O Terrível Significado do discurso de Putin em 21/02/2023

David Sant para o blog The Vineyard of the Saker
Original publicado em http://thesaker.is/the-dire-significance-of-putins-feb-21-speech/
22 de Fevereiro de 2023

Traduzido por Pedro A. D. Rezende
22 de Fevereiro de 2023
Complementos da tradução entre [colchetes]



Na terça-feira, 21 de fevereiro, o presidente Putin fez um discurso que se esperava ser muito significativo, [sobre o Estado da União da Federação Russa, no ano passado]. Depois que foi pronunciado, no entanto, a maioria dos especialistas opinou que ele não disse nada que já não soubéssemos. A maioria deles se concentrou no anúncio da retirada da Rússia do tratado START II. No entanto, Putin disse algo muito mais significativo.


Uma Ameaça Existencial

O que Putin disse, quando lido pelas lentes do direito internacional, deve ser assustador para o Ocidente. Faríamos bem em lembrar que o Sr. Putin formou-se em direito internacional. [Sob esse prisma,] Seu discurso abriu um processo legal contra a OTAN.

Primeiro ele listou, pelas minhas contas, 30 maneiras diferentes pelas quais as nações ocidentais atacaram a Rússia. Isso incluiu a expansão da OTAN para as fronteiras da Rússia, apoio a terroristas na Rússia, guerra econômica, sabotagem terrorista do oleoduto Nordstream, financiamento do golpe e da guerra na Ucrânia, assistência direta à Ucrânia para atacar alvos na Rússia, incluindo bombardeiros nucleares da Rússia, e conspiração para destruir e dividir a Rússia em pedaços.

Aninhado no meio dessa lista havia uma declaração importante:

A escolha de palavras por Putin é extremamente significativa à luz da doutrina nuclear russa, que afirma que as armas nucleares podem ser usadas pela Rússia “em resposta ao uso de armas nucleares e outros tipos de armas de destruição em massa contra a Rússia ou seus aliados, e também no caso de agressão contra a Rússia com o uso de armas convencionais quando a própria existência do Estado russo estiver ameaçada”.

Entre os 30 pontos que evidenciam a guerra estadunidense contra a Rússia, o Sr. Putin listou vários casos de uso de armas americanas convencionais contra o território russo através da Ucrânia, e afirmou que isso representa uma “ameaça existencial [para o Estado russo].”

O que o Sr. Putin acabou de declarar nesse discurso é que o Kremlin agora considera a condição #2 para uso [de arma] nuclear como ocorrendo hoje.

Esta declaração foi acompanhada por duas ações relacionadas. Um dia antes do discurso, a Rússia testou um ICBM Sarmat II. E no final do discurso, o Sr. Putin anunciou que a Rússia se retirará imediatamente do tratado START II, ​​que limita o número e o alcance de seus mísseis nucleares.

Essas três declarações e eventos em conjunto devem comunicar ao Ocidente coletivo [o equivalente à Rússia ter acabado de dizer “Saia da minha varanda!” e em seguida armado sua pistola com o dedo no gatilho].

Isso não significa que a Rússia vai atacar os EUA amanhã de manhã. Mas que estamos agora definitivamente à beira do precipício de uma guerra nuclear.


Ataque e Defesa Nuclear

O Sr. Putin havia dito anteriormente que ninguém pode vencer uma guerra nuclear, e que uma guerra nunca deve ser travada. No entanto, nos bastidores, a Rússia vai se preparando freneticamente para sobreviver a uma tal guerra, que eles esperavam evitar.

A Rússia desenvolveu e implantou as defesas aéreas S-500 e S-550, que são projetadas principalmente para derrubar mísseis balísticos intercontinentais no espaço antes que estes possam liberar suas múltiplas ogivas de reentrada. Cada bateria do S-500 é capaz de rastrear e destruir simultaneamente dez ICBMs nos estágios iniciais e intermediários do voo [balístico]. Já as baterias S-300 e S-400 armadas, com os novos mísseis antibalísticos 77N6-N e 77N6-N1, também são capazes de abater ogivas de ICBMs após a reentrada [destas], em distâncias mais curtas do que o S-500.

Esses sistemas criam um [arranjo concêntrico] de semiesferas defensivas em torno das principais cidades russas e bases militares. No caso de uma evento nuclear [com lançamento dos dois lados], o S-500 teria como alvo os ICBMs enquanto ainda estivessem no espaço a uma distância de 600 quilômetros, fora das fronteiras da Rússia; enquanto as baterias S-400 e S-300 teriam como alvo qualquer ogiva liberada que conseguisse passar [pela barreira dos S-500]. Obviamente, impedir o lançamento de tantos mísseis inimigos quanto possível aumenta as chances de uma defesa bem-sucedida.

O S-500 foi implantado em 2021 para proteger Moscou e entrou em produção em massa a partir de 2022. Portanto, é muito provável que a Rússia tenha silenciosamente instalado um escudo abrangente de defesa antimísseis. Porém, não temos informações suficientes para saber se tal escudo poderia ser perfeitamente eficaz contra centenas de ICBMs de uma só vez. Na hipótese de lançamento máximo do arsenal de 640 ICBMs pela OTAN, um total de sessenta e quatro baterias S-500 seriam necessárias para interceptá-los todos.

[Esse arsenal máximo considera os] devidos tratados de redução de mísseis [firmados] desde 1990: a tríade nuclear da OTAN consiste em cerca de 400 ICBMs Minuteman III, 240 ICBMs Trident II lançáveis por submarinos, mais algumas centenas de bombas atômicas B61 transportáveis pelos sessenta bombardeiros pesados ​​B1 e B2 da força aérea da OTAN.

Se as defesas anti-ICBM da Rússia puderem eliminar 90% dos 640 mísseis lançados, ela poderia sobreviver a uma troca nuclear ao custo de absorver impactos de cerca de 50 ogivas que conseguissem passar, [segundo esse cálculo]. Dadas as ogivas modernas menores nas forças de mísseis da OTAN, [essas] causariam danos terríveis mas localizados. Moscou provavelmente sofreria danos massivos, mas o resto do território russo ficaria "bem".

As forças ofensivas nucleares da OTAN dependem dos antigos ICBMs Trident II e Minuteman III. A maioria desses sistemas tem mais de trinta anos, o que significa que provavelmente uma porcentagem significativa deles falhariam ainda ainda na fase inicial, de lançamento. As modernas defesas aéreas e ECMs da Rússia foram projetadas para derrotar essas velhas tecnologias.

Em equilíbrio com o esforço para aperfeiçoar as defesas anti-ICBMs, o Sr. Putin anunciou que as forças nucleares da Rússia já foram modernizadas em 91%. Isso significa que quase todos os ICBMs que a Rússia poderia disparar têm múltiplas ogivas hipersônicas manobráveis. Enquanto as defesas aéreas dos EUA são atualmente incapazes de abater [esse tipo de ogiva].

O espaçamento entre silos do Minuteman estadunidenses foi projetado para que a maioria possa sobreviver a um primeiro ataque e serem lançados uma retaliação. No entanto, as múltiplas ogivas hipersônicas de reentradas manobráveis dos ​​russos anulam essa defesa se os dados de manobra forem precisos. A Rússia precisa atingir com precisão 400 alvos terrestres em um primeiro ataque para anular a [possibilidade de retaliação com os mísseis sobreviventes].

Assim, se a Rússia atacar primeiro, poderia eliminar a maioria dos mísseis que poderiam atingi-la, destruindo-os ainda no solo. Neste caso, os 240 mísseis Trident lançáveis por submarinos seriam a principal ameaça contra a qual se defender [,após um tal ataque de surpresa, preemptivo]. Assim, um primeiro ataque poderia reduzir o número de mísseis de retaliação sobreviventes em 62%.

Noutro lado da tríade, é improvável que a envelhecida frota de bombardeiros pesados ​​da OTAN consiga penetrar nas defesas aéreas russas. Embora esses bombardeiros fossem mantidos constantemente no ar no auge da Guerra Fria, esse não é mais o caso. Um primeiro ataque tornaria improvável que os bombardeiros e reabastecedores pudessem decolar a tempo de responder com eficácia.

A Rússia atualmente tem uma janela de superioridade tanto no ataque quanto na defesa nuclear contra a OTAN, janela esta que a OTAN está tentando fechar o quanto antes. Ao passo que não é do interesse da Rússia permitir que a OTAN feche essa lacuna tecnológica em defesa aérea e em ataque por ICBMs.

O mundo está agora no limiar de uma guerra nuclear. A Rússia continua alertando o Ocidente. O Ocidente continua ignorando os avisos e dobrando a aposta. [Como se uma] força imparável estivesse indo ao encontro de um objeto imovível.

Três coisas importantes mudaram desde a Guerra Fria, as quais aumentaram a probabilidade de ocorrência de ataques nucleares.

  1. A proliferação nuclear. O que significa que a estratégia da destruição mutuamente assegurada (MAD) pode ser contornada se a identidade do primeiro atacante for incerta para o alvo. Um míssil que aparece de uma direção inesperada pode não ter sido lançado pelo suspeito mais óbvio.

  2. A estratégia MAD depende de ambos protagonistas serem atores racionais. O Ocidente deixou de agir racionalmente quando destruiu os gasodutos Nordstream I e II.

  3. A Rússia pode agora ter um escudo de defesa antimísseis eficaz, enquanto a OTAN ainda não tem.

O método russo projetado para frente

Assim como em dezembro de 2021, quando a Rússia pediu garantias de segurança à OTAN, a Rússia segue a letra da lei e dos procedimentos. Assim foi dada à OTAN a oportunidade de recuar ou negociar. Ao serem rechaçadas essas oportunidades, foi que a Rússia interveio militarmente na Ucrânia, cerca de 70 dias após a oferta inicial de negociação com a OTAN.

Seguindo o mesmo método, em 2023, a Rússia acaba de apresentar o caso legal de que os EUA e a OTAN estão em guerra com a Rússia e representam uma ameaça existencial para a sobrevivência da Rússia.

Parece-me provável que nas próximas semanas a China, aliada da Rússia, ofereça um acordo de paz que congele o conflito ucraniano dentro das atuais linhas de contato, ou seja, com a Ucrânia concedendo território perdido à Rússia.

Se o Ocidente rejeitar a paz oferecida, o que parece bastante provável, todas as condições para uma guerra nuclear estarão reunidas. Bastará uma nova provocação da OTAN para desencadear um primeiro ataque da Rússia. Ou pior, se ambas as partes perceberem que esse é o caso mais provável, ambas terão daí incentivo para atacar primeiro.

Nos próximos 360 dias, corremos grande perigo de uma troca nuclear entre a Rússia e a OTAN, maior do que jamais tivemos. Há uma janela de 60 a 90 dias restante para que esse resultado seja evitado. Oremos para que Deus afaste os corações dos líderes ocidentais da loucura suicida que eles abraçaram.