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Imprementação do voto impresso em 2018

Entrevista a Thaisa Oliveira,
para matéria no jornal Gazeta do Povo

Prof. Pedro Antonio Dourado de Rezende
Departamento de Ciência da Computação
Universidade de Brasília
19 de dezembro de 2017



Thaisa Oliveira: 1. Como o sr. avalia a implementação do voto impresso em 2018?

Pedro Rezende: Em 2002 houve uma manobra política que começou igualzinho a esta, em que a justiça eleitoral está agora envolvida para cumprir a Lei, e que poderá, infelizmente, se repetir.

O objetivo do voto impresso é oferecer ao eleitor que estiver interessado em eleição limpa, uma forma independente de validar o resultado eleitoral, via recontagem de votos impressos em algumas seções eleitorais, sorteadas para isso após a votação. Tal mecanismo permite ao eleitor saber se as contagens refeitas com os registros de cada voto impresso naquela seção, contagens que qualquer eleitor ou candidato pode fisicamente acompanhar, coincide com as contagens fornecidas digitalmente pelo software que estava rodando na urna e que irão para totalização no tribunal, contagens essas que nenhum eleitor ou candidato consegue saber na prática como foi feita, já que um software contaminado para desviar porcentagem de votos nessas contagens virtuais pode ter essa contaminação apagada, por si mesma, dos rastros digitais na urna ao fim da votação.

Em 2002 essa validação independente era exigida pela Lei Federal N 10.408, mas durante os preparativos para a eleição, a implementação do mecanismo foi feita com uma interpretação bem marota dessa exigência legal, por parte de quem tinha que cumprir a Lei. Ao invés da amostra de urnas a serem submetidas para recontagem poderem ser escolhidas, por sorteio ou ao acaso, por quem quisesse validar a eleição dessa forma, a escolha foi feita bem antes da votação, por quem se acha o dono das urnas, a pretexto de limitações técnicas e orçamentárias no processo eleitoral. Apenas 5% das urnas imprimiram votos. Ora, para efeito de validação de nada adianta isso, já que as possíveis contaminações montadas para desviar parte dos votos e apagar seus próprios rastros podem perfeitamente detectar antes se existe impressora de voto funcionando na urna, e apenas se apagar se tiver. Podendo, assim, livremente desviar votos nas outras 95%.

Em 2002, o efeito desse mecanismo foi apenas teatral. Começando com a propaganda oficial enganosa bombardeando antes o eleitor com a ilusão de que uma recontagem limpa nessas 5% de urnas provaria a lisura da eleição. Mas esse teatro foi bem além dessa marotagem midiática inicial. Durante os preparativos para aquela eleição, a mesma instituição que gasta dinheiro arrecadado de nossos impostos com esse tipo de propaganda, armou também outras marotagens, estas de natureza operacional, com esses 5% de urnas e com os pobres eleitores que iriam votar nelas, devidamente documentadas. Tal sabotagem foi depois usada para outras marotagens, agora institucionais, demonizando o mecanismo no congresso e na mídia corportiva para que a Lei 10.408 fosse revogada, deixando não apenas 95% mas todos os eleitores a mercê de "recursos" digitais como o Inserator, que em minha avaliação técnica viabiliza, por atacado, o tipo de contaminação já citada.

Na ocasião, aos atores e vítimas passivas desse tipo de teatro eu chamei de adeptos da seita do santo byte. Com o sucesso que tiveram em 2002, esses adeptos voltaram a marotar nossa democracia entre 2009 e 2013, diante das recorrentes iniciativas do Legislativo em reintroduzir esse mecanismo de validação independente para os resultados eleitorais. Agora, depois de arrastarem os pés até aqui, primeiro disseram que teriam que jogar fora as urnas compradas antes de 2012, as quais na ocasião eles disseram que estavam sendo encomendadas para receber posterormente impressoras de votos, e depois, que não tinham condições técnicas e financeiras de introduzi-las em mais de 5% das urnas.

Não me lembro nessas ocasiões qual era o volume de gastos deste instituição totalitária com propaganda enganosa na mídia corporativa, mas aos níveis atuais sou capaz de apostar um doce que esse gasto perdulário e cada vez mais inócuo daria para cobrir os gastos com compra de impressoras de voto (a preços realistas) para os demais 95% de eleitores. E ainda tem gente que insiste em tergiversar sobre os problemas do sistema de votação em uso no Brasil como se fossem de natureza técnica, e não política. Só mesmo Jesus na causa, para nos livrar das apostasias dessa seita demoníaca.

TO: 2- O TSE afirmou que a votação impressa representa um “retrocesso” ao sistema brasileiro. O sr. concorda?
PR: Concordo em termos. É retrocesso para a ideia que o TSE mostra ter do que ele acha que deve ser a nossa democracia. Onde o cidadão é adestrado a encarar eleição como se fosse videogame. O eleitor teria só que apertar botões numa caixa preta, e correr para a frente da TV para assistir à bandeirada final. Pomposamente anunciada por âncoras de grandes redes de TV, das dependências palacianas de uma instituição que deveria ser republicana mas que executa, regulamenta e julga não só as eleições oficiais mas também suas próprias ações, se achando ao mesmo tempo a dona das urnas e da verdade eleitoral. Onde o eleitor não tem direitos, só deveres. Onde a seita do santo byte é dogma oficial. Cabe perguntar então por que, depois da informatização, o voto impresso já voltou à Lei três vezes, apesar de efêmeros sucessos de uma série de marotagens judicialescas contra? Se, na verdadeira democracia, a voz do povo é para ser respeitada, expressa em regimes republicanos através do Poder Legislativo, por que essa ideia resiste tanto em compartilhar do seu absolutismo na alçada eleitoral?

No teatro que descrevi, um dos atos mais dramáticos são os chamados testes públicos de segurança. Eis que, como analiso em petição protocolada junto ao Ministério Público Eleitoral, os problemas encontrados nos testes 2012 de alguma forma persistem, pois ressurgiram por outras vias nos mesmos pontos de penetração, ou seja, nos arquivos de Registro Digital de Votos (RDV) e na gestão de chaves criptográficas, exatamente como alertado pelo mesmo Professor que as encontrou antes, Diego Aranha, no seu relatório referente ao teste que coordenou no TSE em 2012. Segundo vários informes jornalísticos e oficiais desde então, o TSE já teria consertado tais problemas, incluindo para as eleições de 2014, porém, em entrevista de um diretor técnico do TSE divulgada em mídia nacional encontramos confirmação de violação ao sigilo do voto pelo mesmo investigador, nos mesmos pontos (RDV e gestão de chaves criptográficas), nos testes de 2017. Nesses testes, o Professor Aranha teria continuado em uma linha de vulnerabilidades que ele havia descoberto cinco anos antes, talvez por considerar a natureza estrutural ou a origem sistêmica das mesmas, onde "consertos" são sempre frágeis e precários.

Então, onde estaria o retrocesso que de fato ameaça a democracia? Temos que lembrar que o RDV foi introduzido em 2003 por um esforço desse mesmo TSE em eliminar da Lei Nº 10.402 a obrigatoriedade do voto impresso em seu sistema eleitoral, sob a justificativa de que tal “invenção” seria um substituto adequado para fins de fiscalização. Não se justifica então que 14 anos depois esse substituto ainda venha apresentando tantos problemas graves, sejam conceituais, de implementação ou operacionais. A menos que tal curso, mantido com a impúdica derrubada do art. 5º da Lei 12.034, seja ele o verdadeiro retrocesso democrático, camuflado de evolução teconológica. Porém, ainda trajando desenho vintagenário de sistema eleitoral eletrônico que todo o resto do mundo democrático já abandonou, pelas mesmas razões aludidas pelo citado professor.

TO: 3- O sr. acha que a implementação parcial do voto impresso (em 30 mil urnas) é suficiente para garantir a “checagem” do sistema eletrônico?
PR: Apenas a checagem de que a contagem manual coincide com a oficial nas sessões eleitorais onde a recontagem de votos impressos tiver sido verificada contra a contagem digital oficial. Nada mais que isto, o que exclui a votação nas outras 420 mil urnas, a etapa de totalização em seu todo, o sistema eletrônico de votação em si, como já expliquei ao responder as perguntas anteriores. Qualquer insinuação de que tal coisa garante mais que coincidências aritméticas em até 5% da base de votos a totalizar, é propaganda não só enganosa, mas principalmente perigosa.

TO: 4- Há algum indicativo de que o voto eletrônico, como é hoje, possa ser fraudado?
PR: Qualquer sistema de votação, seja puramente eletrônico, manual ou híbrido, seja de primeira, segunda, terceira ou quarta geração, pode ser fraudado na medida em que os eleitores desconheçam ou desprezem seu papel fundamental para a lisura de uma eleição nele conduzida, que é o papel de fiscal do próprio processo de votação. Por vias e meios diferentes, em modos diferentes, com visibilidade ou efeito amplificador diferentes, qualquer sistema de votação pode ser fraudado nessa justa medida de ignorância ou descaso. Donde o perigo para um eleitorado que foi passivamente adestrado a entender eleição como videogame em caixa preta cercada de dogmas.




Coautor entrevistado

Pedro Antonio Dourado de Rezende é professor concursado no Departamento de Ciência da Com­putação da Universidade de Brasília. Advanced to Candidacy a PhD pela Universidade da Cali­fornia em Berkeley. Membro do Conselho do Ins­tituto Brasileiro de Política e Direito de In­formática, ex-membro do Conselho da Fundação Softwa­re Li­vre América Latina, e do Comitê Gestor da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-BR), en­tre junho de 2003 e fevereiro de 2006, como representante da Sociedade Civil. http://www.­pedro.jmrezende.com.br/sd.php

Direitos do Autor

Pedro A D Rezende, 2017: Consoante anuência da entrevistadora, esta entrevista é publicada no portal do autor sob a licença disponível em http://creativecommons.org/licenses/by-nc/2.5/br