"Voto Eletrônico Amplia Chances de Fraude"

Trecho da entrevista à repórter Silvana de Freitas, da Folha de São Paulo

Publicada na página A6 da Folha em 20/05/02

Prof. Pedro Antonio Dourado de Rezende
Departmento de Ciência da Computação
Universidade de Brasília
16 de Maio de 2002


</PING>Folha - O sistema da urna eletrônica foi criado para afastar o risco de fraude. Por que, seis anos após a sua estréia, o eleitor deve ficar alerta quanto à falta de segurança?


Pedro Rezende</PONG> - A tecnologia digital cobra um preço para acabar com algumas fraudes em papel. Esse preço é o risco de novas formas de fraude, antes impensáveis. Com a urna eletrônica do TSE, o escrutínio tornou-se privado. Os votos saem da urna já somados, tabulados e codificados por programas de computador só conhecidos por quem os fez. Estamos sendo convidados a acreditar na palavra, dita ou implícita, dos que respondem por esses softwares. A apuração manual é demorada porque a queremos confiável. Em uma junta apuradora atual, os fiscais só vêem disquetes entrando em gretas e luzinhas piscando. A velocidade do computador tende a tornar o processo opaco. Se o dono da urna (o TSE) quiser abusar de sua posição privilegiada para trafegar influência por atacado, poderemos desconfiar de uma eventual discrepância entre pesquisas e resultados eleitorais, mas nunca provar que houve fraude a ponto e a tempo de impedir seu efeito. Isso é muito diferente dos erros intencionais de varejo na totalização em papel, impostos no grito em juntas apuradoras nos antigos currais eleitorais. Curral eleitoral agora é cercado pelo software.
 

</PING>Folha - É possível listar os principais pontos frágeis do sistema do voto eletrônico?

Rezende</PONG> - O nosso sistema é propenso ao desequilíbrio porque, em seu desenho, prevalece sempre a opinião do dono da urna. Um dono que, infelizmente, tem agido de forma a nos deixar a impressão de estar considerando a segurança da sua imagem mais importante do que a verdade eleitoral. Para ele, criticam o sistema porque não o conhecem. Trata-se de julgamento pretensioso. Criticam porque não lhes é dado conhecer. Se alguém propusesse uma urna feita de um tipo especial que impedisse as fraudes no papel, mas que, uma vez derramados os votos sobre a mesa de apuração, não fosse permitido a ninguém examinar o fundo da urna, essa proposta seria aceita?
 

</PING>Folha - Quais são, no aspecto operacional, as fraudes possíveis?


Rezende</PONG> - Há várias formas de embuste (impostura) por meio do software instalado na urna ou do uso indevido dessas urnas. Por exemplo, o boletim enviado ao tribunal em disquete pode ser gerado em uma urna clonada, uma urna reserva que funcionou escondida na mão do mesário. Mas as fraudes mais perigosas são as que podem ser montadas dentro da urna. Esse embuste pode ser feito inserindo uma cláusula condicional no trecho do programa que registra a contagem dos votos. Em uma eleição majoritária em segundo turno, por exemplo, uma condicional que somasse um voto ao total de um candidato sempre que a sua votação atingisse um determinado múltiplo, subtraindo-o do outro candidato. Um voto desviado a cada 40 distorceria o resultado em 5%.
 

</PING>Folha - O general Alberto Cardoso compara o Cepesc ao fabricante de um cofre que perde o controle sobre o produto depois que o cliente cria o segredo para abri-lo. Tecnicamente, como a participação indireta da Abin pode ser uma ameaça de manipulação dos programas pelo Palácio do Planalto?


Rezende</PONG> - Nenhum crítico sério do nosso sistema eleitoral condena a participação da Abin simplesmente por se tratar da Abin. A comparação do general está correta, mas não para o contexto em que é suscitada. A questão que merece atenção não é com quem estará o controle do cofre quando em uso. Mas a de que a ninguém, além dos envolvidos no negócio, é permitido saber como foi construído esse cofre ou que tipo de coisa se instala na urna como se fora um cofre. E se esse cofre for na verdade uma caixa de mágico? A manutenção na urna de um só programa inauditável, como o do Cepesc, pode servir como álibi para a ocultação de embustes por trás de toda a transparência no resto.


Versão completa da entrevista concedida à Folha de S. Paulo