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Principio da conexão e desdobramentos

Reflexões sobre o principio da conexão na informatização do judiciário

Editor: prof. Pedro Antonio Dourado de Rezende
Departamento de Ciência da Computação
Universidade de Brasília
Junho de 2015


Entre 15 e 24 de junho de 2015, após publicação de um artigo sobre o tema no portal web do TRT-MG, vários participantes da lista de emails do grupo GEDEL (sobre Direito, Justiça e processo eletrônicos) se engajaram em um debate, cujos trechos principais, a pretexto de uma breve manifestação do editor, são publicados aqui. Alguma edição -- [entre colchetes] -- foi necessária para adequar o formato das postagens ao estilo de debate neste portal. Em respeito à privacidade daquela lista, os autores das postagens incluídas estão provisoriamente identificados pelas iniciais, até que se manifestem, se quiserem, pela identificação a gosto ou pela retirada das postagens.



O.K.:
E lá vem críticas. De fato, o tema enseja uma boa discussão.

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C.A.C.B.:
Sugiro que alguém apresente ao nobre crítico [Streck] o artigo 13 da Lei 11.419/2006, cujo conteúdo transcrevo:
    "Art. 13. O magistrado poderá determinar que sejam realizados por meio eletrônico a exibição e o envio de dados e de documentos necessários à instrução do processo.
      § 1º Consideram-se cadastros públicos, para os efeitos deste artigo, dentre outros existentes ou que venham a ser criados, ainda que mantidos por concessionárias de serviço público ou empresas privadas, os que contenham informações indispensáveis ao exercício da função judicante.
      § 2º O acesso de que trata este artigo dar-se-á por qualquer meio tecnológico disponível, preferentemente o de menor custo, considerada sua eficiência."
Ora, não se trata de mera intenção do juiz da causa julgar de acordo com sua convicção, mas de permissivo legal para adotar-se, para além dos fundamentos jurídicos, a busca da prova da verdade nos meios eletrônicos disponíveis "fora dos autos", trazendo-os para os autos eletrônicos através da internet. A lei consagra o princípio da conexão.


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S. Tavares Pereira:
1) No número 52 da Revista LTr [Direito Trabalhista], nas páginas 57 a 96 saiu meu artigo em que faço o cotejo entre o princípio da conexão e o que denomino "princípio da extraoperabilidade". No item 6, esboço um pequeno quadro comparativo dos dois "princípios" para demonstrar como, embora ambos os princípios se esteiem na questão da conexão, apresentam-se de forma diferente em seu escopo e objetivos.

Resumo do artigo: "Sob luzes sistêmicas, este artigo apresenta elementos para a atualização da teoria geral do processo. Parte da constatação axiomática de que a conexão é um elemento essencial dos sistemas e sempre existiu no processo. Depois, (1) afirma que, no processo eletrônico, o sistema eletrônico de processamento de ações judiciais (SEPAJ) permite trabalhar com uma natureza de conexão nova, tecnológica (eConexão), para plugar o processo aos demais sistemas da internet e (2) repropõe, justificadamente, o princípio da extraoperabilidade, como comando aos tecnólogos, que autoriza e baliza as relações do processo eletrônico com seu entorno, informacional e estruturalmente, via eConexões (processo plugado), visando à redução dos riscos e à preservação da aderência jurídica das inovações. Sob tal diretriz, sustenta-se ser possível: (1) aproveitar a inteligência coletiva, estruturalmente, para o desenvolvimento do SEPAJ e (2) sem ofensa à autonomia do processo, conectá-lo aos demais sistemas do mundo virtual. O corolário será o aprimoramento qualitativo da prestação jurisdicional, inclusive em celeridade. Após propor abordagem inovadora das conexões – tipos, classificação etc. –, o artigo também analisa o princípio da conexão – proposto por outro teórico – e apresenta, ao final, um quadro de dupla entrada das características dos dois princípios."

2). Embora eu concorde em muitos aspectos com a crítica citada (e também me espante com algumas coisas da visão de colegas que defendem o princípio), penso que todos nós, inclusive o crítico [Streck], precisaremos nos render à evidência de que nasceram, no processo, as e-Conexões, essas sim capazes de transformar o processo em muitos aspectos. O debate a respeito é saudável e necessário, a meu ver, exatamente para que se entendam as transformações.

3). Alguns dos pontos de vista em que contemplo de forma diferente dos "conexionistas" e que ressalto no artigo:
    a) Não há verdade na rede!
    b) A noção de mundo dos autos tem de ser radicalizada, e não o contrário, no mundo virtual! Muitos e novos mecanismos e cuidados de diferenciação do processo devem ser acionados/constituídos.
    c) A inquisitividade, que o proponente do princípio direciona ao juiz, deve estar autorizada e entregue a outro sujeito, o eSujeito SEPAJ! (Pretendo abordar este assunto num próximo artigo)
    d) Code is not law! O meio não é a mensagem!
    e) "O que está no google é a visão do google!" Ou seja, não há "visão da rede" neutra! Ela é sempre parcial e tecnodependente (para usar a tecnoverdade do crítico citado).
    f) O que está no google (ou no mundo virtual) não está nos eAutos (para falar apenas do processo eletrônico), nem pode chegar aos eAutos diretamente como fundamento da decisão... Isso é "pedalada processual"... hehe! Salvo se o conteúdo estiver numa 'base confivel e persistente previamente justificada do ponto de vista jurídico!".
    g) Pessoas (os sujeitos humanos que todos conhecemos... advogados, juízes etc) não plugam o processo na rede. Quem faz isso (e ainda o faz muito mal!) é o SEPAJ.
    h) A tecnologia transforma muitas coisas no processo, mas não a essência dos papéis; a transformação dos papéis tem de ser feita pelo sistema jurídico e não pode ser induzida, acriticamente, pelo instrumento tecnológico (subinstrumentalidade da tecnologia).
Meus cents para a discussão! Lembro aos amigos que meu referencial teórico é o Luhmann e sua teoria dos sistemas sociais.


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J.A.C.G.:
Gostaria de propor uma questão: Será que é possível combinar o princípio da conexão com o contraditório, ou seja, as informações obtidas na internet pelo juiz fossem submetidas às partes (vista)?

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S. Tavares Pereira:
Boa questão, mas eu não diria combinar. Diria submeter! A tecnologia e as facilidades que traz para vasculhar dados no mundo virtual não podem expulsar o contraditório do processo, sob pena de descaracterizá-lo como tal (como processo). Os juízes do Trabalho sempre foram inquisitivos! Quem não fez uma diligência repentina, ou determinou que algo viesse ao processo, ou chamou referidos como testemunhas?

O que não se deve incluir em fundamentações (já na sentença), como fatos não públicos e notórios, são os que o próprio juiz levantou para formar seu convencimento, sem que as partes pudessem previamente se manifestar sobre eles e sem que soubessem que estavam sendo considerados na organização do discurso decisório (princípios do contraditório e da publicidade).


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C.A.C.B.:
Com relação à instrução processual, produção de provas e o debate de teses, não tenho a menor dúvida de que o juiz ao adotar o princípio da conexão deve sempre observar o princípio da dialética processual (ou do contraditório e da ampla defesa).

Acredito que em sede recursal também iremos adotar a conexão, de várias formas. Não tenho dúvida de que no 1º grau, exatamente na instrução processual é que a conexão irá potencializar a ação do juiz e das partes, em busca da verdade real. De forma excepcional, poderá também ser usado nos tribunais, tanto pelo juiz relator como pelas partes, a fim de demonstrar fato novo, ou alteração dos fatos em algumas situações.

Precisamos sim aprofundar esse debate para evitarmos de cair no risco do processo sem contraditório, como bem alertado. Mas, por outro lado, assim como no processo físico o juiz julga também usando o seu conhecimento e sua experiência pessoal, além das provas e dos fundamentos constantes nos autos, o mesmo irá ocorrer com o juiz conectado. De novo na experiência pessoal, hoje eu estava navegando no site de uma reclamada, onde encontrei informações (fora dos autos) muito úteis para o arbitramento de uma condenação por danos morais. Nem tudo irá para os autos, porém o juiz conectado irá fazer uso das informações disponíveis. Alertei antes para o artigo 13 da Lei 11.419 porque o debate jurídico hoje não pode ser tratado como se fosse uma "viagem" imaginária de alguns. O problema de alguns juristas reside em afastarem-se da prática forense, pela via da academia, e nutrirem seu apego ao passado.


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J.E.R.C. [proponente do princípio da conexão, ou conectividade, como 'work in progress']:
Agradeço a solidariedade. [E quero que as criticas continuem. A citação do art. 13 da lei 11.419/2006 e da observância do contraditório são oportunas. Quanto ao princípio da extraoperabilidade, sobrou também para ele na raivosa saga antipanprincipiologista da citada crítica (Streck). Mas acho que o princípio da extraoperabilidade está profundamente bem fundamentado no marco teórico proposto. Repito que, se for para tornar o processo judicial beneficiário da inteligência coletiva da rede, sou extraoperabilista desde pequeno! O ideal é encontrar um meio termo entre o juiz avestruz virtual e juiz onisciente.]

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S. Tavares Pereira:
A postura [provocativa é valiosa porque impulsiona o barco do conhecimento. O oposto dela é 'mesmice" e estagnação. O medo de errar é o princípal inimigo da ciência. Ver as pessoas do Direito esforçarem-se para refletir sobre a nova realidade processual, ainda que para criticar, é um avanço. E demonstra que a Teoria Geral do Processo começa a arrancar para patamares novos, finalmente, pois está absolutamente cega aos aspectos inovadores e revolucionários que a tecnologia introduziu no mundo do processo.

Cada crítica, portanto, é um aceno para o aperfeiçoamento de nosso próprio pensamento! Embora os extraoperabilistas e os conexionistas compartilhem de certas visões das coisas, o que é bom, não significa que queiramos descartar esta pelas coisas discordantes. Esse diálogo é produtivo pois, Popperianamente, gosto de tentar falsear visões, inclusive as minhas, para testar-lhes a consistência.]


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C.K.:
O tom acaba interferindo na avaliação que a gente faz do conteúdo, pelo menos pra mim. De qualquer forma, é interessante o esforço intelectual pra tentar soar como óbvio que o impacto dos novos fluxos de informação e comunicação na forma como interagirmos não alterou a essência do comportamento e dos valores humanos. Interessante e inocente. E isso porque estamos falando de tecnologias apenas de suporte à decisão, mantendo semântica essencialmente humana no "loop". As discussões sobre automação não pararam nelas. Desse jeito, quando os avanços chegarem ao conhecimento mais amplo, vamos ver Cruzadas.

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J.E.R.C.:
Pois é, essa concepção de moralidade é [muito conservadora]. Somente o passado, a tradição é que têm força normativa? E o espírito da época (contemporânea) não impacta a 'moralidade'? E os princípios técnicos processuais (oralidade, concentração, cooperação) não são princípios? O mais interessante é que a Lei do Marco Civil da Internet nos artigos 1º, 2º e 3º é pródiga em assentar os 'princípios' da Internet. Além dos artigos 13, do par. 1º, II, do art. 8º e art. 14 da Lei 11.419/2006, há o parágrafo único do art. 3º do Marco Civil da Internet, que denomina expressamente tais prescrições de 'princípios':
    Lei do Marco Civil, art. 3º (...)
      Parágrafo único. Os princípios expressos nesta Lei não excluem outros previstos no ordenamento jurídico pátrio relacionados à matéria ou nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Esse moralismo principiológico Startreckiano é conservador, e furado.


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S. Tavares Pereira:
Ótimas e úteis observações sobre o uso do vocábulo "princípio". No que escrevo, as vezes uso princípio, às vezes diretriz. Princípio é interessante porque a prática jurídica e a teoria do Direito, depois que Dworkin o erigiu à condição de norma (ganhou normatividade), foi objeto de amplos estudos e habita no imaginário dos juristas. Quando me reporto aos tecnólogos, prefiro diretriz.

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D.N.:
[Eis mais uma crítica], para a reflexão sobre o debate aqui tratado acerca dos princípios.

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J.E.R.C.:
Sintetizando o argumento [da crítica apontada acima]:
    "os princípios são frutos da história institucional de uma dada comunidade, razão pela qual não são inventados por atos criativos individuais, e sim, compreendem um reconhecimento intersubjetivo de uma prática social que espelha uma correção normativa".
Divergências e convergências:
  1. História. Ligar o princípio apenas à história, ao passado, é conservadorismo. O 'espírito da época' presente também impacta a moralidade. Além disso, essa visão afasta do mundo jurídico o fenômeno da emergência, que é determinante hoje em todas as áreas do conhecimento e das atividades humanas. Focando o princípio na tradição, fica difícil distinguir princípio até da hartiana 'norma de reconhecimento'.

  2. Reconhecimento intersubjetivo de uma prática social. Concordo plenamente. Será que existe maior reconhecimento intersubjetivo do que a existência da sociedade em rede e seus usos e práticas?

  3. Moralidade. Os princípios morais não esgotam a principiologia jurídica. Os princípios técnicos [podem ser] também jurídicos, tais como os princípios processuais (oralidade, concentração, cooperação, etc.)
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D.N.:
Com todo respeito, os temos "história institucional" e "moralidade" [foram usados acima] em sentido coloquial no campo jurídico. Ambos são usados por mim em concepção Dworkiniana (pontuo aqui a necessidade de leitura de seu "Justice for hedgehogs"). E em Dworkin, esses termos têm sentido próprio. Como ele, não sou convencionalista, advogando a concepção de "história" [mencionada acima] (respeito e obrigatoriedade de respeito ao passado), nem pragmatista (realista) como sua concepção de protagonismo judicial (conexão) e crença nesta nova inquisitoriedade (travestida de moderna pelo viés tecnológico).

Moralidade em Dworkin, no sentido de buscar a melhor decisão, é tarefa de todo jurista (aqui não estou percebendo o Direito como um caso especial da moral, ou como algo a ser cooptado por escolhas valorativas). Encaro o sistema jurídico buscando integridade e coerência. Reconhecimento intersubjetivo no campo processual exige devido processo constitucional e contraditório dinâmico (ambos em conformidade com a história institucional e que viabilizam correção normativa) e não novos voluntarismos que transcendam o debate processual numa busca de uma suposta verdade real. O Estudo das cognitive biases nos EUA pode ajudar. Como digo num texto pendente de publicação acerca do contraditório:
    "E quando isto se une à possibilidade do magistrado suscitar argumentos sem que as partes o tenham provocado, e sem debate da terceira via interpretativa (terza via), ou mesmo a produzir provas de ofício, se negligenciam os já aludidos vieses cognitivos: (cognitive biases) que o mesmo possui. Como pontua Costa: [...] doutrina e jurisprudência mais hodiernas vêm acertadamente relativizando o entendimento. Desde que em 1974 os israelenses Amos Tversky e Daniel Kahneman publicaram famoso artigo sobre algumas propensões inconscientes da mente à tomada de decisões enviesadas (“Judgement under uncertainty: heuristics and biases”), os grandes centros de pesquisa de psicologia comportamental cognitiva passaram a identificar mais de quarenta dessas propensões (cognitive biases).

    No campo especificamente judicial, descobriu-se, por exemplo, que: o juiz da liminar tende a confirmá-la em sua sentença (
    confirmation bias); o juiz da instrução tende a sentenciar contaminado pela prova oral que diante dele foi produzida (representativeness bias); o juiz tende a crer que os danos presentes eram previsíveis no passado (hind-sight bias); o juiz tem dificuldade de ignorar as provas ilícitas (anchoring-and-adjustment bias); o juiz tende a supervalorizar laudos produzidos por peritos oficiais (ingroup bias). Embora não haja ainda estudo específico sobre isso, suspeita-se que na iniciativa probatória oficial o juiz tende a supervalorizar a prova por ele angariada, invalidando inconscientemente as contraprovas (egocentric or self-serving bias). Aliás, há décadas autores como Francesco Carnelutti e Cordón Moreno apontam o juiz – em prejuízo à sua imparcialidade – tende a dar mais crédito a provas por ele determinadas do que às provas trazidas pelas partes, como se a prova ex officio fosse “sua” (o que em termos psicanalíticos equivaleria a uma espécie de “projeção egóica” do juiz sobre a prova cuja produção determinou).

    Tudo isso já seria suficiente – por força de prudência e precaução– para que as iniciativas probatórias oficiais sejam evitadas, não temerariamente estimuladas. Afinal, de nada valeria submeter a atividade probatória do juiz aos princípios da motivação e contraditório: ele desprezaria as contraprovas e forjaria – o que não é difícil – a fundamentação analítica que mais lhe aprouvesse. Nem mesmo a recorribilidade é capaz de erradicar esses influxos de irracionalidade: as partes teriam de resignar-se a um juiz de primeiro grau parcial e de contar somente com a imparcialidade das instâncias superiores (o que é absolutamente inconstitucional). A surpresa que uma decisão pode gerar quando inova no âmbito jurídico é claramente ofensiva ao contraditório, ao permitir que lides sejam resolvidas segundo fundamento jurídico diverso daqueles debatidos ao longo do procedimento, à revelia das partes e impenetrável à fiscalização técnica dos advogados, prática que além disso ulcera a regra da congruência, cuja extensão deveria vincular a decisão final não só ao pedido mas também à própria causa de pedir (fática e jurídica).

    A lesão ao contraditório é evidente, em especial ao direito das partes de que seus argumentos sejam levados em consideração (
    Recht auf Berücksichtigung von Äußerungen), que atribui ao magistrado não apenas o dever de tomar conhecimento das razões apresentadas (Kenntnisnahmepflicht), como também o de considerá-las séria e detidamente (Erwägungspflicht). Tal figura equivocada e avessa ao publicismo, induz o julgador a escolhas decisórias privadas, sem influências “externas” provenientes do debate, do qual participam os litigantes e de seus advogados. Assim, se nota a insuficiência do conteúdo atribuído ao contraditório quando o tomamos no seu cotidiano no Brasil, alheio ao que a CR/88 prescreve, e segundo o CPC-2015, em especial seus artigos 9º, 10, 489, §1º e 927, §1º, como garantia dinâmica (substantiva) e como núcleo do processo, se viabilizará finalmente seu funcionamento em conformidade com os corolários democráticos."
Escrevi sobre isto em outras oportunidades, como aqui: O Direito tem de manter sua autonomia aos outros microssistemas, e no que tange ao processo eletrônico é o Direito que impõe regramentos ao eletrônico e não o contrário.


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Pedro Rezende:
Subsídios ao estudo de efeitos colaterais na iniciativa probatória do julgador em contextos informatizados:

Como alguém que tem sido frequentemente acionado na condição de perito externo, seja em processos judiciais ou legislativos, tenho observado esse fenômeno de anchoring + ingroup + self-serving biases manifestar-se de forma particularmente aguda na informatização do nosso processo de votação; e por desconhecimento de pesquisas jurídicas sobre o tema, passei a me referir ao conjunto dessas propensões de "Teoria esquizofrênica da prova judicial" eletrônica.

[Nomeei assim esse conjunto de propensões manifestadas no campo eleitoral no Brasil, pela primeira vez em palestra proferida na conferência TEDx em 2014 (a partir de 17m20s), e no final das transparências apresentadas ali:
  • Para verificação positiva (em “fiscalizações” ou em sentenças), basta recitar a própria propaganda oficial (enganosa);
  • Para verificação negativa (em impugnações), aplica-se o vale-tudo do rigor jurisprudencial sobre provas documentais, inclusive as mais virtuais e inovadoras artimanhas processuais. Cujo exemplo mais recente descrevo em entrevista à revista "INFO Exame" (que, ao conhecer o conteúdo, recusou-se a publicá-la e a permitir que fosse citada)]
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J.E.R.C.:
Tentando dar uma resposta mais geral,
  1. De uma forma geral, posso dizer que estou mais próximo ao convencionalismo, embora essas etiquetas em geral mais confundem do que esclarecem os posicionamentos. Acredito mais num universalismo de chegada, não num de partida. A saga antipanprincipiologista acaba, como já dito, retornando muito mais ao conceito de 'norma de reconhecimento', com pele pós-positivista, o que é um paradoxo. Nessa saga, por exemplo, não tem espaço para o princípio da cooperação. Ou seja, nessa saga só espaço para a tradição, não para a emergência (fenômeno da emergência). Uma teoria que não dá conta da realidade, ou seja, que obriga a realidade a se encaixar nela está obviamente furada.

  2. não concordo de forma alguma com a definição de 'protagonismo judicial', que não é conceito teórico, é um conceito corporativista, tirado de algumas frases escritas em acórdãos ou textos doutrinários, sem uma preocupação sistemática. O juiz brasileiro, com 100 milhões de processos, a última coisa que ele quer é ser protagonista disso. A doutrina erra o alvo, pois o Juiz atacado de 'protagonista', 'voluntarista', 'ativista' é apenas um coitado que mesmo afogado no tsunami de processos mal instruídos e mal conduzidos pelos advogados, tenta salvar alguma coisa. É um juiz que se recusa a sucumbir à jurisprudência defensiva. Esse juiz virou o alvo. Mas nós passarinhos resistiremos, eles passarão.

  3. A conexão não é um artefato malévolo do 'juiz protagonista'. A conexão é a pura condição do meio eletrônico. Lutar contra ela é o mesmo que segurar água com as mãos. O processo atual está todo conectado, é uma realidade (e virtual). O sistema está conectado, a cabeça dos advogdos, do juiz e das partes está conectada, queiramos ou não. A conexão é sobretudo uma prerrogativa da parte, não do juiz. Dizer que o jurídico deve submeter o tecnológico é um erro comum dos juristas, e com isso só convencemos o nosso auditório interno. O jurídico deve, sim, regular o tecnológico, o que é muito diferente, pois a regulação jurídica vem sempre a reboque da realidade (no caso tecnológica). Daí, ao invés de negar a conexão, temos de regulá-la juridicamente, doutrinária, jurisprudencial e legislativamente. Se quisermos submeter o tecnológico ao jurídico na marra, a realidade (tecnológica) vai se vingar, ignorando o jurídico.
Pior que o triunfalismo tecnológico, é o obscurantismo tecnológico.


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D.N.:
Do celular é mais dificil teclar, mas vamos lá:
  1. Discordo que a criação de princípios (novos) ajude em algo, especialmente porque esta sede em inventar algo novo acaba retirando a força normativa dos verdadeiros princípios que geram correção normativa. Qual seria a correção (melhoria- legitimidade) que estes "novos" trariam? Se for alguma finalidade, não seria uma diretriz?

  2. Protagonismo judicial é um tema estudado há décadas em todos os pontos do mundo pela filosofia, teoria constitucional, teoria do processo etc.. Não se trata de uma escolha (dos juízes), mas de uma horizonte de interpretação do sistema. E só para deixar claro, nunca critiquei o judiciario. Minha tese, por exemplo, é sobre comparticipação e policentrismo, e não sobre novos protagonismos (como dos advogados). A luta de classes que insistem em travar não ajuda em nada. O judiciário, e aqui já me ouviram falar a respeito, sofreu (e sofre) de um erro reformista em atribuir todo o peso do mundo as suas costas...é uma vítima.... E, afinal, somos todos interdependentes.

  3. Conexão é um fenômeno fático, mas isto não oferta, por si só, correção. Ao menos em minha modesta concepção.

  4. Voluntarismos sempre existirão. Alguns acreditam e os defendem, outros não.

  5. Pergunte o que as pessoas que lidam diariamente com os sistemas de "processo eletrônico" acham dos mesmos e encontrará ao mesmo tempo (de modo paradoxal) triunfalismo tecnológico e obscurantismo tecnológico. Algo que nega a normatividade e do qual ninguém entende os fundamentos.
Depois criticam os processualistas e dizem que eles que gostam de complica


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J.E.R.C.:
[Respondendo a quem já é um dos grandes novos talentos da doutrina processual brasileira, e sabe que não se criam ou se "inventam" princípios:
  1. Nem gosto do termo 'principios', prefiro 'características', como DELEUZE, quem apesar disso enxergou seis princípios para o seu conceito de 'rizoma', dentre eles, o princípio 'da conexão'. Reconheço que a doutrina jurídica já consagrou inúmeros princípios, em vários ramos do Direito. E que muitos desses têm natureza de diretrizes, ou políticas públicas. Dentro da visão Dworkiana são 'policies' e não 'principles', mas na tradição jurídica estão consagrados como 'princípios'. Nesse sentido, de explicar a tradição, a conceituação do Alexy é bem operativa.

  2. As características (ou princípios) da nova sociedade em rede são estudadas em todas as áreas do saber. Temos a matemática das redes, a física das redes, a economia das redes, a sociologia das redes, a política das redes (e-democracia) até a filosofia das redes. Será que vão interditar o estudo desse fenômeno só no Direito Processual? E como estudar este fenômeno sem atenção às suas características especiais (ou princípios)?

  3. Qual a aplicação ou melhoria trazida pela conexão? Simplesmente tornar o processo beneficiário mais fluído da inteligência coletiva da rede. É fundamental regular e não interditar os influxos da rede no processo. A doutrina é talvez a mais importante forma de regulação, pois ela é formadora de opiniões (do legislador e do juiz). Hoje em dia somos reais e virtuais ao mesmo tempo. O mesmo está se passando com o processo, constato isso na prática forense diariamente.
Alguns, infelizmente, foram cooptados por Darth Vater e migraram para o lado sombrio. Se seu talento viesse para o nosso lado, seria um grande impulso para a Aliança Rebelde.]


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D.N.:
Agradeço o convite tentando mostrar os encantamentos e possibilidades "inovadoras" que o "lado sombrio" pode trazer. Até o de ressuscitar o sistema jurídico. :) Mas prefiro ficar com os ensinamentos de meus mestres Jedi. Faço o mesmo convite para os conexionistas, de abandonar a inquisitoriedade do "princípio da conexão" e buscar a comparticipação que o devido processo constitucional viabiliza.

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Pedro Rezende:
Dois cents?

Por se imiscuir com os publicanos, Jesus foi criticado pelos fariseus...
  • Quem me parece ter migrado primeiro, e em peso, para o lado realmente negro que o meio eletrônico propicia foram as práticas sociais mais valiosas ao Direito: as práticas financeiras, como expostas em palestra no Seminário Expotec mês passado, em tempos de autonomização radical do 'mundo sistêmico' em relação ao 'mundo-da-vida' (Habermas). Um exemplo didaticamente insuperável do que seja simultanea e inseparavelmente real e virtual.

  • Não vejo dualidade aí: Não há como se regular fluxos semióticos sem interdições seletivas, e é aí -- nessa seletividade necessária -- que luzes sobre o lado negro se fazem úteis. Doutro lado, a inteligência coletiva, quando enfeitiçada pelo triunfalismo, tende a se tornar menos sensata e mais desagregadora que a inércia civilizatória. Mais propensa ao catastrofismo, como em todas as civilizações que já sofreram desintegração abrupta.
"Por que, com a nossa, isso seria diferente?"... dá um bom teste prático para tal triunfalismo;


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S. Tavares Pereira:
[Em 2008, propus o princípio da dupla instrumentalidade ou da subinstrumentalidade da tecnologia:
    "A tecnologia é instrumento a serviço do instrumento – o processo - e, portanto, sua incorporação deve ser feita resguardando-se os princípios do instrumento e os objetivos a serviço dos quais está posto o instrumento".
Na semana passada, em Bielefeld, Alemanha, na Universidade em que o Luhmann passou as últimas dezenas da vida dele, um professor alemão disse-me que muitos alemães se propõem a estudar o Luhmann e morrem sem entender o pensamento do homem... Será o meu destino? De qualquer jeito, vou tentar resistir à sua praga... Afinal, não sou alemão. E, antes da magistratura, fui programador/analista, o que me ajuda, aparentemente, a tatear nos cavernosos meandros do raciocínio dele:
  1. O Luhmann é extremamente consistente, como marco teórico, para abordar a renovação do processo com tecnologia. E para esboçar caminhos para o processo avançar consistentemente para o virtual... é meu sentimento.

  2. Onde coincido com Streck: o quadro do item 6 de meu citado artigo, quando aproximo princípio da conexão e princípio da extraoperabilidade, evidencia bem as coincidências (em todas elas divirjo dos conexionistas).

  3. A autorização de extraoperação é um caminho seguro, a meu ver, sob controle do jurídico, para a imersão do processo no mundo virtual!

  4. Na dimensão cognitiva (informação), autoriza-se o SEPAJ a se colocar a serviço dos operadores e do processo.

  5. Na dimensão estrutural, autoriza-se o uso da inteligência coletiva no desenvolvimento do sistema. Resumidamente, e explicando: o caso do Bacenjud é ilustrativo. Onde está o algoritmo que cumpre a função de vasculhar a complexidade do mundo lá fora e apreender valores para o processo? Está no PJe? Não! Está num outro sistema do mundo (Bacen). Portanto, ele "opera fora do processo (extraopera)" para servir ao processo. Isso é integrar estruturas com preservação de autonomia (Ver Luhmann - Sistemas sociais - capítulo sobre a interpenetração, ou O Direito da Sociedade - capítulo sobre Acoplamento Estrutural).

  6. Sem dúvida, o ambiente virtual amplifica as possibilidades de as partes acessarem dados para trazer ao processo. Não vejo isso, data venia, como amplificação de obrigações de inquisitividade. Nem das partes, nem dos advogados, e muito menos do juiz.

  7. Com toda a vênia (de novo!), os juízes precisam de apoio tecnológico, não de mais trabalho e obrigações no seio processual. Tecnologia que traz mais trabalho é péssima tecnologia ou está sendo mal empregada.

  8. O papel do juiz não pode ser transformado pela tecnologia, embora o exercício do papel possa, esse sim, receber muito apoio para facilitação. Afinal, os juizes continuam os gargalos do processo eletrônico. Haja assistentes/assessores!

  9. O artigo 130 diz que o juiz deve "determinar" as provas.

  10. Na internet, entre o click e a informação, há sempre muitos, muitos algoritmos...
Quem decide, no processo, é o juiz. E os SEPAJs atuais não dispõem de ferramentais de suporte ao decisor. Esta é sua principal e mais gritante deficiência. O PJe-JT, então, é fragilíssimo e, mais que um suportador, é um complicador no caminho do juiz. Voltando à crítica inicial, de Strek:
  1. Penso que o conceito de "princípio" é bem relevante na discussão. Trabalho, sempre, com o conceito alexyano: comando de otimização. Se tem raiz na moral ou se nasce de decisão, temporal e contextualmente tomada, num âmbito específico, vejo-o como diretriz, cuja concretização deve ser perseguida maximamente pelos destinatários. Relevando-se a aparente intolerância com o modo alheio e diferente de ver as coisas (ou pessoas), penso que há na citada crítica várias conclusões/afirmações relevantes, do ponto de vista jurídico. Seu artigo parte de premissas claras, atinentes aos posicionamentos adotados pelo TRT3 nos acórdãos referidos na matéria que comenta, ou da exposição do tal princípio da conexão como proposto em artigos e no livro que também utilizei como referência em meu artigo.

  2. No item 6 do meu citado artigo, ao fazer o cotejo, num quadro de dupla entrada, entre o que chamamos de princípio da extraoperabilidade e princípio da conexão, em quase todos os casos coincido com a referida crítica. A tecnologia é instrumental e deve chegar ao processo para aperfeiçoá-lo, não para descaracterizá-lo. Os juristas devem zelar por isso.]

  3. Não se trata de uma questão de ser conservador ou retrógrado. Trata-se de fazer prevalecer o jurídico. Se possível, aperfeiçoado pela luz tecnológica. E os juristas têm de resistir, mesmo, diante do uso abusivo e inconsequente da tecnologia. Isso não é privilégio ou birra dos juristas, é uma obrigação. Em todas as áreas a que a tecnologia chegou, sempre houve a resistência "burra", digamos assim, mas também a resistência fundada no zelo dos cientistas que estão enfrentando o desafio de avançar a teoria com a absorção da tecnologia. O caso do contraditório é emblemático: pode-se dizer que há um consenso a respeito de não o macular.

  4. Todo cuidado é pouco para não cair naquela posição que Carrilho chama de "jubilatória": aderir entusiasticamente, e acriticamente, às novidades tecnológicas.
Enfim, a internet pode ser neutra mas o ser humano não tem acesso ao que nela trafega sem um instrumento adequado (buscadores, navegadores, tratadores dos dados...). E o que o humano vê é o que esse instrumento permite ver. Só! Os buzilhões investidos em ferramentas para dar conta do big data demonstram quão grande é o desafio de mergulhar no virtual e, dali, arrancar algo útil, organizado e, de certa forma, confiável.

[Um privilégio, poder trocar essas ideias.]


Editor

* Pedro Antônio Dourado de Rezende é matemático, professor de Ciência da Computação na Universidade de Brasília (UnB), Coordenador do Programa de Extensão em Criptografia e Segurança Computacional da UnB, ex-representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Infra-estrutura de Chaves Públicas brasileira (ICP-BR). www.pedro.jmrezende.com.br/sd.php