Jó era um rei edomita?

Biblical Horizons, Nº 130
James B. Jordan, Junho de 2000

http://www.biblicalhorizons.com/biblical-horizons/130/
http://www.biblicalhorizons.com/biblical-horizons/no-131-was-job-an-edomite-king-part-2

Traduzido ao portugues por Pedro A D Rezende
– comentários da tradução entre [colchetes] –



Na primeira tradução grega da Biblia hebraica, chamada Septuaginta, no final do livro de Jó há um parágrafo adicional que identifica Jó com Jobabe citado em Gênesis 36: 33-35, o segundo rei de Edom. Esse parágrafo adicional afirma o seguinte (usando a tradução de Edouard Dhorme em seu livro Commentary on the Book of Job, traduzido [para o inglês] por Harold Knight e publicado por Thomas Nelson em 1984):

Depreende-se do livro siríaco [versão aramaica de Jó] que ele [Jó] viveu na terra de Uz, nos confins de ldumaea [Edom] e da Arábia. Anteriormente, seu nome era Jobabe. Depois de tomar uma mulher árabe para esposa, esta deu à luz um filho cujo nome era Ennon. Seu pai era Zera, descendente de Esaú, e sua mãe era Bosorras, de modo que ele era o quinto desde Abraão. . . . [segue a lista dos antigos reis de Edom, conforme Gênesis 36: 31-35.] E estes são os reis que reinaram em Edom, um país que ele [Jobabe] também governou.

Contudo, não há nenhuma razão definitiva para creditar esta afirmação como historicamente exata. Pode ser mera especulação; poder-se-ia muito bem, alternativamente, identificar Jó com o Jobabe citado em Gênesis 10:29 [descendente de Noé], ou com nenhum desses. Ainda assim, esta explicação em algum remanescente da Septuaginta pode ter algo a ver, pois ela era claramente parte da tradição israelita.

Teremos que esperar estarmos no céu para saber se ela é verdade ou não. Mas, apenas por diversão, e porque o exercício pode ser
útil ao nosso entendimento das Escrituras, vamos ver quais poderiam ter sido as razões para os israelitas antigos identificarem Jó como um dos reis de Edom. Supondo que esses israelitas não tivessem mais nada para consultar além da mesma Bíblia que temos hoje, vamos ver se podemos descobrir o raciocínio dos israelita antigos, e se ele faz sentido.

Primeiro, consideraremos a questão se Jó era ou não edomita; Segundo, se ele era ou não um rei; E terceiro, se ele poderia ser o mesmo Jobabe de Gênesis
36.

Jó, o edomita

A origem edomita de Jó emerge quase certamente do contexto geográfico na narrativa da sua vida. Ele viveu “no leste” [de Israel], e Edom estava ao leste e um pouco ao sul de Israel, no canto noroeste da Arábia. Jó viveu na terra de Uz, que era parte da nação de Edom conforme Lamentações 4:21. Uz era um dos filhos de Disã, que foi um dos chefes originais de Seir, a terra que Esaú conquistou e com cuja nação fundiu seu clã (Gênesis 36: 28-30). Assim, podemos estar bastante seguros de que Jó era um edomita.

Bastante seguros, mas não absolutamente seguros, por duas razões: primeiro, enquanto a terra de Uz era parte de Edom nos dias de Jeremias, talvez não o teria sido nos dias de Jó, pois esses dois períodos estão, no mínimo, alguns séculos a parte; e segundo, porque existem duas outras referências a “Uz” na Bíblia:

Em Gênesis 10:23 é onde primeiro lemos sobre Uz, nome de um filho de Arã. Arã era filho de Sem e irmão de Arfaxade, este um antepassado dos hebreus (Gênesis 10 e 11) [Arfaxade foi avô de Eber, nome que teria originado a palavra “hebreu”]. A mulher de Isaque, Rebeca, era da terra de Arã, e as esposas de seu filho Jacó eram filhas do irmão de Rebeca, Labão, o arameu. Estes viveram ao leste de Canaã, pelo que esse primeiro Uz [e a terra que habitou] deve ser localizado nessa área. Em seu livro, Dhorme fornece argumentos para tal conclusão (nas páginas xxiii a xxiv).

Em Gênesis 22:21, lemos sobre um segundo Uz, filho de Naor, irmão de Abraão. Outro filho de Naor foi Betuel, pai de Rebeca. Porém, embora fossem também descendentes de Arfaxade, esses [descendentes de Naor] são chamados arameus, como vimos. Assim, é bastante claro que esse ramo dos hebreus se juntou com os arameus, e talvez o uso do nome Uz por Naor [escolhido para seu filho] remonte ao fato de que tal nome estava na linhagem dos arameus, com cuja cultura o clã de Naor havia se mesclado. Assim, Betuel é chamado Arameu (traduzido às vezes como sírio) em Gênesis 25:20 e 28: 5, bem como seu filho Labão, em Gênesis 31:20 e 31:24. Mais uma vez, Dhorme provê evidência de que os filhos de Naor, Uz e seu irmão Buz, viveram na mesma área que os demais Uzes.

Assim, poderia ser, em tese, que Jó tivesse vivido antes de Esaú, sendo descendente de Arã ou de Naor. Mas, podemos deduzir que não deve ser este o caso se examinarmos o que é narrado sobre os interlocutores de Jó.

Os quatro interlocutores de Jó [que dialogam com ele a partir de Jó 2:11] vieram de lugares
da região de Edom. Elifaz, o temanita, era obviamente edomita [como podemos deduzir]. O primeiro Elifaz citado na Bíblia era um dos filhos de Esaú, e um filho desse Elifaz original, que se chamava Temã, se tornou um dos chefes de Edom (Gênesis 36:15). O distrito de Temã em Edom claramente leva seu nome. Elifaz, o Temanita que dialoga com Jó, era desse lugar, e provavelmente descendente do Elifaz e do Temã originais. A presença de Elifaz o Temanita diante de Jó deixa claro que Jó viveu depois de Esaú, e depois que edomitas ocuparam a terra de Uz.

Bildade, o suíta, é descendente de Abraão através de Quetura (Gênesis 25: 2). Abraão enviou os filhos de Quetura para o leste (25: 6), e o livro de Dhorme mostra que eles se estabeleceram na região
ocupada mais tarde por Edom (p. xxvii). Embora a origem de Zofar, o Naamatita, não seja dada na Bíblia, ele claramente procedia também de Edom visto que ele vivia na mesma área geral que os outros interlocutores, [e combinaram juntos visitar a Jó (2:11b)]. Finalmente Eliú, que é chamado Buzita. Buz era filho de Naor, irmão de Uz. A cidade de Buz está ligada culturalmente a Dedã e a Tema em Jeremias 25:23, e o livro de Dhorme mostra que estas cidades estavam na mesma região geral (p.23).

Resumindo: Jó claramente viveu após Esaú, na terra de Uz, que era parte de Edom. Assim, podemos considerar estabelecido que Jó era edomita.

E o que isso significa? Para começar, isso significa que nem todos os descendentes de Esaú foram totalmente apóstatas. Alguns eram verdadeiros crentes. Vemos que Elifaz o Temanita, um edomita, tinha muito conhecimento verdadeiro de Deus, embora o tivesse mal aplicado. Também Calebe, o quenizita, membro do povo misto que foi adotado pela tribo de Judá, e que junto com
Josué foram os únicos fiéis entre os espiões que Moisés enviou para investigar Canaã, era provavelmente edomita (Gênesis 36:11): haviam quenizitas antes de Edom, mas, como no caso dos vários Uzes, podemos postular que os edomitas se fundiram com esses quenizitas anteriores (Gênesis 15:19).

O fato de Jó ser edomita também fornece uma perspectiva interessante para Ezequiel 14:14 e 14:20, onde Deus diz a Ezequiel que, se três dos homens mais justos dentre os que já haviam vivido estivessem presentes na cidade apóstata de Jerusalém, eles só seriam capazes de livrar a si mesmos. Os três são Noé, Daniel e Jó. (Estudiosos liberais que não querem acreditar que Deus ou Ezequiel iriam elogiar tanto um homem contemporâneo a Ezequiel, tentam distinguir este Daniel do Daniel profeta bíblico, situando o desta passagem em um período anterior ao do profeta bíblico, mas não há nenhuma evidência para essa suposição.)

Noé era o justo gentio, Daniel, o justo israelita, e Jó, o justo edomita. Esse trio expressa uma instância da trindade humana representada em várias passagens da Bíblia. Há três grandes inimigos de Deus em Gênesis 3-6: o primeiro é o pai do homem ímpio, Adão, que peca no santuário [Éden]. O segundo é o filho/irmão humano ímpio, Caim, que peca na terra. O terceiro é o espírito humano ímpio, que rejeita o Espírito casamenteiro de Deus ao se casar com filhas dos Cainitas, em Gênesis 6. [Alternativamente a esta doutrina alegórica e
simplória para Gênesis 6:2-4, traduzindo benê-hâ'elôhîm (filhos de Deus) em Gênesis 6:2 e 6:4 fielmente, como ‘anjos’, o espírito humano ímpio prevalece nos nefilimanjos rebeldes caídos que se materializavam em valentes homens de renome – e nos rafaim (citados em Gênesis 14:5, 15:20, Deuteronômio 2:11, 2:20, 3:11-13, Josué 12:4, 13:12, 15:8, 17:15, 18:16)descendentes do cruzamento dos nefilim com as formosas filhas dos homens (que descendiam de Adão e Eva), as quais os nefilins tomaram para si. – (interpretação literal de Gn 6:2-4)]

Mais tarde, na Bíblia, os hebreus-israelitas são criados como sacerdotes do santuário de Deus, e os sacerdotes ímpios seguem o pecado de Adão. Esaú assume o papel de Caim, procurando matar seu irmão Jacó e tomar a herança que Deus havia dito que devia ser dada a Jacó; E em toda a Bíblia, Esaú/Edom segue tendo esse papel. E na terceira posição, estão os inimigos gentios, com quem o pecado principal de Israel vem a ser procurarem se casar ou misturar-se com eles. Tanto Jesus quanto Paulo são julgados pelos três: pelo Sumo Sacerdote e o Sinédrio dos Judeus, por Herodes [Jesus, por Herodes Antipas, e Paulo, por Herodes Agripa II], que eram edomitas (ldumeus), e pelos governantes romanos. Esse paradigma [da trindade humana] é discutido em detalhes no livro “Crise, Oportunidade e o Futuro Cristão.”

A tríade de Noé, Jó e Daniel se encaixa perfeitamente nesse paradigma e explica por que Deus escolheu esses homens naquela Sua profecia dada a Ezequiel. Eles caracterizam o justo espírito gentio, o justo irmão edomita e o justo sacerdote israelita.

como rei

Sendo Jó edomita, isso já o relaciona com a era real da história de Israel. Como mostro no livro que mencionado acima, a história de Israel se divide em três fases. Durante a primeira fase, a Era Sinaítica, relatada principalmente no livro de Juízes, o pecado de Israel era basicamente sacerdotal: adoração a
outros deuses. Os pecados sociais nessa Era não eram muito visíveis. Durante a segunda fase, a Era Real, os pecados sociais foram preponderantes. Foi um tempo de conflito entre irmãos, começando na casa de Davi e ganhando proporções até o ponto de divisão do próprio reino. É um tempo de Jacó versus Esaú em larga escala. A terceira fase, da Restauração, é um tempo marcado principalmente pela interação com gentios. O pecado prevalecente aí se torna o sincretismo ou a miscigenação com pagãos (como em Esdras, Neemias e Malaquias).

Jó é claramente um tipo de rei: ele é o líder de sua comunidade. Ele é pedra angular, [o foco principal] dessa liderança, enquanto Elifaz, Bildade
e Zofar são como seus "três homens poderosos", [ou seu “segundo escalão”,] nos cantos remotos do seu reino. É devido ao fato deser um tal tipo de rei, que os homens mais próximos dele em poder, [a pretexto de amizade e solidariedade (Jó 2:11),] chegaram para tentar forçá-lo a abdicar. [No diálogo narrado poeticamente entre eles, sinal disto está nseess “amigos” se referirem indiretamente a Jó, de forma acusatória nove vezes, como “poderoso” (entre Jó 5:15 e Jó 36:5)].

(A palavra hebraica para "comandante do exército" é a mesma para "canto" [ou “esquina”, transliterado śar]. Para outros exemplos de umcanto” principal com outros três “cantos poderosos” [com esse sentido, ou jogo de palavras, na Bíblia], considere David e seus três generais, Daniel e seus três amigos, e Jesus com Pedro mais Tiago e João. Compare também Jesus com Caifás mais Herodes e Pilatos, conforme discutido acima. [Observe que a menor configuração tridimensional possível requer quatro pontos de referência, formando uma pirâmide; neste caso, pirâmide de poder, com a hierarquia na vertical e o domínio na horizontal].)

Jó era o "maior dos homens do oriente" (Jó 1: 3). Como um rei [ou uma espécie de senhor feudal], ele empregava centenas de pessoas e alimentava os pobres. O desastre que se abateu sua casa foi, assim, um desastre em todo o seu reino. Os pobres estavam morrendo de fome, e centenas de pessoas ficaram sem trabalho ou foram mortas. As feridas no corpo de Jó eram sinal das lesões no corpo político do qual ele era o cabeça, um ponto [interpretativo] que não escaparia a nenhum leitor antigo.

Este reino ou "casa" política desmoronou porque seu “canto principal”, Jó, caiu. Assim, os outros três “cantos” passaram
a tentar repará-la. A falácia dos três [interlocutores de Jó] não estava em procurarem restaurar sua sociedade, mas na maneira pela qual procuram fazê-lo. O desejo deles era de que Jó desistisse com admissão da culpa, para que um deles pudesse substituí-lo [com “legitimidade”]. A intenção de Deus, no entanto, é tomar a Jó e sua sociedade através de julgamento e ressurreição, e reconstituir uma sociedade nova e melhor, depois (como ocorre em Jó 42).

A posição de Jó como rei ou líder de seu povo foi habilmente analisada por Rene Girard em “
Jó: The victim of his people, traduzida [ao ingles] por Yvonne Freccero e publicada pela Stanford University Press em 1987. Apesar das falhas neste livro, ele deixa claro que o ataque a Jó não veio porque Jó era uma pessoa comum, mas por causa de sua posição de liderança, cuja comunidade havia entrado em caos aparentemente como resultado do julgamento de Deus sobre seu "rei", Jó. Então, o livro de Jó não é apenas sobre os sofrimentos de um homem justo, embora em parte [no plano individual] seja isso, e possa ser pregado assim. Mas o livro de Jó é também sobre caos no corpo político, e sobre a posição sofredora do rei dentro desse caos.

[No plano coletivo,] o
livro de Jó é sobre realeza. Nesse sentido, ele se conecta a três outros livros “de sabedoria”, produzidos por Salomão. Jó é sobre o sofrimento do rei. Eclesiastes é sobre a velha sabedoria do rei. Cânticos é sobre o casamento do rei com seu povo. E Provérbios é um conselho do rei ao filho sucessor: que ele se junte à companhia dos sábios (personificado como a Senhora da Sabedoria nos capítulos 1 a 9 e 31), e evite a companhia dos insensatos (personificada como Loucura da Prostituta) - algo que Roboão, o filho sucessor de Salomão, absolutamente não se prestou a fazer.

Enquanto a lei e a obediência estão associadas à Era Sinaítica, a sabedoria e a habilidade social estão associadas à Era Real. Os livros de lei são dados através de Moisés, enquanto os livros de sabedoria, por Salomão. Parece muito provável, então, que Salomão seja o autor do livro de Jó. Na verdade, seu
capítulo 28 poderia muito bem ser parte do livro de Provérbios ou de Eclesiastes. Assim, embora não possamos saber com certeza, Salomão seria o mais provável autor do livro de Jó.

(Hoje, tornou-se lugar-comum negar Salomão como autor de Eclesiastes, mas os argumentos contra essa autoria são tão frágeis quanto teias de aranha. O texto claramente diz quem o escreveu. Também é claro que, tendo Salomão escrito a primeira parte de Provérbios, foi-lhe adicionado mais tarde, nos dias de Ezequias; mas este não é o lugar para uma discussão completa dos "quatro livros de Salomão").


Resumindo: Vimos que, para todos os efeitos, Jó era uma espécie de rei para sua sociedade, e que, sendo edomita, isso associa sua história ao temas bíblicos da realeza e de conflitos entre irmãos. Assim, os antigos judeus estavam em boas condições para dizer que Jó era um rei edomita. Mas seria ele o Jobabe de Gênesis 36:33?


Jó era Jobabe?

Para começar, Gênesis 36:33 nos diz que o segundo nomeado rei de Edom foi
"Jobabe, filho de Zerá, de Bozra". Há duas diferenças entre o nome desse homem e o de Jó. Sem as marcas de vogais, que não fazem parte do texto original, em hebraico da época elas são escritas, respectivamente, com letras transliteradas ywvv (Jobab) e 'ywv (Jó). O nome de Jó começa com a letra alefe ('), ausente no nome do rei edomita Jobabe, que tem uma letra beth (v) a mais no final.

Há um segundo problema: O nome Jó
claramente significa "perseguido", enquanto o significado de Jobabe é desconhecido.

Entretanto, esses problemas podem não ser tão grandes quanto parecem. Em primeiro lugar, temos o testemunho das pessoas familiarizadas com as línguas hebraica e semítica antigas, que poderiam facilmente pensar que essas duas escritas são variantes do mesmo nome. Em segundo lugar, o alefe que começa a grafia hebraica do nome Jó é às vezes escrito nessa posição simplesmente para fazer a primeira vogal soar mais forte, e, portanto, nem sempre uma componente necessária para grafar a palavra (quando ocorre no início). O nome do rei edomita Jobabe no idioma hebraico é pronunciado "Yovav", enquanto o nome de Jó é pronunciado "Eeyov", ambas palavras bissilábicas. Além disso, verter o nome "Yovav" para "Perseguido" ("Eeyov") é fácil [de se explicar, em um livro poético,] e se encaixa no propósito do autor do livro de Jó [o primeiro livro poético na Bíblia cristã].

Mesmo assim, se tudo o que podemos
fazer é comparar os nomes, não haverá provas suficientes para firmar qualquer hipótese. Contudo, considerando que Jó era um líder edomita, e que os nomes Jó e Jobabe são semelhantes [no hebraico original], é fácil entender por que os judeus antigos fizeram essa associação.


Prossegindo, talvez possamos extrair das Escrituras um pouco mais de informação que nos ajude a situar no seu tempo e, assim, fortalecer (memo que apenas um pouquinho) a hipótese de que Jó e Jobabe são a mesma pessoa, caso a época de ambos coincidam. Gênesis 36: 31-39 nos fornece uma lista de sete reis que governaram Edom, seguida de um oitavo rei.

1. Bela ben Beor de Dinabá
2. Jobabe ben Zera de Bozra
3. Husão de Teman
4. Hadad ben Bedad de Avith
5. Sâmela de Masreká
6. Saul de Reobote
7. Baal-Hanã ben Achbor
8. Hadar/d de Paú


O oitavo é Hadar ou Hadad (escrito assim em muitas versões; a grafia hebraica para D e R são quase exatamente da mesma forma). Este

é quase certamente o Hadad que fugiu para o Egito como criança quando David conquistou Edom, e quem depois libertou Edom de Salomão (conforme 1 Reis 11:14-22). Hadad se casou com a irmã da mulher de Faraó, [de nome Meetabel] - assim como Salomão se casou com uma filha de Faraó. Em Gênesis 36:39, a linhagem da mulher de Hadad é nomeada. As esposas dos sete reis edomitas precedentes não são nomeadas. Notemos que na Era Real, as esposas dos reis de Judá são nomeadas, identificando a mãe do próximo rei (1 Reis 11:20), enquanto as esposas dos juízes na precedente Era Sinaitica não o são.


Juntando Gênesis 36 e 1 Reis 11, vemos Edom sendo governado por sete reis, depois passando por morte e ressurreição [como nação], seguido por uma nova linhagem de reis. Os sete reis anteriores não formavam uma dinastia, tendo sido eleitos de várias cidades e famílias distintas; enquanto os reis posteriores foram descendentes de Hadad (I Reis 11:20, por implicação, formando uma dinastia). Paralelamente em Israel, havia sete juízes eleitos, conforme o livro de Juízes (Otniel, Eud, Débora, Gideão, Abimeleque, Jefté e Sansão), seguido de uma morte da naçãoquando o Tabernáculo foi desmontado nos dias de Samuel – e de uma ressurreição, com Davi ([que resgatou a arca da Aliança e] iniciou uma dinastia), cujo filho sucessor reeditou o Tabernáculo como Templo. Mas esses sete juízes de Israel não são chamados reis, enquanto os seus contemporâneos em Edom são chamados reis, de acordo com a regra [hermenêutica] de que os ímpios recebem primeiro a sua herança, e depois a perdem, enquanto os justos a obtêm por último, e a conservam (Gênesis 36:31). (Ver a Nota 1 no final deste ensaio.)


Qual é a cronologia dos sete primeiros reis edomitas? Não podemos saber com certeza, mas existem pistas que nos permitem esboçar a mais provável [seguindo o padrão “morreu x, e y reinou em seu lugar”]. Começando pelo final, o último rei antes de Hadad foi Baal-Hanã. Podemos presumir que ele foi o rei derrotado por Davi. Seu predecessor tinha o nome Saul (grafadoShaul’ em muitas Bíblias). Vamos supor que o edomita Saul tenha sido contemporâneo do ímpio Saul que governou Israel.


O quinto rei de Edom seria Sâmela, e o quarto, Hadad ben Bedad. Este Hadad foi o que "feriu Midiã no campo de Moab" (Gênesis 36:35). Doutro lado, em Juízes, lemos que Gideão libertou Israel de Midiã (Juízes 6-8). Parece bem provável que esses eventos estejam ligados de alguma forma, pois é típico dos edomitas caírem sobre uma nação recém-derrotada para despojá-la: os edomeus amalequitas estavam a caminho de atacar os "Reis Pastores" no Egito quando cruzaram com o povo israelita que havia escapado do Egito (Êxodo 17), e encontramos o mesmo padrão em Obadias 10-14 e no Salmo 137. Assim, parece provável que após Gideão ter derrotado e expulsado os invasores midianitas, os edomeus comandados por Hadad ben Bedad caíram sobre eles e os conquistaram.

O terceiro rei edomita teria sido
Husão, o segundo teria sido Jobabe, e o primeiro, Bela, filho de Beor. Supõe-se que este Bela esteja relacionado a Balaão, filho de Beor (Números 22: 5). Sabemos que nessa época já existiam reis em Edom, porque foi um rei de Edom que negou a Moisés passagem por seu território (Números 20:14-21). Se este rei era Bela, filho de Beor, Balaão seria possivelmente seu irmão.

Transliteado do hebraico, o
nome Bela se grafa bela`, enquanto o nome Balaam é grafado bilam. O E em Bela é curto, e poderia facilmente encurtar mais, para um I, se o nome for estendido [por sufixo], como ocorre no nome Bilam: Bela é acentuado na primeira sílaba, enquanto Bil`am é acentuado na segunda, após uma pausa sonora. Assim, é perfeitamente possível que Bela e Balaão sejam a mesma pessoa: o nome [Bela] parece ser uma forma abreviada de Baal, que significa "senhor, marido, comedor"; Bela, como primeiro rei de Edom, seria "Senhor / Marido / Comedor", enquanto Balaão significa "Senhor / Marido / Comedor de um Povo". (Compare o deus babilônico Bel com o deus cananeu Baal para uma associação semelhante.) O senhor de um povo é seu marido, e o "come" em si mesmo em termos de corpo político. (Ver Nota 2 no final deste ensaio.)

Independentemente de
Bela e Balaão serem ou não a mesma pessoa, o fato de ambos serem filhos de Beor, do único "Beor" que é mencionado com esse nome na Bíblia, indica forte possibilidade de que ambos serem ao menos irmãos, se não a mesma pessoa. Portanto, contemporâneos.

Entretanto, pode ser
que a lista dos reis de Edom em Gênesis 36 não esteja completa. Como já havia um rei sobre Edom nos dias de Moisés (que supomos ser Bela, filho de Beor), oito reis parece ser pouco para cobrir os 480 anos ou mais entre o fim do êxodo de Israel e a parte final do reinado de Salomão. Assim, tudo indica que houve reis de Edom que não foram incluídos na lista dos oito em Gênesis 36, [ou que Edom, nesse período de 480 anos, passou por intervalos sem rei, voltando temporariamente a ter apenas chefes regionais, durante o processo de escolha de outro rei entre esses chefes].

Se Bela era rei na época
de Moisés, e Jobabe veio logo depois ou imediatamente depois dele, Jobabe teria sido rei de Edom nos dias de Josué. [Neste caso] Jobabe teria tido oportunidade de encontrar Moisés e seu povo em sacerdócio ao Deus Jeová no deserto, e poderia ter se convertido naquela época. A ordem de Moisés em Deuteronômio 23:7-8 indica que haviam realmente edomitas procurando se juntar a Israel nessa época. Se esse Jobabe for o mesmo Jó, então tal encontro explicaria duas coisas: primeiro, explicaria como Jobabe e outros em sua região vieram a conhecer a religião do Deus de Israel; e segundo, explicaria como os israelitas vieram a conhecer a história de Jó.


Podemos explorar essa hipótese um passo além: Jobabe era filho de Zerá, e o único Zerá [cujo pai é] mencionado em Gênesis 36 é filho de Reuel, filho de Esaú (36:13) [Outra referência a Zerá, citado em Gênesis 36:33 como pai do rei Jobabe, não tem ali origem mencionada, apenas procedência: era da cidade de Bozra]. [O primeiro] Zerá pode ou não ter sido o pai de Jobabe. Esaú casou-se com a mãe de Reuel, filha de Ismael, uma geração depois de haver se casado com suas duas primeiras esposas, cananitas (Gênesis 26:34; 28: 8-9). Se esse Reuel nasceu muitos anos depois, poderia ter nascido na época em que Israel ia para o Egito, ou pouco antes. Lembrando que Joquebede, mãe de Moisés, nasceu da descendência de Levi gerada no Egito (Números 26:59). Zerá, o filho de Reuel, pode ter sido um contemporâneo mais jovem de Joquebede, e assim Jobabe pode ter sido contemporânea mais jovem de Moisés. [A hipótese de Reuel, mesmo sendo filho temporão de Esaú, ter gerado ao Zerá pai de um Jobabe contemporâneo a Moisés, me parece remota, pelo tempo decorrido. De mais de 400 anos. Considero mais provável que o Zerá em 36:13, referido como filho de Reuel, e o Zerá em 36:33, referido como morador de Bozra, não sejam o mesmo, o que poderia ser decidido por alguma referência ao início da ocupação de Bozra por edomeus (não encontrada).]

Agora, suponha que Bela e Balaão sejam
a mesma pessoa. Moisés matou esta pessoa exatamente no final da [passagem pelo] deserto (Números 31: 8 – e essa menção a Balaão, filho de Beor, no mesmo contexto que menciona cinco reis de Midiã, aumenta a possibilidade de Balaão ser Bela, rei de Edom). Nesse ponto, então, Jobabe, filho de Zerá, teria se tornado rei de Edom.

Naturalmente, deve-se ter em mente
que (a) esta cronologia hipotética pode não estar correta; (b) mesmo estando correta, Jobabe poderia não ter sucedido Bela imediatamente; (c) Jobabe pode não ser Jó; e (d) as experiências de Jó poderiam ter-se tornado conhecidas dos israelitas a qualquer momento durante o período dos Juízes. Prova difícil e rápida da minha reconstrução sugerida não está disponível.

Mas o que este ensaio conseguiu foi o seguinte: Sustentar por que
os antigos judeus tinham razão ao supor que Jó era um rei edomita, e por que eles poderiam ter tido razão em relacioná-lo a Jobabe, filho de Zerá, de Bozra.



Nota 1:


Gênesis enfatiza que [uma versão] caída da cultura chega à história antes que a verdadeira cultura surja. Vemos isso claramente em Gênesis 4, onde temos a primeira cidade, o primeiro músico, o primeiro agricultor, o primeiro metalúrgico e o primeiro poeta, todos na linhagem de Caim. E mais tarde, enquanto Abraão ("Pai de uma multidão") tem apenas dois filhos (antes de seu casamento com Quetura), seu irmão Naor tem uma prole completa de doze. Da mesma forma, enquanto Isaque tem apenas dois filhos, Ismael tem doze. Jacó chega finalmente aos doze filhos, mas seu irmão Esaú funda um reino que tem uma série de reis muito antes de Jacó (embora a Jacó seja prometido [uma descendência de] reis, em Gênesis 35:11).

Enoque e Babilônia são as primeiras cidades, mas Jerusalém é a última. Jubal é o primeiro músico, mas David o "último". Os ímpios chegam primeiro e fazem a maior parte do trabalho, deixando uma herança para os justos. Por não se preocuparem com a moralidade, os ímpios se dão a liberdade de empregar trabalho escravo e assim constroem suas culturas mais cedo, enquanto a cultura dos justos leva mais tempo para ser construida.


Nota 2:


Na Bíblia, o comer tem também um significado metafórico. Comer é incorporação. Em Apocalipse 3:16, a Igreja [de Laodicéia] é retratada como estando na boca de Jesus, como se Ele estesse para comê-la, incorporando-a. Quando Deus "come" os sacrifícios em Levítico, Ele está "comendo" [incorporando] o povo em Si mesmo, como seu Rei. Quando os cristãos se cumprimentam com um beijo santo, eles estão simbolicamente "comendo" [incorporando] uns aos outros, compartilhando suas vidas.
Os nomes Bela (
Bel`a) e Balaam (Bil`am) ([antigamente grafados] bl` e bl`m) são obviamente relacionados com a raiz bl`, que significa "comer ou devorar". [Na grafia hebraica do] nome Balaão, o sufixo "am" é evidentemente adicionado, sendo esse sufixo uma palavra que significa "povo" [ou pessoas], de modo que Balaão significa "Comedor de Pessoas".

A palavra Baal, encurtada para Bel, significa "senhor" ou "marido". Sua grafia
em hebraico, b`l, é simplesmente uma transposição das duas últimas letras de bl` (que significa “comer”, “devorar”). Tais transposições ocorrem ocasionalmente [ao longo do tempo] em palavras hebraicas. Além disso, na forma abreviada Bel, cai a consoante média: bl. [fundindo ambas numa polissemia]. Assim, não podemos estar errando muito ao associar as duas palavras. [Em certo sentido figurado,] um rei é um senhor e marido, e um “comedor” [incorporador] de seu povo em si mesmo.