Sistema de Votação sob Suspeita
Entrevista a Conceição Lemes,
Para o Portal Viomundo
(publicação original recuperada)Prof. Pedro Antonio Dourado de Rezende
Departamento de Ciência da Computação
Universidade de Brasília
25 de Outubro de 2014
Conceição Lemes: 1. [Diante de um sistema de votação sob suspeita, quando o TSE não responde perguntas sobre fraude], ele nos trata como idiotas. Após o segundo turno, torna-se imperioso uma discussão pública com pesquisadores independentes sobre o sistema de votação eletrônica no Brasil, já que o TSE há anos foge desse debate. Tem de se abrir essa caixa preta. Nesta eleição (2014), surgiram muito mais denúncias de fraude eleitoral do que em pleitos passados. O que acha disso?
Pedro Rezende: Nessa eleição, pela primeira vez foram descobertas vulnerabilidades nos programas do sistema de votação durante a fase de análise do código pelos partidos políticos.A forma pela qual o TSE reagiu a essa descoberta legitimou uma discussão pública sobre os riscos que essas vulnerabilidades representam em nossas eleições.Particularmente para e eleição de 2014, tendo em vista os sinais de que a mais grave das vulnerabilidades do sistema de votação poderia ter sido explorada, produzindo as grandes discrepâncias que vimos entre as pesquisas de boca de urna na votação do primeiro turno e os resultados em vários estados.
Viomundo – 2. Qual foi a principal denúncia dos senhores ao TSE?
Pedro Rezende – Um analista credenciado pelo PDT descobriu que dentre os cerca de 90 mil programas que compõem o sistema de votação, existia um – o Inserator –, que pode manipular o sistema de votação de forma a permitir a entrada de programas clandestinos capazes de fraudar o resultado. O Inserator estava escondido no SIS (Subsistema de Instalação e Segurança), cujo desenvolvimento, manutenção e suporte é terceirizado para aquela empresa privada que mais tem pulado licitações públicas no TSE…
Viomundo – 3. A Módulo?
Pedro Rezende – Exatamente. O sistema que ela comanda — o SIS — é onde está aquele artefato que pode “abrir a porta” para o ladrão atuar.
Viomundo – 4. Como o TSE reagiu à denúncia?
Pedro Rezende – As vulnerabilidades descobertas foram relatadas com pedido de providências, pela advogada Maria Aparecida Cortiz, em petição dirigida ao presidente do TSE em 4 de setembro de 2014. A petição foi tratada pelo Secretário da Presidência do Tribunal como reclamação sobre votação — que ainda não havia ocorrido –, e não como impugnação de programas analisados — conforme enquadrava o cenário. Com tal manobra, na função de juiz “auxiliar”, esse secretário desqualificou a advogada e o pedido, indeferiu e mandou arquivar tudo, como se os fatos narrados nos autos fossem irrelevantes.
Viomundo – 5. O que ele deveria ter feito?
Pedro Rezende — Enviar esses autos para análise do Ministério Público, nomear um juiz Relator que daria parecer para julgamento em plenário.
Viomundo – 6. Ao votar neste domingo, que garantia nós, eleitores, temos de que o nosso voto vai ser contabilizado adequadamente?
Pedro Rezende — Apenas a crença cega na cantilena dos feiticeiros da seita do santo byte.
Na minha opinião, a maior vulnerabilidade do nosso processo de votação sistema é o fetiche cultivado pelo TSE em torno da urna eletrônica. O TSE é a única Justiça no mundo que faz e julga eleições que ela mesma faz. Esse fetiche produz, com ajuda de feiticeiros da seita do santo byte, essa mágica alegorização progressiva: de democracia representativa para tutelada.
Viomundo — 7. Em que fases do processo há risco de fraude eleitoral?
Pedro Rezende –Em qualquer das cinco etapas do processo de votação. A saber: desenvolvimento dos programas, preparação dos ambientes, carga das urnas, votação e totalização. Na fase de totalização, as fraudes podem ser tanto preparadas quanto praticadas, onde as formas possíveis são as mais certeiras e abrangentes.
Viomundo – 8. Essas fraudes podem ser perpetradas por quem?
Pedro Rezende — Por quem tem acesso privilegiado para preparar ou operar o sistema de votação, de forma mais eficiente com divisão de tarefas em ações complementares. Nesse caso, até mesmo com a maioria na cadeia de comando, excluindo o topo e algum programador, sem saber que está participando ou contribuindo para isso.
Viomundo – 9. Que sistema é usado e quem o desenvolveu?
Pedro Rezende — É usado o sistema de votação do TSE, concebido e desenvolvido em parte por ele, com terceirização de alguns componentes. A fabricação e o sistema operacional das urnas, assim como o sistema de instalação e segurança chamado SIS, são terceirizados. As urnas são quase todas fabricadas pela empresa Diebold, que tem ganho as concorrências para fornecimento das mesmas nos últimos dez anos. O sistema operacional que roda nela é uma versão do kernel Linux adaptado pela Secretaria de Informática do TSE.
Viomundo — 10. O que significa o SIS?
Pedro Rezende — Segundo documentação disponível na internet, O SIS – subsistema de instalação e segurança — é responsável pelo monitoramento e a segurança de todos os computadores integrados ao processo eleitoral no país. O SIS ainda administra o atendimento à regulamentação do TSE. O sistema monitora todo o ciclo de vida da eleição, desde os cadastros dos eleitores e dos candidatos, à geração dos bancos de dados para as urnas eletrônicas, a recepção dos resultados e a transmissão da totalização, até a sua divulgação.
O desenvolvimento e manutenção do SIS foi terceirizado para a empresa Módulo em 2002, sem licitação, com oito prorrogações sucessivas de contrato. Se e como esse contrato é acompanhado e fiscalizado pelo contratante, nada transparece dos atos públicos dos corregedores eleitorais. E agora, nem mesmo advogados externos têm como saber, pois com a mudança para o prédio novo do TSE, eles tiveram o acesso bloqueado à rede interna, onde os feitos administrativos são registrados.
Viomundo — 11. Aparentemente quem comanda, de fato, o sistema de votação são empresas privadas que atuam na área e o TSE seria uma espécie de rainha da Inglaterra. É isso mesmo?
Pedro Rezende –Esta é uma maneira emblemática de resumir o que está transparecendo do episódio da petição ao TSE, denunciando irregularidades e que foi arquivado.
Viomundo — 12. O sistema de votação está há anos nas mãos de mãos de poucas empresas, que são dispensadas de licitação? Isso não é estranho?
Pedro Rezende –Do ponto de vista de quem acredita na propaganda institucional do TSE, sim.
Viomundo – 13. O que cabe à Módulo e a Engetec nesta eleição?
Pedro Rezende – A Módulo é a empresa do programa – o Inserator. Ela desenvolve, mantém e ajuda a operar o SIS, e que deveria responder por seu desempenho e efeitos colaterais. Segundo o jornalista Luís Nassif, no artigo “A imprensa e o estilo Dantas, o atual presidente [Sérgio Thompson Flores] da Módulo confessou ter trabalhado para a Kroll. Ou seja, era daquela organização multinacional surgida nos EUA para espionagem e operações gerais de guerra cibernética que se envolveu num escândalo de traições e operações criminosas vindas à tona em 2008, por efeito da operação Satiagraha.
À Engetec cabe preparar as urnas para os dois turnos em sete estados da federação. Ela pertence a um membro da campanha do candidato que subiu 14 pontos na véspera do 1º turno. [Observação do Viomundo: o professor refere-se, respectivamente, a Wilson Noélio Brumer, o doutor Cemig, e a Aécio Neves]
Viomundo — 14. O que o senhor acha de a eleição neste domingo estar nas mãos de uma empresa, cujo diretor-presidente é ficha suja, e de uma empresa já denunciada pelo Ministério Público Federal?
Pedro Rezende –O eleitorado que não acha nada precisa acordar. Pode vir depois a sentir saudades do nível de corrupção que queria ver varrido do mapa a qualquer custo em 2014, mesmo que com ajuda de empresas para fraude eleitoral.