Como nasce o AI-5 Digital

Prof. Pedro Antonio Dourado de Rezende
Depto. de Ciência da Computação
Universidade de Brasília
Julho de 2011

Síntese com Anexos



O que é mesmo esse PL conhecido como AI-5 Digital?

Direcionar os links desta página para abrirem em outra janela


Difícil saber com precisão, pois sua tramitação foi -- e tem sido -- no mínimo estranha. Este texto procura elucidar sua origem.

Trata-se de um substitutivo de Projeto de Lei que no Senado tramitou, em quase todas as instâncias por onde passou, sob relatoria do (então) Senador Eduardo Azeredo.

O substitutivo é um pacote que agrega e modifica três Projetos de Lei com objetivos semelhantes: um mais antigo, aprovado em 1a. instância na Câmara em 2003 -- o PLC 84/99 (em http://hiperficie.wordpress.com/2011/07/13/plc-89-2003-texto-original-pl-84-99-texto-original) --, e outros dois PLs originados posteriormente no Senado. No Senado o pacote passou a tramitar sob o número do mais recente desses PLs, o 89/2003, depois que foi  apresentado e aprovado na comissão de mérito, a (então) Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia, em maio de 2006.

No seu périplo pelo Senado esse pacote teve mais de nove versões, algumas das quais só vieram a público no momento em que foram colocadas em votação, em comissões ou mesmo no plenário do Senado (mais detalhes em http://www.pedro.jmrezende.com.br/trabs/crimesdigitais.html). Como o pacote incorpora um PL originado na Câmara, teve que voltar para lá, para votação em segunda instância, onde passou a tramitar sob o número do PL lá originado, o 84/1999.

Devido à forma atípica com que tramitou, é bem provável que uma busca por seu texto oficial, na web ou em portais do Congresso, não revele uma versão definitiva, que corresponda ao que deveria estar tramitando em segunda instância na Câmara.
 
Por exemplo, embora o Parecer publicado em http://webthes.senado.gov.br/sil/Comissoes/Permanentes/CCJ/Pareceres/PLC2008061889.rtf contenha uma redação completa do pacote, esta não é a versão final aprovada pelo Senado. Enquanto aquilo que foi publicado em um google doc, a título de justificativa do substitutivo a ser votado, em segunda instância, na Comissão de Ciência, Tecnologia e Informática da Câmara em julho ou agosto de 2011 (em https://www.google.com/accounts/ServiceLogin?service=wise&passive=true&go=true&continue=https://docs.google.com/document/d/1rfngnTvXBlb4g5ksnxcycHD6sKQdVYMC7Kw_MU4nF7M/edit?hl%3Dpt_BR%26pli%3D1%26pref%3D2%26pli%3D1), apenas faz referência ao texto final aprovado no Senado, mas sem incluí-lo.

O supralinkado Parecer contém a versão que foi aprovada na CCJ do Senado em 18 de junho de 2008, extra-pauta e sem discussão -- no caso, sem que ninguém, além de poucos senadores de confiança do relator, pudesse conhece-la antes da seção em que foi votada --, apenas com leitura do parecer e destaques em tempo real de votação. A versão final do Senado, aprovada em seção plenária três semanas depois, e que supostamente foi para votação em segunda instância na Câmara, até onde sei nunca foi disponibilizada eletronicamente pelo Senado.

A versão final do Senado deve (ou deveria) ser a versão aprovada na CCJ emendada por dez destaques apresentados e votados de chofre no plenário: assim como na CCJ (e em outras comissões), a votação final do pacote no plenário do Senado também foi extra-pauta e sem discussão. O vídeo da seção (de 9/7/08) mostra que, por volta da meia-noite, sob implícito acordo "de cavalheiros", uma versão que seria a aprovada na CCJ foi introduzida fora da pauta, lida e votada sem discussão. Ato contínuo, em votação suplementar, a versão recém-votada recebeu dez emendas de plenário, lidas ali e também aprovadas sem discussão.

Na tarde anterior (9/7/08) eu havia ido à Secretaria da Mesa do Senado e conversado pessoalmente com a Secretária da Mesa (quem leva e traz a papelada para o Presidente do Senado durante a seção), para saber o que estava em pauta para a seção daquela noite, ou que poderia ainda entrar, que fosse referente à dita matéria. Ela folheou pilhas de papéis na minha frente e não encontramos nada... Pelo visto, o tal acordo de cavalheiros iria contornar também a burocracia da casa. Depois disso a Secretaria da Mesa levou uns quatro dias úteis para "consolidar" a manobra -- diz-se: o texto final --, antes de enviá-lo ao Setor de Arquivos, responsável por despachá-lo à Câmara.

Quando o pacote do Senado chegou à Câmara para votação em segundo turno, também participei dos primeiros atos da mesma dança (relatada em http://www.pedro.jmrezende.com.br/trabs/crimesdigitais.html) lá. Foram várias, longas e furiosas reuniões, durante a legislatura passada. Porém, já conhecendo de outras praias os "novos" protagonistas que entraram em cena na atual legislatura, decidi voltar aos bastidores. Donde posso ainda concluir que a dança continua a mesma. Um dos passos principais dessa dança é: a versão eletrônica à qual se tem acesso hoje, pode ser ou pode não ser a que vai para o papel da ata de votação amanhã.

Assim, antes que alguma coisa seja votada definitivamente na Câmara, resta-me apresentar o que sei a respeito.  Talvez o mais relevante neste relato não esteja propriamente no que foi feito às escondidas ou disfarçadamente, mas naquilo que foi feito escancaradamente.

----------------

A oferta -- ou necessidade -- de uma justificativa moral para a embrulhação desse pacote nos moldes ocorridos foi assaz escancarada.  Quem assistir o vídeo daquela seção do Senado (pode ser solicitado à TV Senado, mas tem que mandar um DVD virgem e aguardar talvez alguns meses) poderá ver um detalhe inusitado, envolvendo a participação do então presidente do Senado no acordo de "cavalheiros" que propiciou os retoques finais dessa embrulhada.

Para a seção ordinária do dia 9 de julho de 2008, o presidente Garibaldi Alves convidou Marco Antonio Siqueira Del'Isola e Cristina Siqueira Del'Isola. Quem são eles? Trata-se dos pais de uma jovem de 19 anos que, quatro anos antes, havia sido estuprada, estrangulada, retalhada a faca e enterrada em baixo da escada de sua própria casa, pelo caseiro com ajuda da empregada.

Fotos macabras do corpo exumado de Maria Cláudia, que constavam do inquérito policial, foram impressas e apresentadas aos jurados, sem nenhuma instrução do que fazer com elas após o julgamento dos réus. Algumas delas foram escaneadas e acabaram na Internet, causando comoção aos pais, amplificada pela imprensa três meses antes (veja em http://www.mariaclaudiapelapaz.org/category/geral/page/7).

No post linkado acima observe, no comentário do jurista, que a punição aos vazadores das fotos poderia ser buscada com o código de processo penal atual (sem o tal pacote). Todavia, três meses depois a seção ordinária do Senado do dia 9 foi adiada, para a noite, o circo midiático foi montado, e os pais da jovem puderam mostrar, para as câmaras de TV no Salão Nobre, sua satisfação com esse ágil serviço prestado pelo Senado, aprovando extra-pauta o tal pacote, madrugada adentro.

LulzAI5d. Certas condutas parlamentares, que podem dar nisso, podem causar tanta repugnância e comoção coletiva como as fotos da tragédia pessoal da jovem Maria Cláudia.



Atualização em 7/11/2012
: Nesta data foi aprovada na Câmara, em caráter terminativo, alguma versão do AI-5 Digital. Cujo texto exato, também, desconheço. Para conhecimento, aguarda-se a sanção presidencial (a qual pode incluir veto de dispositivos), que provocará sua publicação no DOU (Diário Oficial da União).

Quadro de Anexos - AI-5 Digital como votado no Senado
andamento Anexo 1.
Autor: Portal do Senado | Data: 10.07.08
Página do site de busca do Senado com as últimas tramitações do PL 89/03
(número com o qual o pacote do AI5 digital tramitou no Senado)

Diario Oficial do Senado Anexo 2.
Autor: Diário Oficial do Senado | Data: 10.07.08
Primeira página do Diário do Senado de 10/07/08
com dados da ata da seção plenária que aprovou dito pacote
[Clique no ícone =>]

petição Anexo 3.
Autor: Pedro A D Rezende | Data: 16.07.08
Petição entregue à Mesa Diretora do Senado
solicitando documentos da seção e a versão final do pacote a ser enviada à Câmara
Despacho: Acolhida 
[Clique no ícone =>]

Anexo 4. pacote
Autor: Secretaria da Mesa do Senado | Data: 26.07.08
Versão final do pacote que teria sido enviado à Câmara
para votação em segundo turno

[Clique no ícone =>]