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Desdobramentos do caso Alagoas

Entrevista a Mário Coelho,
Para reportagem na Revista Congresso em Foco

Prof. Pedro Antonio Dourado de Rezende
Departamento de Ciência da Computação
Universidade de Brasília
Dezembro de 2008


Mário Coelho: 1. Nesta semana, o Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas (TRE-AL) afirmou que não houve fraude no processo eleitoral de 2006 no estado. O que essa decisão representa para a discussão sobre a segurança das urnas eletrônicas?

Pedro Rezende: 
Representa uma concentração absoluta de poderes. A entidade que opera a eleição é também juiz dos próprios atos segundo suas próprias regras. Ao ser acionada por qualquer candidato que se vê prejudicado, julga enquanto controla o acesso às provas, seja de possíveis irregularidades, seja para certificar o resultado da eleição. Neste caso, diante de copiosos indícios preliminares de inconsistências e falhas na eleição, o autor da referida ação teve este acesso obstado por uma absurda cobrança, de milhões de reais, para que fosse conduzida uma perícia mais completa nas urnas envolvidas.

Se o artigo 37 da Constituição Federal, que estabelece os fundamentos da administração pública, fosse levado a sério, a autoridade responsável pela eleição é que deveria arcar com os custos desta investigação, já que foi ela que contratou o fornecimento de suporte e serviços tecnológicos que deixou tantos sinais de inconsistências e falhas, estampadas nos autos da referida ação, lançando dúvida sobre a eficiência no seu desempenho desta função. Por muito menos, outras autoridades eleitorais noutros países investigaram e destituíram fornecedores de tecnologia, mas neste caso algo curioso aconteceu.

No papel de juglador, a parte interessada (que operou a eleição) interditou as urnas, sem necessidade pois bastava fazer cópia dos flashcards, comprou do mesmo forncedor milhares de novas urnas para a eleição seguinte (2008), pelo triplo do preço que havia cobrado do autor da ação para periciar as interditadas, e lavrou sentença pelo arquivamento do processo, por falta de provas. Mas pior, de forma extremamente humilhante, multou o autor da ação por litigar em má fé.

Do ponto de vista técnico e na acepção literal do termo, mais gritante má fé exibe quem de um lado ignora, ao arquivar esses processos, o que está nos autos, em perícias preliminares que apontam falhas e inconsistências no material inicialmente fornecido para análise, neste caso nos arquivos de logs, enquanto doutro lado alaredeia, em tom desafiador, que seu sistema é seguro porque ninguém nunca provou que tenha havido fraude com ele. Pudera.

2. MC: Recentemente, uma série de especialistas têm apontado problemas de segurança no atual sistema de votação. Por que o Tribunal Superior Eleitoral continua a negar qualquer tipo de problema nas urnas?
PR: Especialistas têm apontado problemas desde o início da informatização. O que tem ocorrido recentemente é outra coisa, é uma maior visibilidade para as conseqüências desses problemas, que tem sido tratados como tabu tanto no parlamento como pela grande imprensa.

Ao longo desse período, o TSE sempre agiu como um poder absoluto. Da perspectiva de um cidadão especialista que se preocupa com o futuro da nossa democracia, agiu e age como quem quer manter este poder pela força de tabus. Basta investigar como foi aprovada a última lei eleitoral, que acabou com a possibilidade da recontagem de votos (google "seita do santo byte"). Cabe lembrar como foi que a incarnação desse poder na República Velha a levou à derrocada.

O equivalente à desmaterialização do voto era, naquela ocasião, o bico de pena, e a essa concentração de poder, culminou na chamada Lei Celerada, promulgada no governo de Washington Luiz. Para uma melhor definição do quadro que temos hoje, talvez tenhamos que aguardar até o atual presidente do STF ser conduzido à presidência do TSE.


3. MC: No fim de novembro passado, a Câmara dos Deputados promoveu audiências públicas para tratar o tema. Qual o resultado da discussão?
PR: O resultado deve ser encaminhado ao TSE em breve. O conteúdo da discussão está disponível no portal da Câmara, basta consultar os anais das audiências públicas da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania dos dias 25 de novembro e 4 de dezembro deste ano.

4. MC: QUm dos problemas apontados é a não impressão dos votos da urna eletrônica. O que esse processo poderia fazer para evitar fraudes nas eleições?
PR: A desmaterialização do voto acabou com as fraudes de varejo, aquelas em que se manipulavam registros materiais de votos ou de votações, mas ao preço de se introduzir novas formas de fraude, que o eleitor e o leigo ainda desconheciam. Fraudes de atacado, em que se manipulam registros eletrônicos equivalentes, através da contaminação do software que apura ou totaliza nas urnas ou nas redes de totalização.

No contexto de poder absoluto do seu operador, esse tipo de fraude se torna indemonstrável e pode, assim, atrair malfeitores para a órbita do sistema, que por sua vez podem coligir para criar uma ditadura subreptícia e togada a corroer a democracia por dentro.

O que a retenção de um registro material do voto pode fazer, se bem implementada, é permitir que as vantagens dos dois métodos, os de materialização e da desmaterialização, sirvam para neutralizar as desvantagens do outro, isto é, para dificultar ou expor eventuais fraudes cometidas através do outro método.

5- MC: O senhor viu indícios de fraudes no processo eleitoral de 2008?
PR: Eu vi algo que considero muito pior. Eu vi sinais claros de que o que deu errado ou pôde ter dar errado, por falha ou por intenção fraudulenta de quem teve acesso privilegiado ao sistema, não poderá nunca ser comprovado por eventuais prejudicados. Devido aos problemas abordados nas questões anteriores.