OMPI: a questão de propriedade imaterial e desenvolvimento
Pedro de Paranaguá Moniz*
15 de abril de 2005
Na Assembléia Geral da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), agência especializada da ONU, realizada de 27 de setembro a 05 de outubro de 2004, em Genebra, um grupo de 14 países, liderado pelo Brasil e Argentina, apresentou uma abrangente proposta (doc. WO/GA/31/11) para incluir questões de desenvolvimento e acesso ao conhecimento, nos debates da OMPI. Tal proposta ficou conhecida como “Agenda de Desenvolvimento”.
Tendo em vista a importância e extensão do tema, a Assembléia Geral aceitou a proposta para futuras dicussões e marcou uma Reunião Intersessional Intergovernos (IIM, na sigla em inglês) para 11-13 de abril de 2005, na OMPI, conforme sugerido na Agenda de Desenvolvimento, de forma que a Agenda e qualquer outra proposta feita por países membros fosse discutida.
A questão de acesso ao conhecimento, ou A2K, na sigla em inglês (Access to Knowledge), vem despertando interesse da sociedade civil, de acadêmicos, de Organizações Não Governamentais (ONGs), e de Organizações Intergovernamentais (OIGs) representantes da sociedade civil, do interesse público e de consumidores. ONGs e OIGs como CPTech, EFF, ICTSD, UPD, CPSR-Peru, IP-Watch, IP Justice, eIFL, TWN, South Centre, CIEL, MSF, além do CTS - FGV Rio, têm atuado ativamente nessas questões que envolvem acesso a livros, cursos, cultura, saúde, tecnologia e conhecimento em geral.
Para a discussão da primeira IIM, recém ocorrida em 11-13 de abril de 2005, na OMPI, o Grupo de Amigos do Desenvolvimento, formado por África do Sul, Argentina, Bolívia, Brasil, Cuba, Egito, Equador, Irã, Kênia, Peru, República Dominicana, Serra Leoa, Tanzânia e Venezuela, patrocinadores da Agenda do Desenvolvimento, apresentou uma nova proposta, de 30 páginas, contendo quatro itens principais: 1) revisão do mandato e da govenança da OMPI; 2) busca da promoção de estabelecimento de normas pró-desenvolvimento na OMPI; 3) proposta de princípios e diretrizes para avaliação da assistência técnica da OMPI aos países em desenvolvimento ou menos desenvolvidos, e 4) sugestão de diretrizes para trabalho futuro sobre transferência e difusão de tecnologia e sobre políticas relacionadas a práticas anti-competitivas.
A proposta enfatiza a necessidade de distinção entre a adoção de uma agenda de desenvolvimento que envolva todos os órgãos da OMPI e uma mera melhora na assistência técnica a membros que sejam países em desenvolvimento ou menos desenvolvidos. A proposta chama atenção para a OMPI aceitar seu papel, como agência especializada da ONU, e adotar o compromisso de desenvolvimento previsto pela ONU.
Além da proposta do Grupo de Amigos do Desenvolvimento, outras três foram apresentadas: dos EUA, do México, e do Reino Unido. As propostas dos EUA e do México rejeitam qualquer mudança significativa no mandato da OMPI. Tais propostas estão centradas apenas na melhora da assistência técnica prestada pela OMPI. A proposta norte americana é centrada num banco de dados online que tornaria disponível informações sobre patentes e propriedade intelectual em geral, ao que eles dão o nome de Programa de Parceria. Contudo, diversos países em desenvolvimento e, principalmente, menos desenvolvidos, arguíram na Reunião IIM que tal proposta é irreal, uma vez que muitos países possuem dificuldades para ter acesso à Internet.
A submissão do Reino Unido, segundo eles mesmos, é mais uma observação do que uma proposta concreta. Tal documento menciona mais uma vez o importantíssimo relatório de 2002 da Comissão de Direitos de Propriedade Intelectual do Governo do Reino Unido, que já havia sugerido à OMPI que levasse em consideração o impacto de seu trabalho para o desenvolvimento. Todavia, apesar de tal menção, a observação do Reino Unido é mais estratégica, além de não ver razão para uma concreta mudança na OMPI.
Ademais, a maioria dos países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, incluindo grupos da África e da Ásia, com especial e firme intervenção da Índia, apoiaram muitas das propostas trazidas pelo Grupo de Amigos do Desenvolvimento, além de, por diversas vezes, terem enfaticamente mencionado que os diferentes níveis de desenvolvimento em cada país devem ser levados em conta quando da implementação de normas de propriedade intelectual, ou seja, “one size does not fit all”.
Após os três dias de intensos debates, às 21:06h do dia 13 de abril de 2005, horário de Genebra, o Presidente da Reunião, Embaixador Rigoberto G. Vielman, do Paraguai, emitiu a terceira e última versão da Minuta de Resumo da Reunião, através da qual os membros decidiram, após algumas consultas em sala ao lado a portas fechadas (sem acesso de ONGs e OIGs, observadoras), por realizar mais duas sessões da Reunião Intersessional Intergovernos, uma a se realizar em 20-22 de junho de 2005 e a outra, em mais três dias no mês de julho de 2005, em datas a confirmar. Tais Reuniões proporcionarão mais tempo para que o importante assunto seja discutido, antes do prazo de 30 de julho de 2005, data na qual um relatório final sobre os resultados das discussões nas IIMs deverá ser entregue para apreciação a Assembléia Geral da OMPI, em agosto/setembro de 2005.
De acordo com o resumo final do Presidente da mesa, a Minuta de Resumo da Reunião estará disponível para os Estados-Membro, OIGs e ONGs até o dia 25 de abril de 2005, com prazo até 04 de maio para comentários à Secretaria da OMPI, que tornará o Resumo final disponível até o dia 11 de maio de 2005.
Além das Reuniões IIMs, a OMPI realizará em Genebra, em conjunto com a UNCTAD, OMS, UNIDO e OMC, um Seminário Internacional sobre Propriedade Intelectual e Desenvolvimento, nos dias 02 e 03 de maio de 2005, aberto ao público em geral, tudo conforme sugestão da Agenda de Desenvolvimento.
Finalmente, uma surpresa foi a autorização, tendo em vista pedidos feitos por Estados-Membros, para que 17 ONGs sem credenciamento como observadoras permanentes na OMPI pudessem participar de forma “ad hoc” (especificamente para esta Reunião IIM) das discussões. A participação de forma “ad hoc” de ONGs que representam interesses da sociedade civil, de consumidores e do público em geral, sem credenciamento permanente como observadoras na OMPI, tinha sido negada com a justificativa de que apenas ONGs e IGOs com credenciamento permanente é que poderiam participar. Todavia, credenciamento permanente apenas é concedido em Assembléia Geral, que ocorre anualmente. Assim, como a Agenda de Desenvolvimento foi apresentada na última Assembléia, de 2004, as ONGs que pretendiam colaborar com a discussão deveriam aguardar, segundo a OMPI, até a próxima assembléia do final de 2005 sem, contudo, terem a oportunidade de participar das reuniões de forma “ad hoc”, como tem sido a prática. Tendo em vista a incongruência, uma carta aberta foi feita e enviada à OMPI, com mais de 1.200 assinaturas, de pessoas de 63 países, pedindo por participação, transparência, equilíbrio e acesso.
E, nos últimos minutos da Reunião IIM, graças a uma intervenção da Coalisão da Sociedade Civil (CSC), a participação das mesmas 17 ONGs foi garantida nas próximas duas Reuniões IIM. Desse modo, a OMPI conferirá credenciamento “ad hoc” para tais ONGs participarem como observadoras.
* Advogado, com extensão em direito da tecnologia da informação na FGV-RJ, mestrando em propriedade intelectual na Queen Mary, Universidade de Londres. Orientador acadêmico da pós-graduação em propriedade intelectual da Escola de Direito de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EDESP). Colaborador do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito do Rio de Janeiro, da Fundação Getúlio Vargas (FGV - DIREITO RIO).
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