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Por que optar por software livre?

Entrevista a Thiago Amâncio
Para matéria no Correio Braziliense


Prof. Pedro Antonio Dourado de Rezende
Departamento de Ciência da Computação
Universidade de Brasília
29 de abril de 2014


Thiago Amâncio: 1 -Para o senhor, o que é software livre?

Pedro Rezende: Software livre, conforme definido pela Free Software Foundation, é software cuja licença de uso concede quatro liberdades a quem detém uma cópia do mesmo: 1- Liberdade incondicional de usar, 2- de redistribuir (sem alterar a licença), 3- de ter acesso ao código-fonte correspondente, e 4- de distribuir obras derivadas do software licenciado, sob condições que não cerceiem as liberdades com que se teve acesso à obra original.
 

TA: 2- De que maneira isso contribui para a computação?   

PR: Contribui para manter a máquina de computar subjugada ao dono, e não o contrário. Tal critério pode ser exercido através da autonomia em escolher o que vai rodar nessa máquina, como e em que termos, ou seja, levando em conta primeiramente o modelo de negócio de quem produz o software, evitando escolhas que implicam em conflito de interesses com os valores desse dono.

Do contrário, ao desconsiderar em sua escolha possíveis conflitos de interesse entre seus valores e os valores implícitos no modelo de negócio do fornecedor do software, a escolha tende a contribuir para transformar sua máquina de computar em armadilha de dependencia, em que o dono da máquina é subjugado aos interesses do fornecedor do software que a torna útil.

Quem tem a ganhar obscurercendo a natureza ideológica deste critério de escolha é justamente o modelo de negócio que busca tornar usuários o mais dependente possível, colocando a questão da escolha de máquina e/ou de software como puramente utilitária ou econômica sob as métricas que lhe convem ressaltar. Doutro lado, o regime do software livre contribui para que, ao contrário do regime proprietário, o avanço na ciência da computação seja usufruido de forma mais egualitária pela sociedade em geral e menos por quem controla seu uso.
 

TA: 3- Quais as principais vantagens?   

PR: Para o usuário, a primeira vantagem de se optar por software livre é a autonomia tecnológica, como descrito acima. A segunda, que se torna tanto mais importante quanto mais se acirra a ciberguerra, e a auditabilidade qualificada.

A essência do processo de segurança no ciberespaço está na auditabilidade de sistemas, incluindo hardware e software. O regime FOSS (Software Livre) oferece um componente a mais de controle e auditoria, que é código-fonte compilável, e um motivo a menos para ofuscação no código na origem, que é seu tratamento como segredo comercial (implícito no regime proprietário, que tanto beneficia o regime de vigilantismo global para o qual o regime proprietário está hoje cooptado).

Já para o desenvolvedor que seja competente e honesto, a vantagem está em a livre distribuição do seu software criar o mercado para serviço relacionado ao mesmo software, onde seu conhecimento de desenvolvedor se destaca quanto à eficiência e qualidade (supondo que a obra software também tenha qualidade). Ou seja, barreira de entrada no mercado com custo zero. Doutro lado, não vejo vantagens para o desenvolvedor incompetente ou desonesto.

E para a sociedade, a vantagem está em o mercado se tornar mais meritocrático e menos influenciado por barreiras artificais capitalizadas em regimes de proteção de mercado, sejam as autorais ou patentárias, e menos susceptiǘeis aos efeitos-rede, barreiras que neste mercado são naturais e rigorosas devido à natureza anti-rival do bem produzido (software).


TA: 4- Por que um usuário final, não-desenvolvedor, deve utilizar um software livre, em detrimento de um software proprietário?   

PR: Porque o software proprietário só pode ser legalmente utilizado nas condições da licença de uso (EULA) e porque essas licenças hoje o tornam inquilino da sua próprio computador. Inquilino que, em breve, só poderá usar software proprietário legalmente licenciado, em novos hardwares.

Na medida em que a propaganda utilitarista tem sucesso no mercado, e as preferencias pelo modelo proprietário se consolidam, entraremos na fase da ciberguerra em que a indústria de hardware é cooptada em regimes de venda casada com amarração criptográfica, rumo ao controle total de cartéis de fornecedores sobre os ambientes TIC fornecidos.

É o que se está desenhando, por exemplo, com a fase 3 da arquitetura UEFI, que junto com o uso não autorizado de softwares proprietários asfixiará também o regime alternativo de produção e distribuição livres. Em conjunto com a evolução de padrões da internet como o Encryption Module Extensions no W3C, Implicit Trusted Proxy no HTTP 2.0, e de leis cada vez mais fascistas como a CISPA, que basicamente transformarão usuários de TIC em meras buchas de canhão na ciberguerra.
 
 
TA: 5- E as desvantagens? Há quem seja contra? Por quê?   

PR: Há quem argumente que a produção colaborativa, que é o regime de desenvolvimento natural do software livre, não consegue agregar funcionalidade com suficiente foco nas necessidades de mercados específicos, do que consegue a produção competitiva, regime natural de desenvolvimento do software proprietário. Isto pode ser verdade para necessidades pontuais, sem escala suficiente para agregar eficácia do regime colaborativo (por exemplo, no mercado de CADs)

Para quem enxerga o mundo pelas lentes da ideologia utilitarista, e acha que a vida hoje possível é mergulhada em alguma cultura consumista, argumentos míopes como este bastam para se optar ou aceitar o regime proprietário. Doutro lado, pelo papel fundamental das TIC na arte militar contemporânea, que é de amplo espectro, esta tendência equivale à rendição passiva aos direitos individuais e civis conquistados com o iluminimo. Justamente como previu Aldous HUxley, em Admirável Mundo Novo, como modelo para um regime político futuro de tirania perfeita.

Citando Huxley: "Um Estado totalitário realmente eficiente seria um no qual os todo-poderosos mandantes da política e seus exércitos de executivos controlam uma população de escravizados que não precisam ser coagidos, porque eles adoram a sua servidão." Este modelo é basicamente o mesmo do projeto neocon de dominância global conhecido por PNAC (Project New American Century), mas há outro modelo que eu considero mais confiável e mais completo.

Esse foi publicado há bem mais tempo, e tem um final feliz para quem o aceite. Na Bíblia, descrito em Mateus 24, 2 Tessalonicences 2 e Apocalipse 11.
 
 
TA: 6- Você milita pela causa?   

PR: Desde 2000.
 

TA: 6- Para você, que significado têm as palavras COLABORAÇÃO e COLETIVIDADE?   

PR: São virtudes da natureza humana que estão sendo enterradas ainda vivas pela ideologia neoliberal, apesar -- ou por causa -- desta se encontrar hoje em grave crise.




Editor e entrevistado

Pedro Antonio Dourado de Rezende é professor concursado no Departamento de Ciência da Com­putação da Universidade de Brasília, Advanced to Candidacy a PhD pela Universidade da Cali­fornia em Berkeley. Membro do Conselho do Ins­tituto Brasileiro de Política e Direito de In­formática, ex-membro do Conselho da Fundação Softwa­re Li­vre América Latina, e do Comitê Gestor da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-BR). http://www.­pedro.jmrezende.com.br/sd.php


Direitos do Autor

Pedro A D Rezende, 2014:  Esta entrevista é publicada no portal do co-autor entrevistado, com a concordância do co-autor entrevistador, sob a licença disponível em http://creativecommons.org/licenses/by-nd/2.5/br/