido, a ausência de tal violação é camuflada por elasticidade semântica e segredo de justiça, a serviço do FUD. Protela-se, até que o processo judicativo seja induzido, pelo impasse, a fundir essess direitos, numa espécie de superdireito canônico da propriedade imaterial, com efeito retroativo.

Para entendermos como opera a lógica desta estratégia e seus efeitos colaterais, precisamos comparar empreendimentos de produção e distribuição de software sob o regime copyleft ou open source, e sob o modelo proprietário. Pode-se concluir, como faço em recente análise [3], que as diferenças se restringem às conseqüências da inversão no controle da relação jurídica entre empreendimento e sua base de mão de obra. E as diferenças no modelo livre podem ser entendidas como contrapesos aos poderes econômico e semiológico do empreendedor, potencial ou real, balanceados pela autonomia daqueles que realmente programam, quando decidem usar sinergisticamente o poder do conhecimento que detém, em precedência à lógica econômica racional do maior retorno econômico no menor tempo.

Pelo ângulo econômico do processo produtivo completo, a diferença fundamental estará nas métricas de eficiência. No modelo livre as métricas de longo prazo terão como referencial o usuário, e no modelo proprietário, o empreendedor. No primeiro caso, quanto mais barato o valor médio dos produtos e serviços, de qualidade e função equivalentes, melhor. No segundo, quanto mais caro, melhor. Quanto a isso, é salutar não nos iludirmos. Um modelo se guia por critérios sociais, enquanto outro, por critérios capitalistas de eficiência sob as distorções induzidas pelo estágio de monopolismo ou cartelização alcançado pelo correspondente segmento do mercado. O exemplo da privatização de serviços públicos como eletricidade e telefonia nos mostra como esta lógica funciona na prática.

O modelo livre oferece ganhos sociais através do impedimento prático à monopolização e cartelização na esfera dos empreendimentos, naturalmente abusivas, já que o licenciamento do software enquanto espécie semiológica (sua expressão em código fonte) é livre. E, quando menos, ainda o será livre -- ou mais livre -- sob a cláusula essencial do copyleft (relicenciamento compatível com a licença original), talhada para preservar esta mesma liberdade. O modelo livre oferece mais equilíbrio na distribuição de riscos e barreiras entre os agentes da aventura virtualizante: programadores, empreendedores e usuários, em troca da renúncia à possibilidade de esquemas negociais socialmente abusivos.

Aos usuários, o modelo livre oferece a oportunidade de resgate das liberdades civis que vão se erodindo nessa aventura, principalmente direitos de conhecimento. Ou, como quer o filósofo Jaques Derrida, direitos de defesa da inteligência [41], atacada pelo modus negociandi do modelo proprietário através da supressão ao direito fiduciário de se saber como softwares intermedeiam a comunicação da personalidade civil do usuário, num mundo onde os valores estão cada vez mais virtualmente representados. Ou, como quer o sociólogo Lucien Sfez, direitos de defesa contra a violência simbólica [42], aquela que leva a comunidade de usuários a entrar em um sistema de crenças (fundamentalismo de mercado) sem que seus membros percebam.

Não se trata de se querer impor um conhecimento inalcançável na prática -- a compreensão do código fonte --, como se costuma borrar contra a filosofia do software livre e do open source. Trata-se, outrossim, de se resgatar os direitos de acesso e de escolha dos intermediadores, face aos graves riscos de erosão de outros direitos no seu impedimento. O modelo livre oferece tudo isso como contrapeso e alternativa aos crescentes abusos de um regime de PI em rota de insanidade, borrados ao ponto de serem tidos por simples danos colaterais de um processo inevitável, a PI "forte". Enquanto o modelo proprietário oferece o que hoje prevalece por aí, já visível sem ou com as lentes obnubilantes do FUD.

3.3 - As frias fogueiras da neo-inquisição

Ao observarmos que os critérios de eficiência dos dois modelos tendem a divergir, e a divergir em desfavor -- do ponto de vista do usuário -- do modelo proprietário, devido principalmente à escalada de custos com litigação sob um regime de PI cada vez mais insano [43, 44], fica claro porque o uso livre do poder do conhecimento de quem programa representa uma ameaça à ideologia da PI "forte". Também fica claro porque esta ideologia aponta, ao status quo monopolista das tecnologias de informalção, a radicalização judicativa como o caminho de sobrevida  que melhor capitaliza o poder econômico e político por ele já amealhado. Os sabichões que acham que sabem melhor ditar o rumo para a nossa res publica, poderão responder: quo vadis? Se mirarem sem as lentes obnubilantes que querem nos por nos olhos, verão uma paisagem sombria.

Tal caminho parece nos levar a uma nova contra-reforma, com sua pós-moderna reedição da Santa Inquisição. Com o dogma da auto-correção dos mercados desregulados (exceto para PI, é claro!) no lugar do dogma da infalibilidade papal. Com a internet no lugar da imprensa de Gutemberg. Com a autonomia semiológica, atirada ao mesmo saco que a pirataria digital, no lugar da heresia. Com os hackers, crackers, e livre-pensadores encarnando os bruxos [45]. Com os escritórios de marcas e patentes, de lobbies de Hollywood e de Redmond, os institutos de Toqueville da vida, e os escritórios de advocacia da PI "forte" no lugar dos tribunais de inquisição [43]. Com o frio fogo de ubíquos tubos catódicos queimando vivas a reputação e a persona dos neo-hereges denunciados. Com o Mercado (existe um ou vários?) no lugar da Santa Igreja.

É a guerra cognitiva, travada entre o livre comércio e o livre saber, como podemos observar no processo político e legislativo atual, na ação borradora do braço comunicativo desse poder, nos Samizdats anunciados e por vir, na profecia Orwelliana., etc. Loucura? A distância entre a acusação de falta de escrúpulos, por quem não os tem, e a de ciberterrorismo, a nova heresia, corresponde a alguns poucos graus na temperatura da água que cozinha vivos os sapos piramidais, como o leitor poderá perceber se tiver interesse e estômago para ler até o apêndice.

Por que ainda não chegou a hora de nos despreocuparmos com a Microsoft? Numa recente entrevista, um repórter de jornalismo científico queria saber por que os vírus não costumam atingir software livre [46]. Tentei explicar  tomando como exemplo o recente vírus Netsky, e a razão porque não infecta sistemas GNU/Linux. Esse vírus tem seu próprio mecanismo smtp, e por isso não precisa fazer uso do cliente de email da vítima para se propagar, o que lhe capacitaria, em princípio, a infectar qualquer sistema. Mas para se propagar ele precisa de um catálogo de endereços nativo da máquina atacada, e isso ele consegue com um pequeno script em VBasic, linguagem nativa do Windows.

Quando, no meio da década passada, a Microsoft decidiu adotar um dialeto desta mesma linguagem para conteúdo ativo de suas aplicações web (Internet Explorer e Outlook Express), o que veio a chamar de Active scripting, ela derrubou a fronteira entre o público e o privado nas suas plataformas. Pode tê-lo feito por razões estratégicas, ao chegar atrasada na onda da internet, em cujo sucesso não acreditou inicialmente por ser "uma coisa sem dono". Pode tê-lo feito pensando em proteger o seu negócio, evitando a dissipação de um contingente de cerca de 8 milhões de programadores treinados na sua plataforma DOS, que debandariam para as novas plataformas de middleware.

 E já de olho em mais uma dose do vício do qual parece incapaz de largar, o de adotar padrões abertos -- no caso, extensões da linguagem html -- para depois modificá-los sorrateira e gradualmente em suas implementações, levando concorrentes a asfixiarem-se sob o peso do seu "padrão de mercado". Talvez tenha menosprezado os riscos decorrentes por julgar que poderia esconder, no seu código fonte secreto, a lógica com que o Windows distingue scripts que vem de fora de instruções que vem de dentro, idéia que seria tanto estúpida quanto indefensável.

Ou talvez tenha simplesmente desprezado a segurança do usuário, tratando-a como assunto de marketing, a ser resolvido com verba publicitária a partir da sua posição contratual dominante nas licenças. Conjectura evidenciada num fato vindo à tona com a epidemia do vírus ILoveYou, mas totalmente ignorado pela grande mídia: o de que a interpretação automática desses scripts continuava saindo configurada "de fábrica" no Outlook Express, mesmo depois da epidemia do Melissa. Segundo depoimento de executivos da empresa a uma comissão do Congresso norte americano, para atender a uma funcionalidade que poderia beneficiar cerca de 4% dos seus clientes.

3.4   A síndrome do seqüestrado

Doutra feita, esta empresa pode ter vários motivos para não gastar os U$ 53 bilhões que tem em caixa no conserto dos seus produtos. Primeiro, muitas vulnerabilidades nas arquiteturas destes produtos decorre do acúmulo de decisões de projeto que contemplaram antes a segurança do negócio, relevando a do usuário, e que, combinadas, amplificam-se a ponto de torná-las praticamente indefensáveis. Comento isto em [47]

Segundo, pode não ser do seu interesse. Parece que o totalitarismo semiológico do projeto de lei CBDPTA é aposta estratégica da empresa. E as leis semiológicas que Goëbels testou e aprimorou na máquina de propaganda nazista, são conhecidas do seu marketing, sua mais avançada divisão industrial. Quanto mais avacalhado e perigoso estiver o ambiente digital, mais fácil convencer legisladores e opinião pública, acometidos pela síndrome de empatia pelo seqüestrador, a aceitar a "solução final". A culpa, é claro, será toda dos hackers, como já começa a martelar a campanha neo McCarthyista do Instituto Alexis de Toquerville, surfando com dinheiro da Microsoft a onda de FUD do caso SCO versus IBM [40 -29/05/04]. Só deles, como também terá sido a dos recrutas torturadores e seviciadores de Abu-Ghraib, e como ocorreu com as armas de destruição em massa de Sadam Husseim.

De acordo com o projeto de lei CBDPTA, que está em trâmite no Senado norte americano e cuja universalização jurisdicional vem sendo preparada, pelo lobby da propriedade intelectual "forte", nos fóruns de negociação de acordos de "livre comércio" em todo o planeta, teríamos todos que nos submeter a um regime global de controle de acesso do software ao hardware, para obtermos a tão ansiosamente aguardada solução final da segurança. Assim mesmo:"segurança" sem complemento nominal, da mesma forma como se costuma conjugar, estando já todos adestrados para confundir a própria com a do Grande Irmão.

Neste regime, será proibido fabricar e comercializar, e depois usar, hardware que não inclua mecanismo autenticatório capaz de impedir a execução de qualquer software que não tenha sido digitalmente assinado como "confiável". Assinado por quem? Ainda não está claro, nem no projeto nem no lobby. Talvez pelo Grande Irmão. O de Orwell, não o da Globo.

Para legitimar um tal controle, perpetuador da prevalência do modelo proprietário, seria necessário que o regime de propriedade intelectual se globalizasse e se radicalizasse ainda mais, inviabilizando juridicamente o modelo de produção e distribuição de software livre e open source. Sinais da importância que o status quo proprietário estaria dando a esta estratégia, revelam-se no processo de tramitação da diretiva sobre patentes de software no Parlamento Europeu.

O conselho de ministros da União Européia parece determinado a provar que esta União é uma democracia apenas no papel. No início de Maio a atual presidência, ocupada pelo primeiro ministro Irlandês, conseguiu garantir, numa manobra furtiva, uma "maioria qualificada" para encaminhar, em condições de difícil reversão, uma contra-proposta à diretiva de patentes de software alternativa àquela aprovada no plenário em 2003, depois de longa e exaustiva negociação.  Ao invés dos atenuantes introduzidos na linguagem anteriormente aprovada, visando impedir o radicalismo jurisprudencial que toma de assalto o processo judicativo norte americano, analisado em [43], a nova proposta as elimina totalmente e vai além, tornando-a ainda mais radical do que sua contra parte norte americana.

Até trechos de código fonte passariam a ser patenteáveis, e como descritores da sua própria funcionalidade [48]. A produção de software se inviabilizaria fora do esquema de indultos papais emitidos pela seita da propriedade intelectual forte. De onde viria o interesse do primeiro ministro Irlandês, de contrariar membros poderosos como a Alemanha (além da Bélgica, Dinamarca e Eslováquia), e promover um tal golpe interno? Há que se averiguar os investimentos que a Microsoft poderia ter se comprometido a fazer naquele país, e as contrapartidas.

Se esta escalada radicalizante se propagar de volta aos EUA, através de acordos "de livre comércio", a campanha difamatória que o Sr. Ken Brown exacerba poderá arremessar novos atributos contra o software livre. Além de inescrupulosos imitadores, quem os faz seriam também piratas digitais, e conseqüentemente também quem os usa. E daí para enquadramento no ciberterrorismo, com o Patriot Act em vigor, basta mais uma leve empurrãozinho semântico. Com o crescente extremismo em Washington, onde uma onda de McCarthyismo digital, de carona com o religioso, associa o movimento do software livre à ideologia comunista [50], já se tem um roteiro.

Nesse ponto o episódio cinco chega ao fim, em respeito aos conselhos do companheiro e do leitor do Consultor Jurídico. Para evitarmos que o leitor se preocupe em demasia. E para evitarmos que eu me confunda mais ainda. Afinal, ainda não fui acusado de ciberterrorista, por distribuir às claras código fonte que já escrevi, imitando meus professores de programação, ou os textos que como este escrevo. Mas se algum dia acordarmos com esse tipo de acusação dirigida contra nós em manchetes de jornais, não terá sido propriamente uma surpresa. Antes disso, Mr. Schmeiser já havia acordado, não faz duas semanas (em 12 de maio de 2004), com a notícia de que a suprema corte do Canadá o enquadrava como pirata de propriedade intelectual alheia. Por cinco votos a quatro.

Mr. Schmeiser é um plantador de canola no Canadá, e em sua fazenda germinaram alguns grãos de canola que haviam voado de carregamentos de sementes alheias, transportadas pela estrada que margeia sua fazenda. Essas sementes acabaram por cruzar com as que cultiva em seu terreno, ali espalhando genes de propriedade intelectual da Monsanto, que passou a cobrar royalties de Mr. Schmeiser quando soube disso. Ele se recusou a ser extorquido. Foi processado, recorreu, e agora foi declarado biopirata em última instância, mesmo que involuntário, no primeiro julgamento de uma corte constitucional sobre patentes de genes de que se tem notícia [49]. Se e quando algo parecido acontecer a um de nós, com quem programa no modelo livre, terá sido apenas a água de cozinhar sapos piramidais entrando em ebulição, enquanto esperamos Godot. Enquanto esperamos a Microsoft descobrir como se ganha dinheiro com software livre. Enquanto esperamos o  Mercado decidir entre Windows e Linux.
 

Apêndice: O Sapo Piramidal, revisitado

Quem são os sapos piramidais? São aqueles que se conformam com a supressão gradual das liberdades humanas, resgatadas a duras penas de negras paginas da história, em nome de um totalitarismo capitalista auto-organizador e seu esquema de pirâmide da prosperidade, promovido pelos devotos da religião da avareza, que prega a conversão forçada dos infiéis. Sua seita mais perigosa é a do santo byte, que acredita na santificação através da beberagem de um mescla de competência tecnológica e poder político.

O sapo, por ser um batráquio, pode ser cozinhado vivo pelo lento e gradual aquecimento da água fria, já que não sente a temperatura, mas apenas sua mudança abrupta. Como os astecas e seus prisioneiros, cozinhados lentamente pelos dogmas dessa mesma religião.
 
 


O sapo piramidal



Bibliografia


[1] - Gianeti da Fonseca, Eduardo: "Humildade Analítica, arrogância dialética".
Suplemento Mais do jornal Folha de São Paulo, pp.13, 30 de maio de 2004


[2] - Habermas, Jürgen: "Direito e Democracia. Entre facticidade e validade".  Vol 1. pp. 248-249.
Ed. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1997


[3] - Rezende, Pedro A D. "Software livre [, mídia e opiniões]" Portal Consultor jurídico,
http://conjur.uol.com.br/textos/26718/


[4]- Paiva & Piovesan: "Vergonha nacional: CADE a favor do monopólio da Microsoft" 25/05/04, http://www.paiva.com.br/paiva/press.jsp; acessado em 31/05/04

[5]- "Ação contra Nelson Jobim". Correio Braziliense, 10 de outubro de 2003, pp. 6. In verbis:

"O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Sepúlveda Pertence chegou a brincar com a situação [manipulação da Constituição]. 'Estou torcendo para que apareça o artigo 102; aí, a gente arquiva os processos todos', afirmou, citando o artigo da Constituição que define atribuições do Supremo" [Tribunal Federal]

[6] - Vincent Ryan: "Anti-Linux Comments Rile Supporters"  NewsFactor Network, June 19, 2003 1:10PM http://www.newsfactor.com/perl/story/21764.html
Enderle's criticism of Linux set off a firestorm of protest on Internet message boards, many noting that he did not base his arguments on technical points but on "fuzzy" issues, such as the risk surrounding the intellectual property suit brought by SCO and the foul language used by Linux supporters...

[7]- James Maguire: "What If SCO Gets Its Way?" NewsFactor Network, June 27, 2003 http://www.newsfactor.com/perl/story/21814.html
Big Blue has invested so heavily in Linux that it is unlikely it could walk away from the code even if were to lose its legal battle with SCO. "This could go on for years," says Meta Group analyst Thomas Murphy. "It's going to be interesting."As much as any single event, the SCO-IBM legal confrontation resounds throughout the tech industry. On one side is SCO, the smallest of small caps, alleging IBM misappropriated code from SCO's Unix OS, using it to bulk up Linux's capability. On the other is IBM, a tech heavyweight with the power to move markets -- and an enormous bet on Linux's future...

[8]- James Maguire: "Sun Revealed as SCO's Secret Licensee" NewsFactor Network, July 11, 2003 http://www.newsfactor.com/perl/story/21894.html
Noting the amount of revenue the deals generated, Aberdeen Group analyst Bill Claybrook said that SCO could have done very well with its licensing operation without resorting to legal action. The previously secret licensing deal with Sun "puts to rest who really owns Unix source code," SCO spokesperson Blake Stowell told NewsFactor.
 
[9] -Jay Wrolstad: "Red Hat Fires Back at SCO" NewsFactor Network, August 5, 2003 
http://www.newsfactor.com/story.xhtml?story_id=22029
"We feel, as a leader in the industry, a responsibility to take action," says Red Hat spokesperson Leigh Day. "The integrity of the community of open-source developers is being questioned, and we have to defend them."

[10] -
"IBM Takes Offensive in Linux Fight"
http://www.newsfactor.com/story.xhtml?story_id=22053

"There are too many companies, like IBM, HP, Dell and Oracle, that are betting big on Linux, and they won't let one small company slow them down," says Forrester Research analyst Ted Schadler.

[11]- James Maguire: "SCO To Invoice Linux Users" NewsFactor Network, September 3, 2003
http://www.newsfactor.com/perl/story/22208.html
Computer-maker Dell -- a major proponent of Linux and, therefore, a likely recipient of a SCO invoice -- has announced it will not indemnify its customers from possible legal ramifications arising from Linux use. Notching up its efforts to generate revenue from its intellectual property, the SCO Group is planning to send invoices to commercial Linux sers, possibly by the end of September. The invoices will be sent out to "several thousand companies," said SCO spokesperson Blake Stowell...

[12] - James Maguire: "SCO's Road to Salvation" Enterprise Linux IT, September 5, 2003 http://www.newsfactor.com/perl/story/22226.html
"Even if they win -- which first of all seems fairly inconceivable -- one can't really see all the Linux users ponying up and paying SCO money," says Illuminata analyst Gordon Haff. "I think, more likely, they'd stop using Linux.Since filing its intellectual-property lawsuit against IBM, SCO's popularity among open-source proponents seems to have sunk lower every month. The company's critics already consider it the most reviled in the tech industry. Does the backlash that SCO's strategy produced threaten its long-term survival?...

[13] - James Maguire: "Open Source on the Brink" Enterprise Linux IT, September 11, 2003
http://www.newsfactor.com/perl/story/22278.html
In the next five years, open source "is going to take [the government] market away from Microsoft completely," predicts Eben Moglen, Columbia University law professor and Free Software Foundation general counsel. In just the last few years, open-source software has become a major force in the technology industry. Open-source applications play a key role in the server industry, are greeted eagerly in the wireless and electronic appliance sectors, and have formed an early beachhead on the desktop. But now it faces a number of challenges, including legal snarls and stiff resistance from proprietary-software companies....

 [14] - Jay Wrolstad: "SCO Gets Cash to Fight Linux Battle, Issues More Legal Threats" Enterprise Linux IT, October 17, 2003
http://www.newsfactor.com/perl/story/22513.html
Yankee Group analyst, Dana Gardner, suggested that the decision to focus on the lawsuit indicates SCO may be having trouble with its other business, and could be a "one-trick pony." The SCO Group received a US$50 million investment from BayStar capital for software development, as well as for "protection of the company’s UNIX intellectual property and related programs."

[15] - James Maguire: "Should UnitedLinux Boot SCO?" Enterprise Linux IT, October 27, 2003
http://www.newsfactor.com/perl/story/22561.html
"SCO, regardless of what anyone wants to say, is marching on," says Yankee Group analyst Laura DiDio. Its stock price has risen sharply, and it just received $50 million in new financing. UnitedLinux, formed with high hopes and a spirit of cooperation, now appears to be anything but united. The umbrella group of four Linux vendors is a house divided, an organization whose members seem to be at cross purposes with each other...

[16]- James Maguire:  "SCO Attacks Open Source License", Enterprise Linux IT, October 29, 2003
http://www.newsfactor.com/perl/story/22583.html
"SCO has distributed under GPL for years, and continues to do so," says legal expert Eben Moglen. "That means that SCO has permitted everybody to copy, modify and distribute that code. They can't go back now and say people don't have a right to distribute that code."Enlarging the scope of its lawsuit against IBM, SCO Group has filed court documents that challenge the validity of the GPL (GNU General Public License), the software license that governs Linux. If SCO were to successfully invalidate the GPL -- which has never been legally challenged -- it could have an enormous impact on Linux's future...

[17] - James Maguire: "Subpoenas Fly in IBM-SCO Legal Battle" Enterprise Linux IT, November 13, 2003
http://www.newsfactor.com/perl/story/22684.html
The IBM subpoenas are a wide-ranging request for any documents pertaining to SCO or its biggest shareholder, Utah-based Canopy Group. They were sent to three financial organizations and the Yankee Group, a research firm.The SCO Group-IBM lawsuit is already a high-profile court battle, but it is becoming even more intense. Both sides have issued a raft of subpoenas requiring an extensive list of industry figures to become involved with the proceedings...

[18] - Erika Morphy: "Novell's SuSE Buy Strikes Blow to SCO" Enterprise Linux IT, November 10, 2003
http://www.newsfactor.com/story.xhtml?story_id=22658
IBM is using Novell as a staging ground of sorts for the industry to provide a more focused effort to defend Linux and, more importantly, provide a united front against Microsoft, says Meta Group analyst Earl Perkins.

[19] - "The New Linux Superpower" Enterprise Linux IT, November 14, 2003
http://www.newsfactor.com/perl/story/22697.html
Novell's management has changed from the early days when it flubbed its Unix System Labs and Word Perfect acquisitions, notes Meta Group analyst Earl Perkins. "The team in place now knows that there is too much at stake not to do this one correctly."Novell was a dying company with its networking products in sharp decline for nearly a decade. But six months ago it pulled itself together and made a successful play for Ximian, the top Linux desktop company. Last week, it upped the ante and went after SuSE, a top enterprise-Linux vendor. Novell could become a Linux superpower, some say. Or not...

[19a] -
James Maguire: "SCO Escalates Legal Battle on Three Fronts" Enterprise Linux IT, November 19, 2003
http://cio-today.newsfactor.com/story.xhtml?story_id=22719
"Some of the BSD code likely made its way into Linux, and probably -- almost assuredly -- made its way into [Unix] System V," says Aberdeen analyst Bill Claybrook, but "you couldn't argue that just because [BSD] files went into System V, it was derived code."

[20] - James Maguire: "IBM Wins Skirmish in SCO Battle" Enterprise Linux IT, December 8, 2003
http://cio-today.newsfactor.com/story.xhtml?story_id=22813
In addition to requesting more details from SCO, IBM has found fault with how the Utah-based company has provided
information thus far: SCO has delivered source code to IBM printed on 1 million sheets of paper

[21]- James Maguire: "IBM, Intel Contribute to Linux Defense Fund " Enterprise Linux IT, January 12, 2004
http://www.newsfactor.com/perl/story/22974.html
Since the GPL has not met a full legal test, SCO's action may not be the only lawsuit Linux faces. Contributing to a defense fund instead of indemnifying customers "is like putting a band-aid on a complex fracture," says Yankee Group analyst Laura DiDio.IBM and Intel have contributed to a fund established to defend companies that use Linux against potential copyright lawsuits brought by the SCO Group...

[22]- Jay Wrolstad: "Novell Closes SuSE Deal, Offers Linux Indemnification" Enterprise Linux IT, January 13, 2004
http://www.newsfactor.com/perl/story/22982.html
Indemnification is a common practice among software vendors, although it is relatively rare in the open-source community where contributions to the software come from a broad array of contributors. HP is the only other company to offer protection to Linux users.Along with closure of its $210 million cash deal to acquire Linux provider SuSE, Novell has announced it will offer a measure of
protection for its enterprise-Linux customers...

[23] - Lisa Valentine: "SCO Goes Global with Linux License" Enterprise Linux IT, January 15, 2004
http://www.newsfactor.com/perl/story/22997.html
"SCO is not going away," DiDio continued. "They are in this for the long haul. They have a long uphill climb to win [the IBM] lawsuit, and it's going to take months, even years. We'll see a lot of legal maneuvering on both sides. However, if they do prevail, it is a huge payday for SCO," she pointed out.

[24]-  Jay Wrolstad: "Red Hat Offers Linux Protection Plan" Enterprise Linux IT, January 20, 2004
http://cio-today.newsfactor.com/perl/story/23025.html
Despite concerns about the legal cloud hanging over Linux purchases, the open-source software continues to gain ground, says IDC analyst Jean Bozman. "From a customer's perspective, indemnification raises the comfort level, making buyers feel more secure in their purchases," she said.

[25]- James Maguire: "SCO Sues Novell over Unix Copyright Claims" Enterprise Linux IT, January 22, 2004
http://www.newsfactor.com/perl/story/23034.html
"Novell continues to make claims that they should not be making and copyright registrations they should not be making," says SCO spokesperson Blake Stowell. "We certainly plan to defend our interests in the Unix copyrights," counters Novell spokesperson Bruce Lowry.

[26]- Erika Morphy: "MyDoom Forces SCO To Change Address" Enterprise Security Today, February 2, 2004
http://www.newsfactor.com/perl/story/23105.html
"Right now, corporations are well aware of what they need to do. But it is consumers' lack of security awareness -- by opening e-mails they shouldn't and by not protecting their PCs -- that is threatening corporate networks," says Scott Chasin, CTO of Internet security firm MX Logic.

[27]- Jason Lopez: "OSDL: SCO Painted Itself into a Corner" Enterprise Linux IT, February 10, 2004
http://www.newsfactor.com/perl/story/23164.html
Ultimately, the debate may be solved not in the courts or through studies but simply on the sales floor. If Microsoft is right, and the TCO of Linux turns out to be too high, Bill Gates has nothing to worry about. If not, Moglen's "glorious summer for open-source software" might last a bit longer, says law professor Eben Moglen.

[28]- James Maguire: "SCO Adds Laundry List of Complaints to Suit" Enterprise Linux IT, March 1, 2004
http://cio-today.newsfactor.com/perl/story/23267.html
"The case has been sucked into a legal morass," says Illuminata analyst Gordon Haff. However, he says the tide appears to have turned in IBM's favor. While once the case seemed to cast a cloud over Linux, the enterprise community now seems much less concerned about it.

[29]- Jay Wrolstad: "SCO Sues AutoZone, Daimler Chrysler" Enterprise Linux IT, March 3, 2004
http://cio-today.newsfactor.com/perl/story/23284.html
AutoZone and DaimlerChrysler now join IBM and Novell as defendants in legal action initiated by SCO, owner of the Unix operating system. In response, Linux vendors Red Hat, HP and Novell are offering indemnification to their customers, providing protection against copyright-infringement claims.

[30]- Jason Lopez: "SCO Ordered To Reveal Infringing Code" Enterprise Linux IT, March 4, 2004
http://cio-today.newsfactor.com/perl/story/23301.html
The infringing code will probably remain behind closed doors. "The Linux and the open-source communities have been frustrated -- saying that SCO had not shown its code," said Laura DiDio, Yankee Group analyst. "But it's probably going to be awhile before we see any of it."

[31] -James Maguire: "SCO Memo Scandal: Is Microsoft Behind It All?" Enterprise Linux IT, March 5, 2004
http://www.newsfactor.com/perl/story/23302.html
Linux proponents long have suspected that Microsoft, which sees Linux as a competitive threat, has been a force behind SCO's Linux-related legal actions. "This is the smoking gun," says Linux expert Eric Raymond of the leaked SCO memo.

[32]-
James Maguire: "Microsoft Prompted SCO Investment" Enterprise Linux IT, March 12, 2004
http://www.newsfactor.com/perl/story/23342.html
Microsoft, by merely suggesting an investment, has not passed over the boundaries of propriety. "Unless there is a really deep smoking gun, and people can find evidence of collusion and quid pro quo," it is merely a standard business practice, says Yankee Group analyst Laura DiDio.

[33]-Jason Lopez: "SCO Goes to Washington" Enterprise Linux IT, March 22, 2004
http://cio-today.newsfactor.com/perl/story/23472.html.
"I have a hard time ... believing that even David Boies himself, with the combined might of his firm and the funders of SCO, would be able to defeat the Department of Justice in court," says Will Rodger, director of public policy with the Open Source and Industry Alliance.

[34]-Jay Wrolstad: "IBM Goes for Jugular in SCO Suit" Enterprise Linux IT, March 31, 2004
http://www.newsfactor.com/perl/story/23580.html
IBM could land a knockout punch if U.S. district court judge Dale A. Kimball decides to dismiss the case. "It's not surprising that IBM would do this and try to end the fight early," says Yankee Group analyst Laura DiDio. "But it sure took them a long time to react to the threat." .

[35]- Erika Morphy: "SCO Sweats as BayStar Threatens To Pull Funds" NewsFactor Network, April 17, 2004
http://www.newsfactor.com/perl/story/23741.html
BayStar's relationship with SCO made headlines in March, when a leaked memo found its way to the Internet, revealing a possible relationship between Microsoft and the SCO Group, both of which have issues with Linux. According to the memo, Microsoft apparently had prompted BayStar Capital to invest in SCO.

[35a]- Pamela Jones: "SCO Drops Its Claim That the GPL is Unconstitutional", Groklaw, Abril 29, 2004 http://www.groklaw.net/article.php?story=20040428235932742
SCO appears to have given up its claim that the GPL is unconstitutional!. Here is SCO's Answer to IBM's Second Amended Counterclaims as text, and you will see that SCO has dropped that affirmative defense in this newly filed amended pleading. Oh, and it doesn't violate the export laws or copyright law or antitrust law, either. SCO made a mistake it seems, and now, like Gilda Radner's classic Emily Litella skit on the old Saturday Night Live, they say, "Never mind." Maybe BayStar talked some sense into them.

[36]- James Maguire: "Royal Bank of Canada Pulls Out of SCO" Enterprise Linux IT, May 10, 2004
http://cio-today.newsfactor.com/story.xhtml ?story_id=23815
Royal Bank of Canada sells off two-thirds of its investment to BayStar Capital, plans to pull out altogether from backing SCO. The trouble for SCO is that it has some major differences with BayStar at a particularly inconvenient time. .

[37]-  Jay Wrolstad: "NNew Book Slams Linux, Torvalds" Enterprise Linux IT, May 17, 2004
http://www.newsfactor.com/story.xhtml ?story_id=24083.
"For almost thirty years, programmers have tried to build a Unix-like system and couldn't," says Kenneth Brown. "To this day, we have a serious attribution problem in software development, because some programmers may have chosen to unscrupulously borrow or imitate Unix." He also challenges Linus Torvalds' role in its creation.

[38]- Jay Wrolstad: "IBM Seeks Slam Dunk in SCO Case" Enterprise Linux IT, May 21, 2004
http://www.newsfactor.com/story.xhtml ?story_id=24141
"Unless SCO can match up the lines of code in Linux to which it claims rights to the precise lines of code in the Unix software over which SCO claims copyright protection, SCO cannot show copyright infringement," IBM contends. IBM continues to push for the dismissal of a copyright-infringement lawsuit brought against the company by the SCO Group, requesting a partial summary judgment in U.S. district court...

[39]- Kimberly Hill: "Linux Group Tightens Submission Process" Enterprise Linux IT, May 24, 2004
http://www.newsfactor.com/story.xhtml ?story_id=24178
Linux creator Linus Torvalds and Linux 2.6 kernel maintainer Andrew Morton said they adopted a revised process for accepting contributions from developers after working with representatives from a wide swath of the open-source community, including those who maintain subsystems of the Linux kernel.

[39]-By Syndication: "SCO Shakes Up Industry But Linux Moves On" May 26, 2004
http://www.newsfactor.com/story.xhtml ?story_id=24222
If SCO's strategy was to create uncertainty about Linux, the company has not been successful, says analyst Charles King. With the number of lawsuits ballooning and one of SCO's major investors, Baystar Capital, asking for its money back, SCO may be in real trouble. "It's got all the makings of a company that's very badly over-extended.

[40]- Groklaw: Portal de pesquisa paralegal dedicado ao caso SCO versus IBB
 http://radio.weblogs.com/0120124/ e http://www.groklaw.net/


[41]- Duarte-Plon, Leneide: "A mídia segundo o filósofo",
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp ?cod=272TVQ001


[42]- Sfez, Lucien: "As tecnologias do espírito",  em "Para navegar no século 21", 
Ed. Francisco M Martins,  EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999


[43]- Pedro A D Rezende: "Governo, Informática, Conhecimento: Quais as relações possíveis?"
Semana do Software Livre no Legislativo, Congresso Nacional, agosto de 2003,
http://www.pedro.jmrezende.com.br/trabs/ssl_senado.htm


[44]- Pedro A D Rezende: "O caso SCO x IBM"
http://www.pedro.jmrezende.com.br/trabs/fisl2003.htm


[45]-Pedro A D Rezende: "Bruxos pós-modernos e a neo Inquisição"
http://www.pedro.jmrezende.com.br/trabs/beting.htm


[46]- Pedro A D Rezende: "Segurança com software livre"
http://www.pedro.jmrezende.com.br/trabs/entrevistaCC.html


[47]- Pedro A D Rezende:"Imunizando nossa inteligência"
http://www.pedro.jmrezende.com.br/ trabs/imunizando.htm


[48]- James Heald: "EU ambassadors vote to back software patents" FFII news release, May 7, 2004
http://lwn.net/Articles/84009/


[49]-  RK Makin & A Dunfield: "Monsanto wins key biotech ruling" Globe and Mail Update
http://www.globeandmail.com/servlet/story/ RTGAM.20040521.w4mons05211/BNStory/National/


[50]- John Pallatto: "Lessig: Open-Source Industry Must Lobby for Political Backing" March 17, 2004
http://www.eweek.com/article2/ 0,1759,1550037,00.asp
The high-tech community in general and Silicon Valley in particular have been "pathetic" when it comes to fighting the prevailing "extremist" political view in Washington that open-source software is a threat to strong intellectual property rights, according to Stanford University law professor Lawrence Lessig. These extremists have created an intellectual property "McCarthyism" that projects the view that "if you support the idea of the public domain or free and open-source software, then you must be basically Red," said Lessig at the Open Source Business Conference here. Lessig argued that balanced national copyright policy is the best way to promote innovation.

v.2 - 13/06/04